Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes
critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com
revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Casanova, F., Esteves, P. T., Padilha, M. B., Ribeiro, J.,
Williams, A. M., & Garganta, J.
País: Portugal
Data de publicação: 30-maio-2022
Referência: Casanova,
F., Esteves, P. T., Padilha, M. B., Ribeiro, J., Williams, A. M., &
Garganta, J. (2022). The effects of physiological
demands on visual search behaviours during 2 vs. 1 + GK game situations in
football: An in-situ approach. Frontiers
in Psychology, 13, 885765. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.885765
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 30 – junho de
2022.
Apresentação do problema
O desenvolvimento de competências percetivo-cognitivas está associado a uma capacidade aumentada de identificar e utilizar informação ambiental na seleção e execução de ações apropriadas ao contexto (Marteniuk, 1976). Estas competências são influenciadas por diferentes constrangimentos que se interrelacionam durante a performance (Williams et al., 2004; Roca & Williams, 2016), tais como a carga mental e fisiológica, as exigências tático-técnicas da partida e as habilidades percetivo-cognitivas solicitadas. Em particular, os cientistas têm comprovado que as competências percetivo-cognitivas são influenciadas pela fadiga e pelas exigências do jogo, ainda que estas conclusões derivem exclusivamente de protocolos laboratoriais envolvendo simulações filmadas.
Com este tipo de protocolo, Casanova e colaboradores (2013) verificaram a existência de alterações no comportamento de pesquisa visual dos jogadores com o aumento da carga de trabalho, designadamente à medida que o jogo se aproxima do seu final. Indivíduos de nível mais elevado fixaram significativamente mais localizações e recorreram a mais fixações de curta duração, em condições com e sem fadiga instalada, comparativamente a jogadores de nível mais baixo. Contudo, os jogadores, sobretudo os menos habilidosos, tendem a aumentar o tempo de busca visual necessário para recolher a informação relevante do contexto em condições de maior carga fisiológica. O mesmo significa referir que diferentes intensidades fisiológicas criam níveis distintos de stress e, consequentemente, de fadiga. As intensidades mais elevadas geram mais fadiga, o que reduz as performances tático-técnica e física no decurso da partida (Gandevia et al., 2001; Castillo et al., 2021).
Na generalidade, os jogadores que exibem melhores performances em condições de stress manifestam a habilidade de adaptar a sua estratégia visual, alocando a atenção de forma mais efetiva na busca de informação relevante de suporte às ações subsequentes (Ward & Williams, 2003; Vickers, 2009). A questão-chave que necessita de ser colocada é a seguinte: como é que o aumento da intensidade de treino influencia o comportamento de pesquisa visual dos jogadores em situações in-situ (reais), em vez de se considerar a visualização de situações de jogo filmadas (simulações)? Os investigadores têm mencionado que a inclusão de informação específica do contexto de desempenho em tarefas experimentais dinâmicas e representativas pode ter um impacto mais substancial nos ciclos de perceção-ação, em comparação com tarefas fechadas e típicas de laboratório (Casanova et al., 2013; Dicks et al., 2013). Por isso, são necessários mais estudos para examinar se há diferenças nos comportamentos de busca visual observados no terreno (in-situ), relativamente a tarefas mais tradicionais, de laboratório.
Este estudo de caso exploratório visou examinar os efeitos induzidos pela carga fisiológica (alta vs. baixa carga de trabalho) nos comportamentos de pesquisa visual durante situações de jogo in-situ 2v1+Gr (guarda-redes). Os autores também exploraram interações com o nível de habilidade dos jogadores, ao diferenciarem grupos de alta e baixa performance, com base numa avaliação previamente validada do desempenho tático. As expectativas iniciais previam que: (1) os jogadores utilizam diferentes estratégias de pesquisa visual em condições distintas de carga fisiológica; (2) os jogadores de nível mais elevado empregam menos fixações para menos localizações, comparativamente com o grupo menos hábil, em ambas as condições de carga fisiológica.
