28/02/2017

Estratégias de recuperação no futebol de elite

No futebol de elite atual, há equipas que podem participar em mais de 60 jogos oficiais numa época. Em cada jogo competitivo, um jogador pode percorrer entre 10 a 12 km, atingindo intensidades médias de 80-90% da frequência cardíaca máxima (FCmáx) ou 70-80% do consumo máximo de oxigénio (VO2máx). Neste sentido, recuperar da fadiga residual que se vai acumulando ao longo da época é quase tão ou mais importante como treinar para desenvolver ou consolidar processos inerentes ao modelo de jogo da equipa, designadamente, durante os períodos do calendário competitivo mais congestionados.

Recentemente, uma equipa de investigadores espanhois, liderada por Ezequiel Rey da Faculty of Education and Sports Sciences, da University of Vigo em Pontevedra, publicou um artigo de revisão sistemática muito meritório sobre o tema no Strength and Conditioning Journal. Uma vez que o tempo necessário para recuperar totalmente do esforço de um jogo pode ser superior a 72 horas, os autores reconhecem como fundamental a aplicação de estratégias efetivas de recuperação, de modo a aumentar a performance subsequente e reduzir a incidência de danos musculares, de sintomas de sobressolicitação (i.e., «overreaching») e de lesões nos membros inferiores. Para o efeito, as estratégias de recuperação foram subdivididas em duas grandes categorias: ativas e passivas.

As estratégias de recuperação ativa consistem na manutenção de um trabalho submáximo após o treino ou a competição, no intuito de preservar os níveis de desempenho entre eventos. Basicamente, foram identificadas três estratégias de recuperação ativa no futebol: (1) atividades aeróbias de baixa intensidade (e.g., jogging, bicicleta ou «deep-water running»), (2) alongamentos musculares e (3) relaxação muscular através de mobilização e descontração dos membros em pares.

Figura 1. Atividades aeróbias de baixa intensidade (fonte: football.isport.com).

Do corpo de evidências consultadas, embora as atividades aeróbias de baixa intensidade aparentem contribuir para drenagem e eliminação do ácido lático, os resultados relacionados com os seus efeitos na performance desportiva posterior não são de todo conclusivos.

Figura 2. Alongamentos musculares (fonte: alamy.com).

Os benefícios dos alongamentos na dor muscular retardada também são questionáveis, embora as evidências científicas apontem para que os efeitos dos alongamentos na dor muscular retardada se possam dever ao aumento do limiar da dor através desta técnica, produzindo um efeito analgésico. A estratégia de relaxação muscular a pares, com um jogador deitado no solo, de pernas elevadas e o outro a «soltar» os membros inferiores, pode ter um efeito calmante, atuando ao nível da fadiga neural. As evidências experimentais em variáveis fisiológicas são ainda escassas e, portanto, não passíveis de ser generalizadas.

As estratégias de recuperação passiva envolvem (1) a imersão em água fria, (2) a vibração corporal, (3) estimulação elétrica neuromuscular e (4) equipamentos de compressão.

Figura 3. Imersão em água fria (fonte: www.aspetar.com).

A imersão em água fria (< 15ºC) é um meio de fisioterapia bastante utilizado nos meandros do futebol. A temperatura da água e a pressão hidrostática têm sido reportados como os fatores mais relevantes para obter benefícios regenerativos. Esta estratégia é particularmente recomendada, pois foram verificados efeitos positivos pós intervenção ao nível da força máxima, saltos com contramovimento, dor muscular, perceção subjetiva de recuperação, stiffness muscular e concentrações de creatina quinase (CK). A imersão deve ocorrer até à crista ilíaca, com um tempo cumulativo de, no mínimo, 5 minutos.

Figura 4. Vibração corporal (fonte: www.calgaryherald.com).

A vibração corporal ou Whole-Body Vibration é um meio potencial de recuperação, no qual os princípios são similares aos atribuídos à massagem regenerativa. As evidências sugerem que a terapia por vibração após o exercício, especialmente após contrações excêntricas, é benéfica para a recuperação, ainda que pouco se saiba em termos de tempo de aplicação.

