26/02/2015

A classe que tarda em ser valorizada em Portugal

Contínuo a insistir no caso «Bernardo Silva». Se, para muitos, 15 milhões de Euros é um montante acima do valor de mercado do jogador, para mim, é uma quantia abaixo do potencial que apresenta.

Não precisamos de recuar muito no tempo. Ontem, nos oitavos-de-final da UEFA Champions League 2014/2015 – Arsenal 1 x 3 Mónaco –, o Bernardo jogou sensivelmente 10 minutos (entrou aos 84’). Pisou o relvado do Emirates Stadium num período em que o Mónaco vencia por 2-0 e, por conseguinte, com a sua equipa quase sempre em organização defensiva e sob elevada pressão ofensiva dos visitados. As oportunidades para o Bernardo ter a bola em seu poder foram escassas. Até que, em cima do apito final, já após o Arsenal reduzir a desvantagem no marcador para um golo (1-2), o jovem português recebeu a bola no corredor direito e fez o que melhor sabe: executar com critério.


Cinco toques na bola foram suficientes para o médio temporizar, ler apropriadamente o envolvimento (espaço livre, posições/deslocamentos dos companheiros e adversários), driblar e executar uma assistência primorosa para Ferreira Carrasco. Nestes breves pormenores revela-se a classe de um jogador e que, nesta eliminatória em particular, pode mesmo vir a ser decisiva.

Imagem: Bernardo Silva e Özil no final do Arsenal 1 x 3 Mónaco.
(fonte: dailymail.co.uk)
Tenho sérias dúvidas que o plantel do SL Benfica possua muitos jogadores de classe, mas talvez o modesto Mónaco (e Leonardo Jardim) proporcione o espaço e o tempo (de jogo e de aprendizagem) que o Bernardo não encontrou no clube que o formou. Quando o Caixa Futebol Campus começar a gerar dividendos desportivos, em vez de financeiros, quiçá outros talentos como Bernardo Silva, André Gomes, João Cancelo, Ivan Cavaleiro ou Ricardo Horta possam surgir e singrar na sua própria casa: o Estádio da Luz.

07/02/2015

Modelo de jogo e criatividade tática: duas faces da mesma moeda?

No âmbito do treino do futebol, a expressão «modelo de jogo» tem sido amplamente difundida nos últimos anos, sobretudo em Portugal e nos países lusófonos. O advento e a notoriedade adquirida pela Periodização Tática – modelo de planeamento utilizado por José Mourinho, André Villas-Boas, Carlos Carvalhal, entre outros – assim o determinaram. O conceito de modelo de jogo remete-nos para uma série de princípios que concedem organização nos diferentes momentos (pessoalmente, prefiro o termo fases) do jogo (Delgado-Bordonau & Mendez-Villanueva, 2012). Entre muitas outras variáveis, o modelo de jogo está subjacente à filosofia do treinador/equipa técnica e pode, segundo diversos autores da especialidade, ser adotado ou criado. Esta modelação é, em primeira instância, obra do treinador e que, posteriormente, será interpretada e aplicada pelos seus jogadores.

Por sua vez, a criatividade tática é algo que está inerente ao desempenho dos jogadores em contexto de jogo. De acordo com o investigador alemão Daniel Memmert (2014), a criatividade tática é definida como a criação/execução de diversas soluções para problemas em grupos específicos de indivíduos ou em situações de jogo coletivas, que podem ser consideradas como surpreendentes, raras e/ou originais. Esta criatividade tática, também associada ao conceito de inteligência tática, é cada vez mais acreditada pelos treinadores de elite como uma característica fundamental do jogador no futebol contemporâneo.

Imagem: Pablo Aimar - um «jogador-exemplo» de criatividade tática.

O problema que tenho identificado através da observação sistemática, de inúmeras entrevistas e com o qual também me debato em todas as sessões de treino, resume-se a uma singela questão: até que ponto a definição e a operacionalização de um determinado modelo de jogo não constrange a criatividade tática dos jogadores?

A meu ver, são duas faces da mesma moeda e algo sobre o qual o treinador/equipa técnica deve(m) ponderar em permanência ao longo da época desportiva. Como conceder organização, sem condicionar a capacidade criativa dos nossos jogadores?

Assumamos o exemplo que consta na Figura 1.

Figura 1. Exemplo da hierarquização e da fragmentação dos princípios de jogo na fase de organização ofensiva.

O treinador pretende que a bola circule rápido das zonas de maior concentração de jogadores oponentes para outras zonas menos congestionadas. Para isso, prepara os jogadores para aumentar a área da equipa em largura (subprincípio 1: espaço) e que haja, pelo menos, três linhas de passe relativamente ao portador da bola (subprincípio 2: soluções múltiplas). Até aqui, parece-me tudo muito razoável. Quando começamos a fracionar os subprincípios em mais sub-subprincípios e sub-sub-sub-etc., deixo de concordar. É precisamente neste ponto que eu entendo que o excesso de regras/normas de ação (modelização comportamental) compromete a criatividade tática dos jogadores.

Temos um princípio bem definido («circular a bola para longe da zona de pressão adversária»), mais dois subprincípios adicionais e é com essa matéria que, no treino, o treinador/equipa técnica deve(m) propor tarefas para que os jogadores, individual e coletivamente, encontrem soluções (descoberta guiada) para cumprirem os princípios estipulados e que estão consubstanciados no modelo de jogo.

Deste modo, conseguiremos tirar o máximo proveito das duas faces da moeda (modelo de jogo e criatividade tática) num processo que requer, por um lado, o desenvolvimento dos jogadores e da equipa e, por outro lado, o obtenção de resultados em competição.


Referências
Delgado-Bordonau, J. L., & Mendez-Villanueva, A. (2012). Tactical periodization: Mourinho’s best-kept secret? Soccer NSCAA Journal, 3, 28-34.
Memmert, D. (2014). Tactical creativity in team sports. Research in Physical Education, Sport and Health, 13(1), 13-18.