Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Santos, S.,
Coutinho, D., Gonçalves, B., & Sampaio, J.
País: Portugal
Data de publicação: 29-novembro-2022
Referência: Santos, S., Coutinho, D., Gonçalves, B., & Sampaio,
J. (2023). How many creatives are enough? Exploring how
manipulating the number of creative players in the opposing team impacts
footballers' performance during small-sided games. Human Movement Science, 87, 103043. https://doi.org/10.1016/j.humov.2022.103043
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 36 – dezembro de
2022.
Apresentação do problema
O comportamento criativo é fundamental para alcançar performances de alto nível no futebol (Memmert, 2015). Este tipo de comportamento tem sido descrito como um processo de exploração, em condições ambientais apropriadas, para gerar diversas soluções passíveis de resolver um problema contextual do treino ou do jogo, de modo prático, inesperado e autêntico (Memmert, 2015; Santos & Monteiro, 2021). A criatividade deve, assim, ser compreendida como um processo de perceção, exploração e produção de novas oportunidades de ação num dado contexto (Rasmussen et al., 2019).
Figura 2. A criatividade no futebol: produção de ações eficazes e
inesperadas para a resolução de problemas contextuais do jogo (imagem não
publicada pelos autores; fonte: https://www.abola.pt/nnh/2022-11-28/camaroes-aboubakar-e-o-chapeu-a-servia-futebol-e-diversao-e-criatividade/966387).
No âmbito da estrutura teórica para o desenvolvimento da criatividade (Santos et al., 2016), os treinadores são encorajados a estimular a expressão da criatividade pessoal (tipo P) nos seus exercícios de treino. A expressão do tipo P é intrínseca ao jogador e está associada à autoexploração do processo de aplicar novas técnicas e descobrir soluções inovadoras, que, porém, podem não ser originais para a sociedade ou para a equipa. Esta expressão distingue-se do tipo histórico (tipo H), que se relaciona com a criação de algo novo para a sociedade. Para incentivar a expressão do tipo P, é essencial conceber ambientes enriquecedores que fomentem as componentes da criatividade dos jogadores, nomeadamente, a fluência, a flexibilidade ou versatilidade, as tentativas e a originalidade (Coutinho et al., 2018; Santos et al., 2017, 2018). A fluência consiste no número de ações bem-sucedidas realizadas pelo jogador ou pela equipa para superar um problema do jogo. A flexibilidade ou versatilidade refere-se à diversidade de ações que um jogador ou equipa são capazes de produzir. A originalidade envolve a produção de soluções comportamentais inovadoras e raras (Santos et al., 2017, 2018). De modo a valorizar os esforços dos jogadores para executar novas ações relativamente ao seu repertório motor, o número de tentativas, mesmo aquelas sem êxito, têm sido contabilizadas, tendo em consideração as três componentes supramencionadas (Coutinho et al., 2018; Santos et al., 2017, 2018).
O desenvolvimento das componentes da criatividade parece estar dependente do tipo de regras/condicionantes utilizado nas tarefas de treino. Embora algumas condicionantes, ou constrangimentos, possam promover a exploração do movimento e contribuir para a melhoria das componentes da criatividade (i.e., da expressão do tipo P), outras podem provocar o inverso: restringir a atividade exploratória e inibir a criatividade (Torrents et al., 2020). Em termos científicos, é necessária mais investigação para melhor entender como a manipulação da tarefa pode estimular ou inibir o comportamento criativo dos jogadores. Os jogos reduzidos, pela sua especificidade, têm sido uma das tarefas de treino mais estudadas na área das Ciências do Desporto. Estas atividades permitem que os jogadores desenvolvam e adaptem as suas ações motoras à informação contextual disponível, promovendo o acoplamento entre perceção e ação inerente à melhoria da compreensão do jogo (Travassos et al., 2013). Ainda que a intervenção através de jogos reduzidos não requeira muito tempo para produzir incrementos na performance, o grau em que as melhorias resultam de um ou mais parâmetros específicos (e.g., melhorias técnicas ou físicas determinam ganhos táticos ou vice-versa) permanece desconhecido.
