No futebol de elite
atual, há equipas que podem participar em mais de 60 jogos oficiais numa época.
Em cada jogo competitivo, um jogador pode percorrer entre 10 a 12 km, atingindo
intensidades médias de 80-90% da frequência cardíaca máxima (FCmáx) ou 70-80%
do consumo máximo de oxigénio (VO2máx). Neste sentido, recuperar da
fadiga residual que se vai acumulando ao longo da época é quase tão ou mais importante
como treinar para desenvolver ou consolidar processos inerentes ao modelo de
jogo da equipa, designadamente, durante os períodos do calendário competitivo mais
congestionados.
Recentemente, uma equipa
de investigadores espanhois, liderada por Ezequiel Rey da Faculty of Education and Sports Sciences, da University of Vigo em Pontevedra, publicou um artigo de revisão
sistemática muito meritório sobre o tema no Strength
and Conditioning Journal. Uma vez que o tempo necessário para recuperar totalmente
do esforço de um jogo pode ser superior a 72 horas, os autores reconhecem como
fundamental a aplicação de estratégias efetivas de recuperação, de modo a aumentar
a performance subsequente e reduzir a incidência de danos musculares, de
sintomas de sobressolicitação (i.e., «overreaching») e de lesões nos membros
inferiores. Para o efeito, as estratégias de recuperação foram subdivididas em
duas grandes categorias: ativas e passivas.
As estratégias de recuperação ativa consistem na manutenção de um
trabalho submáximo após o treino ou a competição, no intuito de preservar os
níveis de desempenho entre eventos. Basicamente, foram identificadas três
estratégias de recuperação ativa no futebol: (1) atividades aeróbias de baixa intensidade (e.g., jogging,
bicicleta ou «deep-water running»), (2)
alongamentos musculares e (3)
relaxação muscular através de mobilização e descontração dos membros em pares.
Figura 1.
Atividades aeróbias de baixa intensidade (fonte: football.isport.com).
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Do corpo de evidências
consultadas, embora as atividades aeróbias de baixa intensidade aparentem contribuir
para drenagem e eliminação do ácido lático, os resultados relacionados com os
seus efeitos na performance desportiva posterior não são de todo conclusivos.
Figura 2.
Alongamentos musculares (fonte: alamy.com). |
Os benefícios dos
alongamentos na dor muscular retardada também são questionáveis, embora as evidências
científicas apontem para que os efeitos dos alongamentos na dor muscular
retardada se possam dever ao aumento do limiar da dor através desta técnica, produzindo
um efeito analgésico. A estratégia de relaxação muscular a pares, com um
jogador deitado no solo, de pernas elevadas e o outro a «soltar» os membros
inferiores, pode ter um efeito calmante, atuando ao nível da fadiga neural. As
evidências experimentais em variáveis fisiológicas são ainda escassas e,
portanto, não passíveis de ser generalizadas.
As estratégias de recuperação passiva envolvem (1) a imersão em água fria, (2)
a vibração corporal, (3) estimulação
elétrica neuromuscular e (4)
equipamentos de compressão.
Figura 3.
Imersão em água fria (fonte: www.aspetar.com).
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A imersão em água fria
(< 15ºC) é um meio de fisioterapia bastante utilizado nos meandros do
futebol. A temperatura da água e a pressão hidrostática têm sido reportados
como os fatores mais relevantes para obter benefícios regenerativos. Esta
estratégia é particularmente recomendada, pois foram verificados efeitos
positivos pós intervenção ao nível da força máxima, saltos com contramovimento,
dor muscular, perceção subjetiva de recuperação, stiffness muscular e concentrações de creatina quinase (CK). A
imersão deve ocorrer até à crista ilíaca, com um tempo cumulativo de, no
mínimo, 5 minutos.
Figura 4. Vibração
corporal (fonte: www.calgaryherald.com).
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A vibração corporal ou Whole-Body Vibration é um meio potencial
de recuperação, no qual os princípios são similares aos atribuídos à massagem regenerativa.
As evidências sugerem que a terapia por vibração após o exercício,
especialmente após contrações excêntricas, é benéfica para a recuperação, ainda
que pouco se saiba em termos de tempo de aplicação.
Figura 5. Estimulação
elétrica neuromuscular (fonte: www.outsideonline.com).
