30/07/2013

Seleções nacionais na década (2003-2013) do “quase”

Hoje invadiu-me o desconsolo. Criei expectativas elevadas relativas à seleção portuguesa Sub-19 no Campeonato Europeu da Lituânia e, quando a equipa tinha tudo para assegurar a presença na final, deu-se o impensável: a derrota e a eliminação. Deu a volta ao resultado durante os 90 minutos e deixou-se empatar perto do final (85’). Nas grandes penalidades, a vencer por 2-0, foi perder por 2-3, com três grandes penalidades falhadas consecutivamente. Qual a probabilidade de isto acontecer?
 
Imagem: A sina das seleções portuguesas. Uma década de “quases” e de tristezas (fonte: www.uefa.com/under19/index.html).

Esta nova frustração levou-me a fazer uma breve pesquisa e reflexão sobre os resultados das seleções nacionais de Portugal na última década, isto é, entre 2003 e 2013. Ei-los:

Seleção Principal (“A”) 
2012. Campeonato Europeu (Polónia/Ucrânia): Meias-finais – Portugal 0 x 0 (2 x 4 g. p.) Espanha
2010. Campeonato Mundial (África do Sul): Oitavos de final – Espanha 1 x 0 Portugal
2008. Campeonato Europeu (Suíça/Áustria): Quartos de final – Portugal 2 x 3 Alemanha
2006. Campeonato Mundial (Alemanha): Meias-finais – Portugal 0 x 1 França
2004. Campeonato Europeu (Portugal): Final – Portugal 0 x 1 Grécia

Seleção Sub-21
2007. Campeonato Europeu (Holanda): Apuramento Jogos Olímpicos (5º e 6º lugares) – Portugal 0 x 0 (3 x 4 g. p.) Itália
2006. Campeonato Europeu (Portugal): Portugal não foi apurado para as Meias-finais devido à diferença de golos (i.e., 1 golo)
2004. Campeonato Europeu (Alemanha): Meias-finais – Itália 3 x 1 Portugal; 3º e 4º lugares – Portugal 3 x 2 Suécia

Seleção Sub-20
2013. Campeonato Mundial (Turquia): Oitavos de final – Portugal 2 x 3 Gana
2011. Campeonato Mundial (Colômbia): Final – Brasil 3 x 2 (a. p.) Portugal
2007. Campeonato Mundial (Canadá): Oitavos de final – Chile 1 x 0 Portugal

Seleção Sub-19

2013. Campeonato Europeu (Lituânia): Meias-finais – Sérvia 2 x 2 (3 x 2 g. p.) Portugal
2012. Campeonato Europeu (Estónia): Portugal – 3º lugar no Grupo A
2010. Campeonato Europeu (França): Portugal – 3º lugar no Grupo B
2007. Campeonato Europeu (Áustria): Portugal – 3º lugar no Grupo A
2006. Campeonato Europeu (Polónia): Portugal – 3º lugar no Grupo B
2003. Campeonato Europeu (Liechtenstein): Final – Itália 2 x 0 Portugal

Seleção Sub-17
2010. Campeonato Europeu(Liechtenstein): Portugal – 3º lugar no Grupo A
2004. Campeonato Europeu (França): Meias-finais – França 3 x 1 Portugal; 3º e 4º lugares – Portugal 4 x 4 (3 x 2 g. p.) Inglaterra
2003. Campeonato Mundial (Finlândia): Quartos de final – Espanha 5 x 2 Portugal
2003. Campeonato Europeu (Portugal): Final – Espanha 1 x 2 Portugal

Portanto, na década em análise, as seleções portuguesas atingiram (ou terminaram em...):

·      1 Campeonato Europeu Sub-17
·      3 Finais (2º lugares)
·      5 Meias-finais
·      2 Quartos de final
·      3 Oitavos de final
·      7 Fases de grupos
·      21 Presenças em fases finais

O país é pequeno (≈ 10 milhões de habitantes), mas temos tradição no futebol. Há cada vez mais treinadores espalhados pelo mundo, a trabalhar ou com recentes passagens pelas principais ligas europeias. Há mais jogadores a atuar em clubes de topo à escala planetária e/ou a jogar em clubes que competem nas ligas europeias mais mediáticas. Há largos meses que temos a seleção principal de Portugal no Top-10 do ranking da FIFA. Temos clubes portugueses a chegar, cada vez com mais frequência, a fases mais avançadas das competições europeias. Temos Cristiano Ronaldo, mas já tivemos Figo, Rui Costa, João Pinto e outros craques que contribuíram para a projeção das nossas seleções num passado recente. E temos outros que estão aí a aparecer.