Participantes: 22 jogadores seniores de futebol que cumpriram os seguintes critérios de inclusão: (i) jogar no nível profissional (Liga Portugal SABSEG – II Liga) ou no semiprofissional (Liga 3) e (ii) reportar níveis de função visual dentro da normalidade. Os jogadores eram defesas ou médios defensivos e foram separados em 2 grupos distintos, em função da performance tática defensiva evidenciada na situação 2v1+Gr, em condições de baixa intensidade: grupo de alta performance (n = 11; performance média = 61.08 ± 4.70 %) e grupo de baixa performance (n = 11; performance média = 53.29 ± 2.43 %). A performance tática foi medida através da eficiência dos jogadores no cumprimento dos princípios táticos defensivos do jogo de futebol (Teoldo et al., 2011).
Tarefa
experimental: consistiu em 12 tentativas envolvendo 1 guarda-redes e
3 jogadores de campo (i.e., 2v1+Gr). A subfase 2v1+Gr é considerada uma das
situações mais prevalentes do jogo de futebol e decorreu num campo com as
dimensões de 27x20m (comprimento x largura; ver figura 2). A situação foi
disputada de forma livre e os participantes (defensores) foram avaliados pela
proficiência das ações defensivas. Os 2 atacantes (II Liga) foram instruídos a
atacar de forma veloz e rápida como se de uma partida oficial se tratasse. As
tentativas iniciaram e finalizaram ao sinal do investigador, sendo cada
tentativa dada por concluída quando (i) o defensor recuperou a posse de bola,
(ii) um dos atacantes rematou à baliza ou (iii) foi assinalado fora de jogo ou
falta.
Figura 2. Representação esquemática das tarefas experimentais (situação
2v1+Gr e teste intermitente de recuperação Yo-Yo, nível 2) e da disposição dos
participantes e dos materiais (Casanova et al., 2022).
Procedimentos: antes da tarefa
experimental, os jogadores aqueceram e foram-lhes colocados os óculos de
registo do movimento do olho (Tobii Pro Glasses 2®, Estocolmo, Suécia;
figura 3) e a banda de peito Suunto Ambit3 (Vantaa, Finlândia). Após calibração
do sistema de registo do movimento do olho, executaram-se 3 tentativas para
familiarização com a tarefa e com os materiais experimentais. O grupo que realizou
a experiência em condições de baixa intensidade, cumpriu inicialmente o teste
intermitente de recuperação Yo-Yo (nível 2) até atingir, no mínimo, 60% da
frequência cardíaca máxima (FCmáx). O grupo que executou a experiência em
condições de alta intensidade, realizou, em primeira instância, o mesmo
procedimento físico até atingir, pelo menos, 90% da FCmáx. Ambos os grupos
executaram as 12 tentativas da tarefa experimental após o teste físico e, em
seguida, completaram as escalas para medir o esforço mental (rating scale
for mental effort – RSME: 0 – sem qualquer esforço a 150 – extremamente
puxado) e a perceção subjetiva de esforço (rate of perceived exertion –
RPE; Borg, 1982: 6 – esforço mínimo a 20 – esforço máximo).
Figura 3. Tobii Pro Glasses 2® - óculos de registo de
registo do movimento do olho (fonte: tobii.23video.com; imagem não publicada
pelos autores).
Variáveis
dependentes: os dados do comportamento de pesquisa visual foram
analisados frame a frame a uma frequência de 50 Hz. A fixação foi
defina como um período de, pelo menos, 100 ms em que o olho permaneceu
estacionário dentro dos 0.5º de tolerância de movimento ocular (Vater et al.,
2016). Os comportamentos de pesquisa visual foram analisados para obter a “taxa
de pesquisa” e a “percentagem de tempo de visualização” (percentage of
viewing time – %VT).
·
A taxa de pesquisa
envolveu a medição de 3 variáveis: (i) número médio de fixações visuais (mean
number of visual fixations – NF); a duração média de fixação em
milissegundos (mean fixation duration – FD); e, número total de
localizações fixadas (total number of fixation locations – NFL).
· A percentagem de tempo de visualização foi definida como a proporção de tempo despendido a fixar uma de 7 áreas de interesse diferentes: (i) portador da bola (PlayerBall); (ii) espaço ao redor do portador da bola (SpacePlayer); (iii) espaço em frente ao portador da bola (SpaceFrontPlayer); (iv) bola (Ball); (v) espaço livre no campo (Space); (vi) outro oponente (AnotherOpponent); (vii) indefinido (categoria eliminada devido a frequência irrisória, < 1%).
