15/09/2015

Os triângulos e as combinações táticas indiretas no futebol

Da minha experiência de ensino/treino do jogo de futebol, uma das primeiras ilações que retirei foi acerca da importância de me socorrer de figuras geométricas para desenvolver competências táticas das crianças/jovens. Já no ensino pré-escolar são transmitidas noções geométricas básicas como o triângulo, o quadrado e o retângulo e, numa fase inicial de aprendizagem do jogo (e não só), isso pode ser bastante útil ao treinador.

Já Carlos Queiroz afirmava que o futebol é um jogo de triângulos e, se pensarmos sobre isso, percebemos que o 3v3 (3-versus-3) é a unidade base para a evolução das competências táticas dos jogadores. Uma equipa de três jogadores pode cumprir os três princípios específicos do jogo em posse de bola (penetração/progressão, cobertura ofensiva/apoio e mobilidade) e os três princípios específicos da fase defensiva (contenção, cobertura defensiva e equilíbrio). Para além disso, com três jogadores, o portador da bola passa a ter opções múltiplas (i.e., passar para A, passar para B, driblar/fintar, rematar), em vez das evidentes limitações impostas pelo 2v2.

Três jogadores podem formar um triângulo, dois não; quatro ou mais jogadores podem formar mais do que um triângulo. Com triângulos podemos exigir mais do que simples combinações táticas diretas (i.e., combinações entre 2 jogadores: «tabelinha» e «overlap») e assim surgem as combinações táticas indiretas (envolvendo três ou mais jogadores). As opções múltiplas que o jogo de triângulos oferece são muito mais eficazes para perturbar a estabilidade das organizações defensivas cada vez mais aprimoradas no futebol contemporâneo (figura 1).

Figura 1. A combinação tática indireta (e o triângulo) que dá origem ao único golo do jogo Sunderland vs. Tottenham (13-set-2015).

Como exemplo, pego no magnífico golo de Mason (Tottenham) no passado fim-de-semana e que deu a vitória à sua equipa diante do Sunderland. Num jogo bastante disputado, no qual o nulo imperava, três jogadores (Mason, Harry Kane e Lamela) foram suficientes para ultrapassar as linhas defensivas dos visitados e criar a situação de golo. Três jogadores, um triângulo e a qualidade para interpretar e concretizar a combinação tática indireta.


Futebol é simples.
Mas nada é mais difícil do que jogar futebol de uma forma simples.
(Johan Cruyff)

01/09/2015

Jogadores de equipas futebol de elite não correm mais em situação de competição; correm melhor!

Uma ideia subliminar na mente de grande parte dos adeptos, dirigentes e até mesmo treinadores é que o nível de forma desportiva de um jogador e/ou de uma equipa está intimamente relacionado com a quantidade de distância percorrida em situação de competição. Não é invulgar ouvirmos alusões ao facto de um determinado jogador estar em grande forma porque «está em todo o lado», «tem um enorme pulmão» ou «corre muito».

É, no entanto, uma noção imprecisa, pois o nível de forma de um jogador/equipa não depende apenas da condição física. Sabemos que existe outras dimensões subjacentes ao rendimento desportivo nos jogos coletivos e que não podem ser ignoradas: tática, técnica e psicológica/emocional. Recentemente, a ciência aplicada ao futebol tem-nos fornecido dados extremamente interessantes sobre este assunto.

Por exemplo, Bradley et al. (2013) compararam a performance e a capacidade física de jogadores a atuar em três níveis competitivos em Inglaterra (Premier League, Championship e League 1) e concluíram o seguinte: (a) apesar da condição física ser similar, os jogadores das divisões inferiores percorreram maior distância total e em corrida de alta intensidade do que os jogadores da Premier League; (b) as mesmas equipas percorreram maiores distâncias em alta intensidade numa divisão inferior após despromoção, mas tal não sucedeu quando disputaram uma divisão superior na sequência de uma promoção; (c) os indicadores de performance técnicos (i.e., total de passes, passes para a frente, passes completos, bolas recebidas e média de toques na bola) obtiveram maior expressão na Premier League que nas divisões inferiores. Com base nos resultados, os autores especularam que o desempenho físico dos jogadores é influenciado pelas características dos métodos de jogo implementados pelas equipas. Se na Premier League se observou métodos ofensivos que privilegiavam a posse de bola, nas divisões inferiores os indicadores técnicos sugeriram um recurso mais frequente a bolas longas na fase de organização ofensiva. É perfeitamente plausível que esta disparidade estratégico-tática condicione o desempenho físico dos jogadores, no caso avaliado pelo perfil de corrida.