Ainda assim, parece que falta qualquer coisa… o “quase”. Os títulos! Recordemos as recentes derrotas das seleções “A” (2012; 2-4 g. p. com a Espanha), Sub-20 (2013; 3-2 com o Gana) e Sub-19 (2013; 3-2 g. p. com a Sérvia). Durante largos períodos dos jogos, as nossas seleções foram superiores à equipa adversária. Se não claudicaram durante a partida, perderam na “lotaria” das grandes penalidades. O fator sorte pode deter alguma importância, mas não me parece que seja determinante. As grandes penalidades são treináveis, tanto do ponto de vista técnico, como dos pontos de vista estratégico-tático e psicológico. Depois, em situação de desvantagem, as equipas manifestaram capacidade para operar a reviravolta, denotando, em seguida, a tendência para recuar no terreno de jogo e dar a iniciativa do ataque à equipa oponente. Consequência: permitiram que os adversários empatassem e/ou vencessem nos minutos finais.

Falta de qualidade? Não. Coincidências? Não acredito. Então, há aspetos que podem ser melhorados? Claro. Em primeiro lugar, as equipas demonstraram ser algo permissivas defensivamente. Observou-se alguma falta de agressividade defensiva e, por vezes, alguns erros no cumprimento de princípios táticos básicos. Neste sentido, a coordenação interpessoal no processo defensivo pode e deve ser bastante otimizada. Contudo, na minha perspetiva, o que é mais notório é a carência de mentalidade competitiva, que é típica das nossas gentes e é transversal a todos os escalões etários da seleção nacional. 

Neste particular, não posso deixar de evidenciar o trabalho que é feito, desde a base, pelos “nuestros hermanos” espanhóis. Em vantagem no marcador, as suas seleções não recuam, não cedem a iniciativa à equipa contrária. Procuram, sim, gerir a posse de bola, com critério e qualidade e, quando a ocasião surge, tentam aumentar a diferença no score. Não é por acaso que têm dominado, nos anos mais recentes, o futebol europeu e mundial, nos diversos escalões etários. Admitamos: são um exemplo a seguir.

Quanto a nós, se tudo isto é coincidência, então triste é o nosso fado. Ao invés, se tudo acontece por uma razão, que tiremos as devidas ilações e possamos dar mais amiúde alegrias ao povo. Portugal precisa e merece.

22/07/2013

Combinações táticas diretas no futebol: A base da progressão coletiva no espaço de jogo

No futebol, a relação individual com a bola é importante e deve ser estimulada desde tenra idade. Contudo, as ações técnicas só adquirem expressão quando integradas no contexto de cooperação e oposição que o jogo oferece.
 
A criança/jovem deve, por isso, desenvolver competências táticas simples que lhe permitam resolver, em conjunto com os elementos da sua equipa, problemas contextuais do jogo. Neste particular, as combinações ofensivas a dois jogadores, habitualmente designadas de combinações táticas diretas, constituem a base da progressão coletiva no espaço de jogo e devem ser especialmente ponderadas, propiciadas e reforçadas no treino desta modalidade, sobretudo a partir do momento em que os miúdos começam a competir.
  
Apesar de cada vez se começar a competir mais cedo, não é um aspeto que devamos impingir nos exercícios ou nos jogos. Na minha perspetiva, deve ocorrer espontaneamente, traduzindo o conhecimento do jogador relativo às vantagens que decorrem da cooperação com os companheiros de equipa. Há crianças/jovens que começam a executar intuitivamente e outras que incorrem no erro de tentar solucionar, sistematicamente, problemas situacionais do jogo de forma individual e muitas das vezes com taxas de sucesso reduzidas. Tal como os processos de crescimento e maturação, a aprendizagem também se realiza a ritmos muito diversos, variando de sujeito para sujeito. Portanto, a paciência é um predicado essencial para o treinador.
 