A fiabilidade intra e interobservador foi avaliada para mais
de 25% do total de tentativas na situação 2v1+Gr e os valores foram superiores
a 85% nas variáveis de pesquisa visual e a 90% na análise tática defensiva.
Análise
estatística: a análise da distribuição dos dados foi cumprida
através de testes Shapiro-Wilk. Foram corridas múltiplas ANOVAs fatoriais para
examinar o impacto dos fatores nas medidas de performance (1: esforços mental e
físico – RSME e RPE; 2: taxa de pesquisa visual – NF, NFL e FD), utilizando o
grupo experimental (alta vs. baixa performance) como fator entre grupos e a
condição de carga fisiológica (alta vs. baixa intensidade) como fator intra
grupo. No caso da percentagem de tempo de visualização, foi conduzida uma ANOVA
de 3 vias com o grupo experimental como fator entre grupos e a condição de intensidade
e as áreas de interesse como fatores intra grupo. Os efeitos principais e de
interação significativos foram seguidos recorrendo a comparações de pares de
Bonferroni ajustadas ou testes post-hoc de Bonferroni. As dimensões de
efeito foram averiguadas através dos valores de eta quadrado parcial (η2),
considerando os seguintes valores de corte: 0.02, efeito pequeno; 0.13, efeito
moderado; 0.26, efeito grande (Cohen, 1988). O valor de significância foi
estabelecido nos 5% (p ≤ 0.05).
Principais resultados
·
Perceção subjetiva de
esforço
Os jogadores reportaram valores mais elevados de esforço
na condição de alta intensidade, comparativamente à condição de baixa
intensidade. Enquanto o grupo de alta performance alcançou valores
significativamente mais elevados nas escalas de esforço mental (RSME) e físico
(Borg) na condição de alta intensidade, comparativamente à condição de baixa
intensidade, o grupo de baixa performance apenas manifestou valores
significativamente mais elevados na escala de Borg.
· Taxa de pesquisa visual
Os jogadores do grupo de
baixa performance aumentaram a duração média das fixações e reduziram o número
de fixações e de localizações fixadas da condição de baixa carga fisiológica
para a de alta carga fisiológica. Relativamente ao grupo de baixa performance,
o grupo de alta performance empregou menos fixações para menos localizações na
condição de baixa intensidade, mas aumentou significativamente a duração média
das fixações. Na condição de alta carga fisiológica, a diferença entre os grupos
restringiu-se à duração média das fixações, com valores significativamente mais
elevados no grupo taticamente mais competente.
· Percentagem de tempo de visualização
Os grupos experimentais
demonstraram diferentes estratégias de pesquisa visual em relação às áreas de
interesse predominantemente fixadas. Independentemente da condição de carga de
trabalho, os defesas taticamente mais competentes despenderam mais tempo a
fixar o “espaço em frente ao portador da bola” (SpaceFrontPlayer),
seguido da “bola” (Ball) e de “outro oponente” (Another Opponent)
(figura 4).
Figura 4. Percentagem média (%) de tempo despendido a fixar cada
localização pelo grupo de alta performance defensiva, nas duas condições de
trabalho (alta vs. baixa carga fisiolígica). * Diferenças significativas (p
< 0.05) entre SpaceFrontPlayer, e Ball e AnotherOpponent,
em ambas as condições de trabalho (Casanova et al., 2022).
Por sua vez, os jogadores
do grupo de baixa competência defensiva passaram mais tempo a fixar o “espaço
em frente ao portador da bola” (SpaceFrontPlayer), o “espaço ao redor do
portador da bola” (SpacePlayer), relativamente à “bola” (Ball) e
a “outro oponente” (Another Opponent), na condição de alta carga fisiológica
(figura 5).
