02/01/2017

Transição ofensiva: Retirar a bola da zona de pressão adversária

O momento da transição ofensiva no futebol corresponde aos instantes que envolvem a recuperação da posse de bola. É, portanto, um período temporal curto – uma transição de fase, na verdadeira aceção da palavra – que diferencia o «não ter» e o «ter» a posse de bola. O «jogo de transições» talvez não seja a melhor forma para descrever um encontro em que as duas equipas primem por métodos de jogo ofensivo rápidos: ataque rápido ou contra-ataque. Momentos e métodos de jogo são conceitos bem distintos e que convém não confundir, embora isso seja uma constante, inclusive nos meandros do treino desportivo.

Recuperar a posse de bola, no meu entender e no entender de muitos especialistas, é um momento crucial para as ações subsequentes da equipa, pelo que importa definir (bons) princípios para dotar o coletivo de soluções diversas para esses instantes. Independentemente do método de jogo ofensivo que a equipa técnica prefira (ataque posicional, ataque rápido ou contra-ataque), e que esteja subjacente ao seu modelo de jogo, o princípio «retirar imediatamente a bola da zona de pressão» serve os melhores interesses de qualquer modelo. Podemos acrescentar subprincípios acerca da circulação da bola (em largura ou em profundidade), do posicionamento e dinâmicas dos jogadores envolvidos, das ações coletivas em função do setor em que a bola é recuperada, porém, retirar a bola da zona de pressão adversária significará sempre dar espaço e tempo às ações posteriores dos companheiros. Por outras palavras, significa criar um contexto de qualidade para o momento da organização ofensiva.

Deste modo, entenda-se que retirar a bola de pressão pressupõe manter a posse de bola, não se tratando de um mero alívio para longe que comprometa a continuidade do processo ofensivo. Atentemos ao vídeo seguinte, tendo como protagonistas as equipas do Liverpool FC e do Manchester City FC, no recente duelo para a Premier League 2016/2017, no último dia do ano 2016.


Este jogo foi selecionado porque ambas as equipas adotam métodos de jogo ofensivo que privilegiam a posse de bola e, por norma, pressionam em zonas avançadas do campo e procuram recuperar logo a posse de bola poucos segundos após a perderem. Aliás, como vimos anteriormente no Linha de Passe (aqui), estas são características típicas das equipas de elite. Tanto uma como outra equipa foram mais bem-sucedidas em organização ofensiva quando o jogador que recuperou a posse de bola foi lesto a retirá-la da zona de pressão criada pelos adversários. Consideremos as figuras 1, 2, 3 e 4.

Figura 1. Saída de zona de pressão do Liverpool FC (Firmino).

Firmino (Liverpool) pressionado por Yaya Touré «roda» para o corredor oposto ao qual o Manchester City perdeu a posse e, com 4 toques sobre a bola, encontrou Lallana num duelo um-contra-um (1v1). De resto, a sequência ofensiva culminou no único golo da partida.

Figura 2. Saída de zona de pressão do Manchester City FC a três jogadores.

Aos 35 minutos, perda de bola do Liverpool com Lallana a pressionar no imediato. John Stones, Otamendi e Yaya Touré a jogar apoiados, com um triângulo bem definido, conseguiram retirar a bola da zona de pressão em 4 toques sobre a bola e encontraram Sterling livre no corredor direito.

Figura 3. Saída de zona de pressão por John Stones (Manchester City).

No minuto 53, John Stones recuperou a bola em antecipação e, perante a oposição de Emre Can, tocou em Yaya Touré. Em 4 toques, o Manchester City deixou David Silva solto, entre linhas, para desequilibrar a equipa adversária. O ataque rápido terminou com o remate de Sergio Aguero à baliza de Mignolet.

Figura 4. Saída de zona de pressão do Liverpool a três jogadores.

Mais próximo do final do encontro, aos 73 minutos, Firmino desarma Otamendi, pressionado pelo central e por Yaya Touré, passou a Origi e este, de primeira, para Wijnaldum. Livre da pressão da equipa forasteira, Wijnaldum devolveu a Firmino, completando a triangulação e dando início ao ataque posicional.

A ideia é que o jogador que recupera a posse de bola seja rápido a fazer a leitura do jogo e a passá-la para um jogador livre (em largura ou em profundidade), isto, claro, sem o risco de perdê-la extemporaneamente. Como a equipa transita de processo defensivo, muitas vezes com os jogadores ainda em concentração, jogar a um ou dois toques sobre a bola com os colegas mais próximos e circulando a bola para o corredor contrário – menos congestionado de oponentes – pode ser uma boa solução. Caso a zona pressionante adversária seja muito forte e em zonas avançadas do campo, ter referências verticais capazes de segurar e circular a bola pode ser outra boa solução para cumprir a transição ofensiva.

A transição defesa-ataque são breves instantes, contudo, a sua importância para o momento de organização ofensiva não deve ser ignorada. Estabelecer bons princípios, acima de tudo que permitam manter a posse de bola e sair da zona de pressão, é meio caminho andado para chegar à baliza adversária. E um contexto que dota as ações dos companheiros de equipa de maior qualidade será sempre um contexto a explorar, não somente pelo jogador que recupera a bola, mas – sobretudo – pela equipa técnica na preparação e na gestão das sessões de treino.