Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Moran, J., Allen, M., Butson, J., Granacher, U., Hammami,
R., Clemente, F. M., Klabunde, M., & Sandercock, G.
País: Inglaterra
Data de publicação: 1-fevereiro-2024
Título: How effective are external
cues and analogies in enhancing sprint and jump performance in academy soccer
players?
Referência: Moran,
J., Allen, M., Butson, J., Granacher, U., Hammami, R., Clemente, F. M.,
Klabunde, M., & Sandercock, G. (2024). How effective are external cues and analogies
in enhancing sprint and jump performance in academy soccer players? Journal
of Sports Sciences, 1–8. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/02640414.2024.2309814
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 51 – março de
2024.
Apresentação do problema
Uma dica de treino é uma instrução verbal que pode ser utilizada para direcionar o foco de atenção de um indivíduo para o movimento, no sentido de otimizar a sua execução (Benz et al., 2016). As dicas que centram a atenção do praticante no resultado da ação no ambiente externo (e.g., num objeto) ou interno (e.g., numa parte corporal) afetam o desempenho motor (Chua et al., 2021; Porter et al., 2013; Vance et al., 2004). A hipótese da ação condicionada sugere que a atenção interna controla o movimento de forma deliberada, enquanto o foco externo promove a automatização da ação (McNevin et al., 2003; Wulf, 2012). Os treinadores podem recorrer a instruções com foco externo para promover a eficiência de movimento (Guss-West & Wulf, 2016), potencialmente melhorando a aprendizagem ao longo do tempo (Nicklas et al., 2022).
Com base em estudos anteriores, Winkelman (2018) demonstrou os efeitos positivos de incluir uma componente direcional numa dica verbal para aprimorar o desempenho motor. É evidente que as dicas com foco de atenção distal são mais eficazes para a performance em saltos do que as com foco proximal. No contexto da locomoção, observou-se que os praticantes podem melhorar consideravelmente o seu desempenho quando o foco está voltado para um ponto ou alvo distante (Winkelman, 2018).
Por outro lado, um aspeto pouco explorado na literatura sobre o treino de habilidades motoras é o uso de analogias para transmitir o propósito de uma instrução específica. Uma analogia é uma ferramenta verbal valiosa que integra informações biomecânicas de forma a facilitar a comunicação da velocidade e posição corporal necessárias para a execução da habilidade, ainda que de maneira simbólica (Powell et al., 2021). Os estudos indicam que crianças apresentaram um desempenho significativamente melhor em habilidades de andebol quando as dicas de treino foram apresentadas por meio de analogias (Fasold et al., 2020). Esta abordagem pode ser particularmente benéfica ao trabalhar com jovens, uma vez que melhora a compreensão e o desempenho subsequente (Kushner et al., 2015; Radnor et al., 2020). Contudo, são necessárias mais pesquisas para avaliar completamente a eficácia desta estratégia pedagógica.
A literatura tem documentado que o uso de uma dica de
treino externa, ou foco de atenção externo, pode resultar em melhores
desempenhos em comparação com uma dica de treino interna, ou foco de atenção
interno (Li et al., 2022; Makaruk et al., 2020; Wulf, 2012). No entanto,
recentemente, numa ampla amostra internacional diversificada de jovens, foi
comprovado que o mesmo princípio pode não se aplicar em idades inferiores a 18
anos (Moran et al., 2023). A adoção das técnicas de treino mencionadas para
desenvolver habilidades, como correr e saltar, pode não representar
necessariamente a estratégia ótima de treino para jovens (figura 2). Apesar de
alguns estudos terem examinado o efeito do foco de atenção no desempenho de
habilidades motoras em idades juvenis, os resultados parecem variar mais do que
os realizados na idade adulta. Torna-se, assim, difícil determinar se a
manipulação do foco de atenção através de dicas pode (ou não) melhorar a
performance de jovens, como parece suceder nos adultos. Enquanto os adultos tendem
a exibir uma maior propensão para se concentrarem em informações relevantes, os
jovens focam-se tanto em informações relevantes como irrelevantes (Jung et al.,
2023), o que, embora potencialmente vantajoso, pode afetar negativamente o
nível de atenção que dedicam a uma instrução concreta (Connell, 2003).
Figura 2. Recurso a dicas de treino internas e externas para
melhorar a performance de salto em jovens atletas (fonte: https://athletesacceleration.com)
(imagem não publicada pelos autores).