Os casos de combinações táticas diretas mais vulgarmente observados são a “tabelinha” ou “um, dois” (i.e., passar a bola ao companheiro e recebê-la mais à frente, ultrapassando o adversário direto; fig. 1a) e o “overlap” ou “dá-e-passa-nas-costas” (i.e., passar a bola ao companheiro e efetuar uma desmarcação semicircular, contornando-o pela sua retaguarda, para receber a bola em zona mais avançada; fig. 1b). A aprendizagem pode ser efetivada através de formas jogadas e jogos reduzidos e/ou condicionados, inicialmente com superioridade numérica atacante (2v1, Gr+3v2+Gr ou Gr+5v3+Gr) e, posteriormente, progredindo para situações mais complexas em igualdade numérica (2v2, 3v3 ou Gr+5v5+Gr).
 
  Figura 1. Ilustrações das combinações táticas diretas "tabelinha" e "overlap".
(p.f. clique na imagem para ampliar)
 
Para concluir, deixo-vos as imagens de um golo recente da equipa principal do SL Benfica e que demonstra todo o potencial ofensivo da combinação tática direta no futebol, inclusivamente ao nível do alto rendimento.
 
  
Três combinações táticas diretas consecutivas que implicaram a progressão no terreno de jogo, a criação da situação de finalização e, em última instância, determinaram a obtenção do golo. Elucidativo!

02/07/2013

O Aço Mudou de Têmpera

Manuel do Nascimento (1912 – 1966) foi um escritor monchiquense que publicou um punhado de boas obras literárias em meados do século XX. Num concelho onde o ditado popular “santos da casa não fazem milagres” é milimetricamente preciso, os seus livros e o seu nome ficaram sentenciados ao infortúnio do esquecimento durante longas décadas. Contudo, recentemente, houve a preocupação de um grupo restrito de pessoas de relembrar a obra e a qualidade literária deste nosso conterrâneo da vila de Monchique.

Após o relançamento de “O último espetáculo” (livro de contos), a Junta de Freguesia de Monchique, em parceria com os descendentes do autor, lançou no ano passado (2012), e no âmbito das comemorações do 100º aniversário do nascimento do autor, a segunda edição de “O aço mudou de têmpera”, um romance cuja primeira publicação ocorreu em 1946. Um livro que nos retrata a agrura da vida rural numa aldeia da Beira e que, por um breve período de tempo, foi completamente transformada num espaço de exploração de minério (volfrâmio), na sequência do despoletar da segunda guerra mundial.
 
Figura: Capa do livro "O Aço Mudou de Têmpera" de Manuel do Nascimento.

Para muitos a vida mudou para melhor, mas como tudo na vida é efémero, há quem suba e desça logo em seguida; há quem suba e nunca mais desça; e há, também, quem nunca realmente experiencie um trajeto ascendente. A minha curiosidade ficou aguçada com as descrições físicas dos locais. Nunca se referindo a qualquer região no texto, poderia apostar que muitas daquelas paisagens foram inspiradas na nossa terra natal. Além disso, há excertos que demonstram toda a competência de Manuel do Nascimento no domínio da língua portuguesa. Ei-los:

Maria Antónia, da Quinta do Milheiro, a filha – cento e oitenta e dois escudos. Era dinheiro perdido. Mandou uma vez chamar a mãe para que a obrigasse a pagar mas a mãe veio unicamente para lhe dizer que a filha não lhe devia nada, que estava tudo pago e muito bem pago. «Uma cadela» - resmungou. Entristeceu e repetiu mentalmente a conta. «Ca-de-la. (…)». (p. 132).

Nem ele, nem os outros homens de aldeia, podem passar sem esquecer a vida e quando deviam ter sempre os olhos postos na realidade têm de desertar porque a vida é má… E bebem. Desaparecem todas as lutas, são fortes e não têm fome. E não sonham sequer que existe outro meio… (p. 144).

O minério já não era mais do que simples pedra negra, retinta e fechada como a vida dos homens. Foi preciso tapar, às enxadadas, as covas de tantos sonhos… (p. 232).

Segundo consta, já foi proposto a atribuição do nome do escritor à Escola Básica 2,3 de Monchique, escola que, só por acaso, frequentei durante cinco anos. E voltasse eu aos belos tempos da meninice em Monchique, teria ficado muito mais orgulhoso e gabar-me-ia com outra ênfase se pudesse atirar à boca cheia: “Eu estudei na Escola Básica Manuel do Nascimento”.