Uma ideia subliminar na
mente de grande parte dos adeptos, dirigentes e até mesmo treinadores é que o
nível de forma desportiva de um jogador e/ou de uma equipa está intimamente
relacionado com a quantidade de distância percorrida em situação de competição.
Não é invulgar ouvirmos alusões ao facto de um determinado jogador estar em
grande forma porque «está em todo o lado», «tem um enorme pulmão» ou «corre
muito».
É, no entanto, uma noção
imprecisa, pois o nível de forma de um jogador/equipa não depende apenas da
condição física. Sabemos que existe outras dimensões subjacentes ao rendimento
desportivo nos jogos coletivos e que não podem ser ignoradas: tática, técnica e
psicológica/emocional. Recentemente, a ciência aplicada ao futebol tem-nos
fornecido dados extremamente interessantes sobre este assunto.
Por exemplo, Bradley et al. (2013) compararam a performance e
a capacidade física de jogadores a atuar em três níveis competitivos em
Inglaterra (Premier League, Championship e League 1) e concluíram o seguinte: (a) apesar da condição física ser similar, os jogadores das divisões
inferiores percorreram maior distância total e em corrida de alta intensidade
do que os jogadores da Premier League;
(b) as mesmas equipas percorreram
maiores distâncias em alta intensidade numa divisão inferior após despromoção,
mas tal não sucedeu quando disputaram uma divisão superior na sequência de uma
promoção; (c) os indicadores de
performance técnicos (i.e., total de passes, passes para a frente, passes
completos, bolas recebidas e média de toques na bola) obtiveram maior expressão
na Premier League que nas divisões
inferiores. Com base nos resultados, os autores especularam que o desempenho
físico dos jogadores é influenciado pelas características dos métodos de jogo
implementados pelas equipas. Se na Premier
League se observou métodos ofensivos que privilegiavam a posse de bola, nas
divisões inferiores os indicadores técnicos sugeriram um recurso mais frequente
a bolas longas na fase de organização ofensiva. É perfeitamente plausível que
esta disparidade estratégico-tática condicione o desempenho físico dos
jogadores, no caso avaliado pelo perfil de corrida.
Num outro estudo,
Carling et al. (2014) investigaram o
desempenho competitivo de uma equipa profissional (Lille) durante 5 épocas
consecutivas, tendo em particular atenção a época 2010/2011, na qual o clube
foi campeão de França. Notavelmente, nas duas épocas em que a equipa foi mais
bem sucedida, a performance física (avaliada pelo perfil de corrida dos
jogadores) caiu em termos de ranking. A título de exemplo, na época em que o
Lille foi campeão, a equipa foi apenas a 8ª da Ligue 1 em termos de distância percorrida em corrida de alta
intensidade. Estas evidências sugerem que a corrida de alta intensidade per si pode não ser considerada um
indicador de performance chave, especialmente se for analisada desconsiderando
fatores contextuais e táticos.
Não quero com isto
afirmar que a condição física dos jogadores não é importante. É um fator de
rendimento que não deve ser negligenciado, mas que deve ser treinado e avaliado
em conjunto com os outros fatores do rendimento desportivo, alguns deles até
mais decisivos para a obtenção de sucesso no futebol. Neste sentido, um estudo
recente de Folgado et al. (2015)
abriu-nos novas perspetivas sobre o tema, na medida em que a eficiência dos
deslocamentos dos jogadores poderá determinar uma poupança energética no que à
distância total percorrida e à distância percorrida em alta intensidade diz
respeito. No caso, a eficiência dos deslocamentos não tem que ver com um
fenómeno meramente fisiológico, mas sim com o grau de sincronização ou coordenação
entre os jogadores da mesma equipa. Entramos, inequivocamente, no domínio
tático do jogo.
Embora o objetivo do
estudo de Folgado et al. (2015) fosse
analisar os desempenhos físico e tático da mesma equipa em períodos de jornadas
concentradas ou dispersas, os resultados podem ser utilizados para suposições
mais genéricas. Mais concretamente, comparando o tipo de distribuição das
jornadas (congestionadas ou não congestionadas), não foram verificadas
diferenças no desempenho físico da equipa; contudo, foram observadas
percentagens mais baixas de sincronização diádica entre jogadores nos períodos
de jornadas concentradas, em deslocamentos de intensidade baixa e moderada.
Quais são as implicações
dos resultados dos estudos anteriores para o futebol de alto rendimento? Em
primeiro lugar, a distância total percorrida e a distância percorrida em alta
intensidade não são indicadores de performance fiáveis no futebol de elite. Em
segundo lugar, a proficiência técnica dos jogadores em ações básicas como a
receção e o passe é essencial em níveis competitivos superiores. Em terceiro
lugar, os treinadores devem saber e reconhecer que os métodos de jogo propostos
à equipa (dimensão estratégico-tática) condicionam o desempenho físico. Por
último, supõe-se que as equipas de elite apresentam uma maior sincronização
entre os seus jogadores, o que implica que o «correr muito» deva ser preterido
no treino em prol de um «correr melhor» ou, se preferirem, de forma mais
sincronizada (figura 1). No fundo,
trata-se de conceder primazia à dimensão tática na sistematização de um
processo de treino conducente ao sucesso competitivo.
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Figura 1. A
sincronização dos jogadores – o «correr melhor» – é um aspeto fundamental no
futebol contemporâneo.
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Referências
Bradley, P. S.,
Carling, C., Diaz, A. G., Hood, P., Barnes, C., Ade, J., Boddy, M., Krustrup,
P., & Mohr, M. (2013). Match performance and physical capacity of players
in the top three competitive standards of English professional soccer. Human Movement Science, 32, 808-821.
Carling, C., Le Gall,
F., McCall, A., Nédélec, M., & Dupont, G. (2014). Squad management, injury,
and match performance in a professional soccer team over a championship-winning
season. European Journal of Sport Science.
doi: 10.1080/02640414.2015.1022576
Folgado, H., Duarte,
R., Marques, P., & Sampaio, J. (2015). The effects of congested fixtures on
tactical and physical performance in elite football. Journal of Sports Sciences, 33(12), 1238-1247.