A alteração das relações numéricas é uma das manipulações mais frequentes em jogos reduzidos de futebol. Contextos de superioridade, inferioridade ou igualdade determinam diferentes níveis de oposição e podem espoletar diferentes ações motoras, uma vez que as circunstâncias informacionais mudam com os constrangimentos da tarefa. Atualmente, sabe-se que níveis moderados de dificuldade estimulam a ocorrência de comportamentos criativos, enquanto tarefas extremamente difíceis ou de exigência reduzida parecem inibir a criatividade (Torrents et al., 2020). Além da relação numérica, a composição das equipas também modifica a exigência das tarefas e, por consequência, os comportamentos tático-técnicos individuais e coletivos. Por isso, é plausível supor que classificar os jogadores, em função do seu potencial criativo, pode orientá-los para oportunidades de ação distintas, ainda que esta conjetura careça de confirmação por parte da investigação científica.
A criatividade é, nos dias que hoje correm, uma
característica muito apreciada pelos treinadores, pois os jogadores criativos
trazem imprevisibilidade ao jogo e podem perturbar o plano estratégico-tático
da equipa oponente (Furley et al., 2015). Adicionar um ou mais criativos a uma
equipa pode aumentar substancialmente a exigência da tarefa, levando a
ajustamentos consideráveis nos comportamentos individuais e coletivos nos
jogadores da equipa adversária. A modificação da dificuldade da tarefa pela
variação do nível de proficiência da oposição, mediante a inclusão de jogadores
criativos em contextos de igualdade numérica, é uma estratégia de treino
interessante para a preparação de um grupo para as exigências competitivas. Porém,
até à data, nenhum estudo analisou o impacto que o aumento gradual do número de
jogadores criativos adversários pode acarretar na exploração de diferentes
oportunidades de ação, nas componentes criativas do comportamento e no
ajustamento posicional da outra equipa. É, também, relevante notar que jogadores
de diferentes escalões etários podem interagir de forma diferenciada com os
constrangimentos que lhes são impostos, sendo usual verificar que os jogadores
com menor nível de habilidade tendem a ser mais afetados pelas condicionantes
da tarefa (Coutinho et al., 2021). Posto isto, o propósito do estudo consistiu
em identificar o efeito que jogar contra um número distinto de jogadores
criativos adversários produz nos comportamentos criativos e táticos de jovens
jogadores de 3 escalões etários (Sub-9, Sub-11 e Sub-13), durante a prática de
jogos reduzidos.
Métodos
· Primeira fase: Classificar os jogadores de acordo com as
componentes relativas à criatividade
Participantes: 60 jovens jogadores de 3 escalões etários: Sub-9, n = 20; Sub-11, n = 20 e Sub-13, n = 20, pertencentes a um clube da região norte de Portugal e que compete a nível regional. A amostra também incluiu os guarda-redes que participaram nas sessões experimentais, porém, devido à especificidade da posição, os dados não foram considerados na análise. O consentimento informado foi obtido previamente à recolha de dados e os procedimentos experimentais, que estavam conforme as disposições éticas associadas à investigação científica, foram explicados aos jogadores.
Procedimentos – identificação do perfil criativo dos
jogadores: os jogadores realizaram um jogo
reduzido Gr+4v4+Gr, num espaço de 40x30 m (150 m2/jogador) em relva
artificial, para que fosse possível classificá-los em termos de perfil de
criatividade (figura 3a). Cada jogo foi composto por 4 períodos de 6 minutos,
intercalados por 3 minutos de descanso, ao longo de 5 sessões experimentais. Em
cada escalão etário foram realizados 20 períodos de 6 minutos de jogo reduzido.
Foram criadas 4 equipas (A, B, C e D) em cada sessão experimental, sendo que
duas delas se defrontaram em 2 períodos (e.g., período 1: A x B; período 2: A x
B: período 3: C x D; período 4: C x D). No total das 5 sessões experimentais,
cada jogador disputou, no mínimo, 4 períodos de jogo reduzido.
Figura 3. a)
Representação das fases de recolha de dados; b) composição das equipas e
processo de análise dos dados baseado na performance da equipa de nível
intermédio contra um número diferente de jogadores criativos adversários
(Santos et al., 2023).