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A estimulação elétrica
neuromuscular baseia-se na transmissão de impulsos elétricos de baixa
frequência (1-9 Hz) através de elétrodos de superfície. É uma estratégia
prática na medida em que pode ser aplicada durante o sono ou em viagem. Os diversos
resultados indicam efeitos positivos na aceleração da reparação tecidual, como
consequência do aumento do fluxo sanguíneo muscular, da redução do ácido lático
e da concentração de CK e dos efeitos analgésico, anabólico, antiespasmódico e de
relaxação. Contudo, as evidências são limitadas no que respeita aos seus
efeitos para melhorar a recuperação cinestésica (força, parâmetros
neuromusculares, etc.), para manter o desempenho atlético (salto vertical,
sprints, etc.) ou para reduzir a perceção subjetiva de dor muscular.
Figura 6. Equipamentos
de compressão (fonte: www.bodyscience.com.au).
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O uso de equipamentos de
compressão para os membros inferiores pode potenciar a recuperação após
exercício extenuante ao criar um gradiente de pressão externo, reduzindo o
espaço disponível para suar e a dinâmica de recuperação cardíaca, aumentando o
fluxo sanguíneo e a oxigenação dos membros e auxiliando na remoção de
metabolitos (CK). Há evidências de que se trata de uma estratégia efetiva para
reduzir a quantidade e a severidade de lesão histológica (26.7% em média) após
48 horas em jogadores de futebol amadores.
Como foi anteriormente referido, o
tempo disponível para recuperar no futebol de elite é escasso. Assim, torna-se
essencial planear a recuperação dos jogadores recorrendo às estratégias
mencionadas e equacionando todos os prós e os contras que estão documentados.
Se a periodização do treino é uma atividade relevante para qualquer equipa
técnica no futebol contemporâneo, a periodização da recuperação não pode ficar
para trás quando se trata de alto rendimento. A figura 7 mostra uma proposta
de Rey e colaboradores (2017) para a periodização da recuperação num microciclo
congestionado de jogos (i.e., três compromissos competitivos). No artigo
original surge também outra proposta para uma semana não congestionada.
Figura 7.
Periodização da recuperação num micociclo semanal congestionado (Rey et al., 2017).
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No domingo, logo após o
Jogo 1, durante a viagem e em casa/no hotel, é proposto a utilização de
estratégias passivas, nomeadamente, a estimulação elétrica neuromuscular e equipamentos
de compressão. Na segunda-feira – primeiro dia de recuperação – sugere-se a
utilização de estratégias de recuperação ativa no centro de treinos. No segundo
dia de recuperação (terça-feira), após o treino, é utilizada a imersão em água
fria. Na quarta-feira, após o treino e ainda no centro de treinos, os autores
sugerem a vibração corporal. Na quinta-feira há o Jogo 2 e, logo de imediato,
utilizam-se as mesmas estratégias de recuperação passiva propostas para o Jogo
1. Na sexta-feira, volta-se à recuperação ativa durante o treino. No sábado, a
intervenção consiste em vibração corporal. No domingo é dia do Jogo 3. Como é
na condição de visitado, após a partida é proposta a imersão em água fria no próprio
estádio.
Não deixando de ser um
mero exemplo ilustrativo, fica explícito que todos os detalhes têm de ser salvaguardados
num nível de elite. Há diversas semanas em que recuperar é mesmo mais importante
que a dinâmica aquisitiva de comportamentos inerente ao modelo de jogo. Este artigo
de revisão sistemática, para além de cobrir os prós e os contras das
estratégias de recuperação mais empregues no futebol moderno, propõe formas
para lidar semanalmente com a fadiga induzida pela exigência da competição.
Todos os autores estão de parabéns pela excelente publicação. Desde logo,
recomendo a leitura integral do artigo a todos os treinadores/equipas técnicas
que trabalham com jogadores profissionais. O conhecimento não ocupa assim tanto espaço.
Referência
Rey, E., Padrón-Cabo, A.,
Barcala-Furelos, R., Casamichana, D., Romo-Pérez, V. (2017). Practical active
and passive recovery strategies
for soccer players. Strength and
Conditioning Journal. doi: 10.1519/SSC.0000000000000247 (link)
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