O
momento da transição ofensiva no futebol corresponde aos instantes que envolvem
a recuperação da posse de bola. É, portanto, um período temporal curto – uma
transição de fase, na verdadeira aceção da palavra – que diferencia o «não ter»
e o «ter» a posse de bola. O «jogo de transições» talvez não seja a melhor
forma para descrever um encontro em que as duas equipas primem por métodos de
jogo ofensivo rápidos: ataque rápido ou contra-ataque. Momentos e métodos de
jogo são conceitos bem distintos e que convém não confundir, embora isso seja
uma constante, inclusive nos meandros do treino desportivo.
Recuperar
a posse de bola, no meu entender e no entender de muitos especialistas, é um
momento crucial para as ações subsequentes da equipa, pelo que importa definir
(bons) princípios para dotar o coletivo de soluções diversas para esses
instantes. Independentemente do método de jogo ofensivo que a equipa técnica
prefira (ataque posicional, ataque rápido ou contra-ataque), e que esteja
subjacente ao seu modelo de jogo, o princípio «retirar imediatamente a bola da
zona de pressão» serve os melhores interesses de qualquer modelo. Podemos
acrescentar subprincípios acerca da circulação da bola (em largura ou em
profundidade), do posicionamento e dinâmicas dos jogadores envolvidos, das
ações coletivas em função do setor em que a bola é recuperada, porém, retirar a
bola da zona de pressão adversária significará sempre dar espaço e tempo às
ações posteriores dos companheiros. Por outras palavras, significa criar um
contexto de qualidade para o momento da organização ofensiva.
Deste
modo, entenda-se que retirar a bola de pressão pressupõe manter a posse de
bola, não se tratando de um mero alívio para longe que comprometa a
continuidade do processo ofensivo. Atentemos ao vídeo seguinte, tendo como
protagonistas as equipas do Liverpool FC e do Manchester City FC, no recente duelo
para a Premier League 2016/2017, no
último dia do ano 2016.
Este
jogo foi selecionado porque ambas as equipas adotam métodos de jogo ofensivo
que privilegiam a posse de bola e, por norma, pressionam em zonas avançadas do
campo e procuram recuperar logo a posse de bola poucos segundos após a
perderem. Aliás, como vimos anteriormente no Linha de Passe (aqui), estas são características
típicas das equipas de elite. Tanto uma como outra equipa foram mais
bem-sucedidas em organização ofensiva quando o jogador que recuperou a posse de
bola foi lesto a retirá-la da zona de pressão criada pelos adversários.
Consideremos as figuras 1, 2, 3 e 4.
Figura 1. Saída de zona de pressão do Liverpool FC (Firmino). |
Firmino
(Liverpool) pressionado por Yaya Touré «roda» para o corredor oposto ao qual o
Manchester City perdeu a posse e, com 4 toques sobre a bola, encontrou Lallana
num duelo um-contra-um (1v1). De resto, a sequência ofensiva culminou no único
golo da partida.
Figura 2. Saída de zona de pressão do Manchester City FC a três jogadores. |
Aos 35
minutos, perda de bola do Liverpool com Lallana a pressionar no imediato. John
Stones, Otamendi e Yaya Touré a jogar apoiados, com um triângulo bem definido,
conseguiram retirar a bola da zona de pressão em 4 toques sobre a bola e
encontraram Sterling livre no corredor direito.
Figura 3. Saída de zona de pressão por John Stones (Manchester City). |
No
minuto 53, John Stones recuperou a bola em antecipação e, perante a oposição de
Emre Can, tocou em Yaya Touré. Em 4 toques, o Manchester City deixou David
Silva solto, entre linhas, para desequilibrar a equipa adversária. O ataque
rápido terminou com o remate de Sergio Aguero à baliza de Mignolet.
Figura 4. Saída de zona de pressão do Liverpool a três jogadores. |
Mais
próximo do final do encontro, aos 73 minutos, Firmino desarma Otamendi,
pressionado pelo central e por Yaya Touré, passou a Origi e este, de primeira,
para Wijnaldum. Livre da pressão da equipa forasteira, Wijnaldum devolveu a
Firmino, completando a triangulação e dando início ao ataque posicional.
A ideia
é que o jogador que recupera a posse de bola seja rápido a fazer a leitura do
jogo e a passá-la para um jogador livre (em largura ou em profundidade), isto,
claro, sem o risco de perdê-la extemporaneamente. Como a equipa transita
de processo defensivo, muitas vezes com os jogadores ainda em concentração,
jogar a um ou dois toques sobre a bola com os colegas mais próximos e circulando
a bola para o corredor contrário – menos congestionado de oponentes – pode ser
uma boa solução. Caso a zona pressionante adversária seja muito forte e em
zonas avançadas do campo, ter referências verticais capazes de segurar e
circular a bola pode ser outra boa solução para cumprir a transição ofensiva.
A transição
defesa-ataque são breves instantes, contudo, a sua importância para o momento
de organização ofensiva não deve ser ignorada. Estabelecer bons princípios,
acima de tudo que permitam manter a posse de bola e sair da zona de pressão, é
meio caminho andado para chegar à baliza adversária. E um contexto que dota as
ações dos companheiros de equipa de maior qualidade será sempre um contexto a
explorar, não somente pelo jogador que recupera a bola, mas – sobretudo – pela
equipa técnica na preparação e na gestão das sessões de treino.
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