Figura 5. Estimulação elétrica neuromuscular (fonte: www.outsideonline.com).

A estimulação elétrica neuromuscular baseia-se na transmissão de impulsos elétricos de baixa frequência (1-9 Hz) através de elétrodos de superfície. É uma estratégia prática na medida em que pode ser aplicada durante o sono ou em viagem. Os diversos resultados indicam efeitos positivos na aceleração da reparação tecidual, como consequência do aumento do fluxo sanguíneo muscular, da redução do ácido lático e da concentração de CK e dos efeitos analgésico, anabólico, antiespasmódico e de relaxação. Contudo, as evidências são limitadas no que respeita aos seus efeitos para melhorar a recuperação cinestésica (força, parâmetros neuromusculares, etc.), para manter o desempenho atlético (salto vertical, sprints, etc.) ou para reduzir a perceção subjetiva de dor muscular.

Figura 6. Equipamentos de compressão (fonte: www.bodyscience.com.au).

O uso de equipamentos de compressão para os membros inferiores pode potenciar a recuperação após exercício extenuante ao criar um gradiente de pressão externo, reduzindo o espaço disponível para suar e a dinâmica de recuperação cardíaca, aumentando o fluxo sanguíneo e a oxigenação dos membros e auxiliando na remoção de metabolitos (CK). Há evidências de que se trata de uma estratégia efetiva para reduzir a quantidade e a severidade de lesão histológica (26.7% em média) após 48 horas em jogadores de futebol amadores.

Como foi anteriormente referido, o tempo disponível para recuperar no futebol de elite é escasso. Assim, torna-se essencial planear a recuperação dos jogadores recorrendo às estratégias mencionadas e equacionando todos os prós e os contras que estão documentados. Se a periodização do treino é uma atividade relevante para qualquer equipa técnica no futebol contemporâneo, a periodização da recuperação não pode ficar para trás quando se trata de alto rendimento. A figura 7 mostra uma proposta de Rey e colaboradores (2017) para a periodização da recuperação num microciclo congestionado de jogos (i.e., três compromissos competitivos). No artigo original surge também outra proposta para uma semana não congestionada.

Figura 7. Periodização da recuperação num micociclo semanal congestionado (Rey et al., 2017).

No domingo, logo após o Jogo 1, durante a viagem e em casa/no hotel, é proposto a utilização de estratégias passivas, nomeadamente, a estimulação elétrica neuromuscular e equipamentos de compressão. Na segunda-feira – primeiro dia de recuperação – sugere-se a utilização de estratégias de recuperação ativa no centro de treinos. No segundo dia de recuperação (terça-feira), após o treino, é utilizada a imersão em água fria. Na quarta-feira, após o treino e ainda no centro de treinos, os autores sugerem a vibração corporal. Na quinta-feira há o Jogo 2 e, logo de imediato, utilizam-se as mesmas estratégias de recuperação passiva propostas para o Jogo 1. Na sexta-feira, volta-se à recuperação ativa durante o treino. No sábado, a intervenção consiste em vibração corporal. No domingo é dia do Jogo 3. Como é na condição de visitado, após a partida é proposta a imersão em água fria no próprio estádio.

Não deixando de ser um mero exemplo ilustrativo, fica explícito que todos os detalhes têm de ser salvaguardados num nível de elite. Há diversas semanas em que recuperar é mesmo mais importante que a dinâmica aquisitiva de comportamentos inerente ao modelo de jogo. Este artigo de revisão sistemática, para além de cobrir os prós e os contras das estratégias de recuperação mais empregues no futebol moderno, propõe formas para lidar semanalmente com a fadiga induzida pela exigência da competição. Todos os autores estão de parabéns pela excelente publicação. Desde logo, recomendo a leitura integral do artigo a todos os treinadores/equipas técnicas que trabalham com jogadores profissionais. O conhecimento não ocupa assim tanto espaço.

Referência
Rey, E., Padrón-Cabo, A., Barcala-Furelos, R., Casamichana, D., Romo-Pérez, V. (2017). Practical active and passive recovery strategies for soccer players. Strength and Conditioning Journal. doi: 10.1519/SSC.0000000000000247 (link)

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