Figura 5. Percentagem média (%) de tempo despendido a fixar cada
localização pelo grupo de baixa performance defensiva, nas duas condições de
trabalho (alta vs. baixa carga fisiológica). ** Diferenças
significativas (p < 0.05) entre SpacePlayer e SpaceFrontPlayer,
e PlayerBall, Ball e AnotherOpponent, na condição de baixa
carga fisiológica. + Diferenças significativas (p <
0.05) entre SpaceFrontPlayer e SpacePlayer, e Ball e AnotherOpponent,
na condição de alta carga fisiológica (Casanova et al., 2022).
Aplicações práticas
Em primeiro lugar, parece que a carga fisiológica e a competência tática interagem sobre os comportamentos de pesquisa visual de jogadores profissionais de futebol. Em condições de fadiga tende a ocorrer um declínio da performance, diminuindo a habilidade para identificar informação relevante do contexto de jogo e suprimir dicas informacionais insignificantes. Neste sentido, pode não haver uma interconexão tão forte entre perceção subjetiva de esforço e o esforço mental imposto na tarefa em jogadores taticamente mais competentes.
Além da intensidade do esforço, a complexidade da tarefa também pode ter um papel importante na magnitude da alteração dos comportamentos visuais dos jogadores. A tarefa proposta – “2v1+Gr” – apresenta uma dificuldade média (66.7%) e uma complexidade reduzida (4.5%), em relação à situação de jogo formal (Futebol 11). As diferenças entre os grupos (alta vs. baixa performance) sugerem que os jogadores taticamente mais competentes são mais seletivos na busca de informação em localizações mais pertinentes, sobretudo em circunstâncias de baixa carga fisiológica. Em tarefas mais complexas, é crível que indivíduos com elevado nível de perícia tática sejam capazes de extrair informação relevante do envolvimento de forma mais seletiva e célere, o que não aconteceu propriamente no estudo em questão. Dito isto, a execução eficaz de ações táticas em condições fisiologicamente menos exigentes não é reproduzida linearmente em contextos de sobrecarga física.
Na situação de maior carga física, os jogadores despenderam mais tempo a fixar o “outro oponente”, desviando a sua atenção do portador da bola e do respetivo espaço envolvente. Este facto pode estar associado à fadiga fisiológica e mental, que, entre outros fenómenos, modifica o foco atencional do objetivo a atingir para um dos estímulos (secundários) do contexto situacional, afetando, em última instância, a perceção visual. Assim sendo, proporcionar contextos de jogo dinâmicos e complexos em condições de fadiga pode ser uma estratégia útil para incrementar o controlo atencional dos jogadores e a função inibitória de dicas informacionais acessórias.
Os treinadores devem equacionar a melhor forma de
manipular os constrangimentos da tarefa (e.g., relações numéricas, dimensões
espaciais, regras, carga física prévia) nas sessões de treino, a fim de
proporcionar a emergência das dicas informacionais utilizadas pelos defensores.
O principal desafio passa por conceptualizar tarefas que repliquem as condições
situacionais encontradas no(s) jogo(s) competitivo(s). Estes contextos práticos
possibilitam que os jogadores se envolvam numa aprendizagem do tipo “tentativa
e erro” conducente ao desenvolvimento de comportamentos visuais flexíveis e
adaptativos que, por sua vez, concorrem para aprimorar a tomada de decisão e a
criatividade.
Conclusão
O estudo mostra que futebolistas profissionais empregam
diferentes estratégias de pesquisa visual em circunstâncias distintas de carga
física (alta vs. baixa). O grupo taticamente mais competente focou-se mais
tempo, em ambas as condições de intensidade, no “espaço em frente ao portador
da bola”, comparativamente ao grupo de baixa performance defensiva. Este último
grupo despendeu mais tempo a fixar o “espaço em frente ao portador da bola” e “espaço
ao redor do portador da bola” na condição de baixa carga fisiológica, e o “espaço
ao redor do portador da bola” e o “espaço em frente ao portador da bola” em
circunstâncias de alta carga fisiológica. Os resultados revelaram que a carga
física e a competência tática interagem para guiar os comportamentos de
pesquisa visual em situações de jogo no terreno (in-situ). De um prisma estritamente
prático, os treinadores devem considerar o melhor modo de adaptar as suas
intervenções no treino, com a intenção de melhorar as estratégias de pesquisa
visual e a performance dos jogadores sob diferentes condições de carga física e
fisiológica.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Frontiers in Psychology.