Num outro estudo, Carling et al. (2014) investigaram o desempenho competitivo de uma equipa profissional (Lille) durante 5 épocas consecutivas, tendo em particular atenção a época 2010/2011, na qual o clube foi campeão de França. Notavelmente, nas duas épocas em que a equipa foi mais bem sucedida, a performance física (avaliada pelo perfil de corrida dos jogadores) caiu em termos de ranking. A título de exemplo, na época em que o Lille foi campeão, a equipa foi apenas a 8ª da Ligue 1 em termos de distância percorrida em corrida de alta intensidade. Estas evidências sugerem que a corrida de alta intensidade per si pode não ser considerada um indicador de performance chave, especialmente se for analisada desconsiderando fatores contextuais e táticos.

Não quero com isto afirmar que a condição física dos jogadores não é importante. É um fator de rendimento que não deve ser negligenciado, mas que deve ser treinado e avaliado em conjunto com os outros fatores do rendimento desportivo, alguns deles até mais decisivos para a obtenção de sucesso no futebol. Neste sentido, um estudo recente de Folgado et al. (2015) abriu-nos novas perspetivas sobre o tema, na medida em que a eficiência dos deslocamentos dos jogadores poderá determinar uma poupança energética no que à distância total percorrida e à distância percorrida em alta intensidade diz respeito. No caso, a eficiência dos deslocamentos não tem que ver com um fenómeno meramente fisiológico, mas sim com o grau de sincronização ou coordenação entre os jogadores da mesma equipa. Entramos, inequivocamente, no domínio tático do jogo.

Embora o objetivo do estudo de Folgado et al. (2015) fosse analisar os desempenhos físico e tático da mesma equipa em períodos de jornadas concentradas ou dispersas, os resultados podem ser utilizados para suposições mais genéricas. Mais concretamente, comparando o tipo de distribuição das jornadas (congestionadas ou não congestionadas), não foram verificadas diferenças no desempenho físico da equipa; contudo, foram observadas percentagens mais baixas de sincronização diádica entre jogadores nos períodos de jornadas concentradas, em deslocamentos de intensidade baixa e moderada.

Quais são as implicações dos resultados dos estudos anteriores para o futebol de alto rendimento? Em primeiro lugar, a distância total percorrida e a distância percorrida em alta intensidade não são indicadores de performance fiáveis no futebol de elite. Em segundo lugar, a proficiência técnica dos jogadores em ações básicas como a receção e o passe é essencial em níveis competitivos superiores. Em terceiro lugar, os treinadores devem saber e reconhecer que os métodos de jogo propostos à equipa (dimensão estratégico-tática) condicionam o desempenho físico. Por último, supõe-se que as equipas de elite apresentam uma maior sincronização entre os seus jogadores, o que implica que o «correr muito» deva ser preterido no treino em prol de um «correr melhor» ou, se preferirem, de forma mais sincronizada (figura 1). No fundo, trata-se de conceder primazia à dimensão tática na sistematização de um processo de treino conducente ao sucesso competitivo.

Figura 1. A sincronização dos jogadores – o «correr melhor» – é um aspeto fundamental no futebol contemporâneo.

Referências
Bradley, P. S., Carling, C., Diaz, A. G., Hood, P., Barnes, C., Ade, J., Boddy, M., Krustrup, P., & Mohr, M. (2013). Match performance and physical capacity of players in the top three competitive standards of English professional soccer. Human Movement Science, 32, 808-821.
Carling, C., Le Gall, F., McCall, A., Nédélec, M., & Dupont, G. (2014). Squad management, injury, and match performance in a professional soccer team over a championship-winning season. European Journal of Sport Science. doi: 10.1080/02640414.2015.1022576
Folgado, H., Duarte, R., Marques, P., & Sampaio, J. (2015). The effects of congested fixtures on tactical and physical performance in elite football. Journal of Sports Sciences, 33(12), 1238-1247.