À luz dos resultados reportados em jovens praticantes (Moran et al., 2023), tem sido especulado que, devido ao período de atenção mais curto e ao desenvolvimento cognitivo menos avançado, os indivíduos mais jovens podem ser menos recetivos a certas dicas de treino, comparativamente com os adultos (Yamada et al., 2022). Porém, considerando as coortes incluídas no estudo de Moran e colegas (2023), nenhuma poderia ser considerada como “elite”, quer em termos de longevidade, como na qualidade de treino a que os participantes foram expostos ao longo das respetivas carreiras desportivas. Deste modo, numa tentativa de suprimir as limitações desse estudo, os autores procuraram explorar a eficácia de dicas externas, dicas internas e “analogias com componente direcional” no desempenho de habilidades motoras em jogadores de futebol de elite, pertencentes a academias profissionais. Embora as analogias possam ser muito úteis no treino, até ao momento, os efeitos desta técnica associada a uma componente direcional (ou seja, “perto” vs. “longe”) ainda estão por confirmar (Winkelman, 2020).
Métodos
Participantes: 20 jovens jogadores de uma academia profissional de futebol (idade média: 14,7 ± 0,25 anos; idade biológica média: 14,6 anos; estatura média:166,9 ± 5,9 cm; massa corporal média: 53,9 ± 6,4 kg). Apenas indivíduos com menos de 18 anos e saudáveis foram elegíveis para participar no estudo. A pesquisa esteve conforme os princípios da Declaração de Helsínquia, sendo que os consentimentos dos pais e dos participantes foram obtidos antes do início da experiência.
Desenho experimental: para examinar os efeitos de diferentes dicas externas, dicas
internas e analogias com componente direcional (“perto” e “longe”) no
desempenho de saltos e sprints em jovens futebolistas, foi cumprido um
protoloco experimental. Os participantes realizaram saltos verticais e sprints
de 20 metros, recebendo uma dica de treino específica antes de cada ação. Uma
análise prévia de potência indicou que uma amostra de 20 participantes seria mais
do que adequada para detetar os efeitos esperados nos testes de sprint e salto.
Cada participante realizou 10 saltos e 10 sprints, com uma única dica de
instrução fornecida imediatamente antes de cada ação. Foram concedidas 5 dicas
diferentes para os sprints e 5 dicas diferentes para os saltos, o que significa
que cada participante recebeu cada dica individual duas vezes. As dicas em si
encaixavam-se em 5 categorias distintas (ver tabela 1). As dicas neutras “salte
o mais alto possível” e “corra o mais rápido possível” foram usadas como dicas
de controle.
Tabela 1. Dicas para
os sprints e para os saltos (adaptado de Moran et al., 2024).
Aquecimento: antes dos testes físicos, foi realizado um aquecimento padronizado de 8 minutos, incluindo corrida de baixa intensidade, exercícios dinâmicos (e.g., skipping alto, balanços de perna para frente, lunges laterais) e saltos e sprints submáximos. Como preparação, os participantes foram autorizados a executar duas repetições submáximas ao longo de 5 metros e uma repetição máxima ao longo de 10 metros para se familiarizarem com o formato do teste de sprint (Winkelman et al., 2017). Os participantes foram incentivados a executar ações de baixa intensidade entre os testes.
Saltos: o teste de salto vertical com contramovimento foi realizado utilizando o aparelho OptoJump (Microgate, Bolzano, Itália), conhecido pela sua validade e fiabilidade (Glatthorn et al., 2011). A cada participante foi pedido para “saltar o mais alto possível nos próximos 10 saltos”. Também foram informados de que “antes de cada salto, receberão uma dica de treino específica. Concentrem-se ao máximo nesta dica durante o salto” (Winkelman et al., 2017). Todas as dicas foram dadas a partir de uma posição sentada, cerca de um metro à esquerda da posição do participante. Houve um intervalo mínimo de 2 minutos entre os saltos, e o melhor resultados das duas tentativas foi analisado (Moran et al., 2017).
Sprint de 20 metros: para medir a velocidade de sprint, foram utilizados portões de cronometragem (Brower Timing Systems, Draper, UT, EUA), também altamente fiáveis na medição da velocidade máxima (Shalfawi et al., 2012). Os participantes foram instruídos a adotar uma posição com 2 apoios, com os braços opostos às pernas e um pé atrás da linha de partida. Foi solicitado que cada participante realizasse os 10 sprints à velocidade máxima, com dicas de treino específicas cedidas antes de cada repetição (Winkelman et al., 2017). As dicas foram dadas a partir de uma posição sentada aproximadamente a um metro à esquerda da linha de partida. Os sprints iniciaram-se logo após a verbalização da dica, sendo propostos, no mínimo, 2 minutos de descanso entre cada sprint. Os portões de cronometragem foram posicionados um metro à frente dos participantes ao nível das coxas para capturar o movimento do tronco e evitar falsas partidas quando acionados pelos membros superiores (Ramirez-Campillo et al., 2021).
