NOTA PRÉVIA: O texto presente neste "post" foi publicado no número mais recente da Revista AF Algarve (n.º 69, Junho / Julho 2012).
Figura: Capa da Revista AF Algarve, n.º 69 Junho / Julho 2012 (Download pdf aqui). |
Introdução
A iniciação na
modalidade desportiva preferida, aquela em que se ocupa grande parte dos tempos
livres a praticar com os amigos, é sempre um período marcante na formação do
jovem atleta. Nos dias que hoje correm, este processo de iniciação é tudo menos
tardio. No futebol, por exemplo, assistiu-se recentemente a uma reorganização
dos escalões etários com o surgimento dos Traquinas (Sub-9) e dos Petizes
(Sub-7). A resposta por parte de entidades desportivas, como clubes e escolas
de futebol, não se fez esperar e a abertura de tais classes tornou a iniciação
à prática formal de futebol mais precoce. É indiscutível: as crianças começam a
treinar e a competir progressivamente mais cedo, adquirindo certas competências
específicas e gerais em idades mais jovens. Quase escusado será referir que o
treinador assume um papel relevante neste processo, constituindo, antes de
mais, uma referência de inestimável valor aos olhos dos mais pequenos. Posto
isto, o objetivo deste breve artigo é discutir o modus operandi do treinador no ensino do jogo a crianças entre os 6
e os 10 anos idades.
Treinador: o propiciador!
É muito comum o
pensamento de que um treinador nestes escalões etários se deve limitar a
ensinar/treinar habilidades técnicas e breves aspetos táticos e a desenvolver
capacidades coordenativas e condicionais. A meu ver, esta abordagem é redutora,
pois as preocupações do treinador devem ir muito além do mero ensino do passe,
da receção, da contenção, do apoio ou do drible do Zidane; o treinador deve,
antes, propiciar condições para que as habilidades se manifestem. Por exemplo,
num jogo reduzido de 3x3 (três contra três) com miúdos de 7 anos, é frequente
observarmos o chamado “jogo nuvem”, isto é, a aglomeração das crianças ao redor
da bola. O comportamento mais habitual do treinador é parar a situação de jogo,
explicar que assim não conseguem jogar futebol e que se devem afastar
(aclaramento). Discordo totalmente! É precisamente nestes contextos que o
“artista do grupo” vai executar um ou dois dribles, passar pela equipa
adversária e marcar golo. Portanto, o treinador estará a propiciar que o
potencial do miúdo se manifeste e que as outras crianças percebam como alcançar
o êxito, o que não impede que sejam transmitidas algumas “dicas” pontualmente.
Adequar o conteúdo à aptidão da criança
Outra questão
fundamental é a adequabilidade do conteúdo a lecionar às aptidões das crianças.
De acordo com a Teoria Cognitiva de Jean Piaget, entre os 7 e os 11 anos, o ser
humano experiencia o estágio operatório concreto, sendo capaz de lidar com
conceitos, números e relações concretas, mas ainda não possui aptidão para
efetuar raciocínios lógico-dedutivos. Daí que a explicação de “aclarar em
relação à bola, porque assim se jogar melhor futebol” possa, de facto, não ser
entendida. Neste sentido, o recurso a analogias concretas tende a ser mais
eficaz. Por exemplo: a bola é o sol e os jogadores as nuvens; o que nós
(treinadores) queremos é que não haja tantas nuvens à volta do sol para que ele
(a bola) possa brilhar. Este tipo de “feedbacks” não deve, no entanto, sobrepor-se
ao caráter propiciador do treinador; deve somente constituir um simples
complemento.
Conclusão
O treinador é um
elemento fulcral no processo de formação desportiva. No período entre os 6 e os
10 anos de idade, as crianças apresentam uma grande plasticidade para a
aprendizagem, como se fossem autênticas esponjas (absorvem tudo); o treinador
deve, todavia, ser suficientemente sensível para, por um lado, não castrar a
manifestação do potencial do miúdo na sua relação com a bola e, por outro lado,
compreender que existem particularidades no desenvolvimento humano que
constrangem a aquisição de competências do jogo. Por isso, o modo como o
treinador propicia contextos de aprendizagem e os adequa às aptidões do
praticante determina o êxito de uma tarefa altamente complexa: ensinar a jogar
futebol.
Referência
Almeida, C.H. (2012). Ensinar a jogar futebol dos 6 aos 10 anos de idade: Uma tarefa "sensível" para o treinador. Revista AFAlgarve, 69, 24-25.
Referência
Almeida, C.H. (2012). Ensinar a jogar futebol dos 6 aos 10 anos de idade: Uma tarefa "sensível" para o treinador. Revista AFAlgarve, 69, 24-25.
2 comentários:
Grnade Carlos,
Muito Bom.
Falas, e bem, na teria cognitiva de Jean Piaget. Contudo, e sabendo que as crianças têm um raciocínio prático - intuitivo, é possível passar-lhes alguma "lógica" na aprendizagem do jogo, sem ultrapassar etapas, até porque estas dependem bem mais da experiência do individuo que da taxação por anos, escalões ou o que quer que seja. Depois claro está, o modo como se o faz é que é diferente.
Ainda assim, há algo que todas as crianças procuram no jogo, e é tão simples. O golo! Guiar a descoberta através do golo, nada mais fácil :)
Continuação de bom trabalho,
Abraço, Jorge D.
Olá Jorge D.,
Prazer em ver-te por "aqui". :)
Não queria que as pessoas ficassem com a ideia de que o treinador não deve intervir. Deve mesmo, a forma como o faz é que é determinante. Neste particular, a descoberta guiada e o ensino divergente parecem ser mais profícuos que o ensino tradicional (com os treinadores a fornecem, previamente, as soluções para os problemas que as crianças/jovens encontram no jogo).
Concordo contigo quando afirmas que a experiência do indivíduo (inteligência prático-intuitiva) é mais importante que a taxação por idades. Um miúdo de 13 anos pode ter menos competências de jogo adquiridas comparativamente a outro de 9 anos, ainda assim, estou em crer que a abordagem de ensino deva ser diferente em função do próprio desenvolvimento geral do indíviduo (cognitivo, físico, psicológico e emocional).
Como decerto saberás, uma criança de 7 anos compreende melhor a cobertura defensiva se lhe falares no seu "guarda-costas" do que no conceito de cobertura em si. É aí que encontro a mensagem chave do artigo e não tanto pela justificação baseada na Teoria Cognitiva do Piaget.
O golo! :) Move adultos, quanto mais crianças. Permite-me que acrescente o Jogo à tua frase no comentário: "Guiar a descoberta através do jogo com golo, nada mais fácil."
Estarei sempre atento às tuas excelentes "postagens". Votos de um ótimo trabalho.
Abraço,
CA
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