Meus caros, compatriotas
portugueses ou não, mais críticos ou menos críticos, mais absurdos ou menos
absurdos, permitam-me que quebre a norma vigente e saúde os nossos atletas pela
prestação nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016, cujos resultados mais
relevantes podem ser encontrados na tabela
1. Muitos, senão mesmo a maioria, não concordarão, mas eu saúdo, felicito e
incentivo aqueles que foram para o Brasil não para «passar férias», como alguns
ainda fazem ressoar nos nossos tímpanos, mas para representar uma nação que não
faz a mínima ideia do que é ser um atleta de alta competição num país sem
cultura de alto rendimento. Não é difícil, é horrível.
Tabela 1.
Resultados mais relevantes (medalhas e diplomas olímpicos) dos atletas
portugueses nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro de 2016 (clique para ampliar).
Não sou nem nunca fui atleta
de alto rendimento, mas desde jovem que estou ligado ao desporto nacional, como
praticante de uma modalidade coletiva e outra de combate, como treinador
desportivo e como professor de Educação Física (EF). De entre algumas coisas
que entendo sobre este fenómeno do desporto, é que ele reflete o estado do país
e o nosso – convenhamos – não está propriamente em grande forma. Neste último
ciclo olímpico, relembremo-nos dos cortes na saúde, na educação, nos salários
e, como é óbvio, nos parcos apoios concedidos aos nossos olímpicos. O adjetivo
«parcos» não é ingénuo, pois os absurdos que exigem medalhas aos nossos atletas
decerto que desconhecerão os apoios facultados em países como EUA, Inglaterra,
Alemanha, Canadá, China, Japão, Austrália, etc. Decerto que, também, não
conhecem a forma como está organizado o desporto nesses países e a importância
que é atribuída à escola, ao desporto escolar e, em particular, à EF na formação
de um atleta de elite. O problema, longe de ser a atitude ou a competência dos
nossos atletas, é muito mais sério: é estrutural. Uma ou duas horas de
expressão físico-motora no ensino pré-escolar; a EF continua a ser o parente
pobre da nossa escola pública (ensinos básico e secundário); o desporto escolar
pouco ou nada serve as necessidades de movimento/competição de crianças/jovens
não federados e a diversidade desportiva em Portugal; a ponte entre o desporto
escolar e o desporto federado depende da boa vontade e/ou interesse dos
professores responsáveis pelos grupos-equipa; o desporto universitário é pobre
e, na generalidade, sustentado pela carolice dos estudantes do ensino superior;
apesar de inúmeras e boas investigações produzidas e publicadas na área das
Ciências do Desporto, os meios ao dispor dos nossos investigadores são
precários comparativamente aos existentes nos países supracitados; os nossos media não «vendem» modalidades que não
seja o futebol.
Portanto, às 8h e muito
da manhã, quando os senhores de camisa e gravata se preparam para chegar aos
seus escritórios para escreverem barbaridades sobre os atletas olímpicos
portugueses, recordem-se que muitos deles já realizaram o primeiro treino do
dia e já se encontram a estudar ou a trabalhar. Às 19h, quando os senhores
estiverem a apreciar o conforto do sofá e da lareira nos seus lares, estão tipos
num kayak ou numa bicicleta a treinar debaixo de chuva ou com temperaturas gélidas, por vezes com material adquirido com dinheiro do seu próprio bolso.
Parece-me, por isso, razoável antever que quando todos os portugueses, bons ou
maus, mais ou menos críticos, mais ou menos absurdos, apresentarem a mesma
motivação, resiliência e determinação para se superarem e representarem
Portugal, então talvez tenhamos um país ainda melhor, mais competitivo internacionalmente,
mais feliz e sem a necessidade mesquinha e absurda de medalhas em jogos
olímpicos.
Figura 1. As lágrimas de Emanuel Silva na final de K2 1000m (fonte: www.lux.iol.pt). |
De resto, a avaliar pelo
número de medalhas e diplomas (11 no total), esta até foi uma das participações
mais bem conseguidas do desporto português em olimpíadas. Aos nossos atletas,
as vossas conquistas são a minha alegria, as vossas lágrimas a minha tristeza.
Um obrigado muito especial a todos vós!
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