Análise estatística: no
sentido de avaliar as diferenças entre as dicas externas, dicas internas, as
duas analogias com componente direcional e a dica neutra, correu-se uma ANOVA
de medidas repetidas. Para o efeito, utilizou-se o software JASP (v. 10.2,
Universidade de Amesterdão). As assunções de normalidade e esfericidade foram
testadas com Shapiro–Wilk e Mauchly, respetivamente. Nas análises post-hoc
aplicou-se a correção de Bonferroni (p < 0,05). Foram ainda utilizadas
as dimensões de efeito do d de Cohen para examinar as diferenças entre as
condições, sendo os valores interpretados segundo a proposta de Hopkins et al.
(2009): <0,2 = trivial; 0,2–0,6 = pequeno, 0,6–1,2 = moderado, 1,2–2,0 =
grande, 2,0–4,0 = muito grande, >4,0 = extremamente grande.
Principais resultados
A figura 3 oferece uma
representação visual dos principais resultados do estudo.
Figura 3. Médias do tempo de sprint (em cima, em segundos) e da altura
de salto (em baixo, em centímetros) para o grupo de 20 jogadores, em função de
diferentes condições de foco atencional: neutro (neutral), “para longe”
(away), “para perto” (towards), interno (internal) e
externo (external) (Moran et al., 2024).
Tanto no sprint, como no salto, foram detetadas diferenças significativas entre os diversos tipos de dica. No sprint de 20 metros, as diferenças significativas entre as dicas externas e internas foram significativamente favoráveis para as dicas externas. Por sua vez, a comparação entre as dicas internas e as analogias com componente direcional “para longe” ditou resultados significativamente superiores para a analogia “para longe”. Não foram detetadas diferenças significativas entre as outras categorias de dica.
No caso do salto vertical,
não foram encontradas diferenças significativas entre as dicas, excetuando a comparação
entre a analogia com componente direcional “para longe” e a dica de controlo
(neutra), favorável a esta última.
Aplicações práticas
Dados os resultados
apresentados, propomos 4 aplicações práticas que podem ser seguidas pelos
treinadores para melhorar o desempenho de sprint e salto em contexto de treino:
1. Utilizar dicas de treino externas e analogias com componente direcional para ações de sprint: os treinadores que trabalham com jovens futebolistas podem recorrer a dicas externas e analogias com componente direcional para melhorar a velocidade de sprint de forma mais efetiva, pelo menos quando comparadas com dicas internas. Esses 2 tipos de dicas de treino foram, de facto, mais eficazes na promoção de desempenhos superiores em alguns casos.
2. Considerar a eficácia de dicas neutras na performance de saltos verticais: os profissionais do treino devem reconhecer que, no caso concreto das ações de salto, simplesmente aplicar dicas neutras que encorajam o esforço máximo pode ser tão eficaz quanto dicas mais sofisticadas. Encorajar o desempenho máximo, sem manipular o foco de atenção, pode incentivar esforços superiores por parte dos jovens praticantes de futebol, designadamente em tarefas ou testes de salto.
3. Adaptar dicas instrucionais para jovens atletas: uma vez que há diferenças claras entre jovens e adultos em competências neurocognitivas e na propensão para seguir determinadas instruções, há que saber adaptar as dicas instrucionais em conformidade. Assim, os treinadores devem concentrar-se em utilizar dicas que sejam facilmente percebidas pelos jovens atletas, por forma a garantir desempenhos ótimos mais cedo e um desenvolvimento contínuo e progressivo das mais diversas habilidades.
4. Solicitar concentração e padronizar as dicas de
treino: os treinadores devem exigir que os jovens permaneçam concentrados
na tarefa em mãos para maximizar o desempenho. Enquanto dicas externas e
internas requerem que os participantes mantenham um foco específico no decurso
da ação, as dicas neutras apenas apelam a um esforço máximo. Por outro lado,
assegurar a padronização das dicas em várias tarefas torna a comunicação mais fluida
e efetiva, fomentando a compreensão e a consistência da performance.
Conclusão
No presente estudo, encontraram-se evidências que apoiam
o uso de dicas externas e analogias com componente direcional no treino da
velocidade de corrida em jovens futebolistas de elite. O recurso a analogias
pode constituir um modelo de comunicação mais acessível, facilitando a
compreensão das instruções do treinador. Assim, uma linguagem de treino mais
evocativa pode ser preferível às dicas convencionais, se resultar numa melhor
compreensão contextual do que é exigido aos atletas. Contudo, os resultados do
estudo não indicaram um efeito universalmente positivo das dicas experimentais
nos testes de desempenho utilizados. Parece que incentivar simplesmente o
desempenho máximo pode ser igualmente eficaz, especialmente em ações de salto.
Estes resultados não devem desencorajar necessariamente os treinadores de
utilizar dicas externas ou analogias com componente direcional, uma vez que
podem ainda ser úteis na execução de uma habilidade motora. Acima de tudo, qualquer
profissional do treino deve estar ciente de que o nível de experiência, a
compreensão e a capacidade de atenção de um jovem podem afetar o desempenho
motor, sendo aconselhável uma abordagem individualizada na orientação
instrucional.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Sports Sciences.
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