Recolha e processamento dos dados: os jogos reduzidos foram gravados através de uma câmara
de vídeo digital e, posteriormente, os comportamentos criativos individuais
foram registados mediante um sistema de análise notacional computadorizado no
software LongoMatch, versão 1.3.7 (LongoMatch, Fluendo, Barcelona, Espanha). Os
dados foram então organizados numa folha de Excel denominada Creative
Behaviour Assessment in Team Sports (CBATS) (Santos et al., 2017). O
instrumento foi desenvolvido para avaliar a criatividade dos jogadores em posse
de bola durante atividades jogadas, medindo as 4 componentes da criatividade:
(1) tentativas, (2) fluência, (3) versatilidade e (4) originalidade. Estas
componentes foram avaliadas em função do sucesso e da estandardização da ação
executada. Uma ação estandardizada refere-se a qualquer tipo de passe, drible
ou remate comum: (a) um passe realizado com a parte interna do pé; (b) um
drible para a direita ou para a esquerda com um simples toque com a parte interna
ou externa do pé; (c) um remate com a parte interna do pé. A tabela 1 mostra como
foram operacionalizadas as 4 componentes da criatividade.
Tabela 1. Definição e exemplos de
cada componente da criatividade (adaptado de Santos et al., 2023).
A soma destas componentes dita o resultado em termos de
criatividade, permitindo classificar cada um dos jogadores quanto ao seu potencial
criativo (Santos et al.,
2017). A fiabilidade dos dados foi examinada através da reavaliação de 25% da
amostra, uma semana após a avaliação inicial. Este processo foi realizado pelo
mesmo analista (~6 anos de experiência a avaliar o comportamento criativo dos
jogadores com o CBATS e mais de 10 anos de experiência em análise notacional). O
coeficiente de correlação intraclasse foi considerado elevado (>0.86).
· Segunda fase: Efeitos de competir contra um número
distinto de adversários criativos
Participantes: foram selecionados 11 jogadores de cada escalão etário da amostra inicial de 60 crianças/jovens (Sub-9, n = 11, idade média: 8.1 ± 0.9 anos, experiência de prática formal: 3.3 ± 1.3 anos; Sub-11, n = 11, idade média 10.3 ± 0.6 anos, experiência de prática formal: 4.4 ± 1.4 anos; Sub-13, n = 11, idade média 12.0 ± 0.6 anos, experiência de prática formal: 6.1 ± 1.4 anos). Dos 11 jogadores por grupo, 4 eram os jogadores mais criativos (i.e., com o resultado de criatividade mais elevado) e 7 apresentavam um nível intermédio de criatividade (i.e., do 7.º ao 14.º lugar no score de criatividade), de acordo com os procedimentos realizados na primeira fase. A equipa sob análise (equipa de nível intermédio de criatividade) foi mantida durante o protocolo experimental, sendo composta por 4 jogadores de nível intermédio de criatividade (i.e., 7.º, 9.º, 11.º e 13.º classificados). Esta equipa competiu contra uma equipa cujo número de jogadores (adversários) criativos foi manipulado (1.º, 2.º, 3.º e 4.º classificados no resultado de criatividade e 3 de nível intermédio: 8.º, 10.º e 12.º classificados; ver figura 3b). A equipa cujo número de criativos foi manipulado e os guarda-redes foram excluídos da análise.
Tarefa experimental – aumento progressivo do número de jogadores criativos adversários: os jogadores da equipa de nível intermédio de criatividade competiram, numa situação de jogo reduzido Gr+4v4+Gr, em 4 cenários distintos: 1C) contra 1 jogador criativo + 3 jogadores de nível intermédio; 2C) contra 2 jogadores criativos + 2 de nível intermédio; 3C) contra 3 jogadores criativos + 1 de nível intermédio; 4C) contra 4 jogadores criativos. Os jogos reduzidos decorreram num relvado artificial, num espaço de 40x30 m, durante 3 períodos de 6 minutos, com 3 minutos de pausa passiva. Cada condição experimental (1C, 2C, 3C e 4C) ocorreu em 4 dias diferentes (figura 3b) e todas as regras do futebol foram aplicadas, à exceção da lei do fora de jogo. Houve um aquecimento padrão antes das tarefas experimentais e foram salvaguardados a rápida reposição da bola em jogo e a hidratação das/dos crianças/jovens. Não foram transmitidas quaisquer instruções/feedbacks durante a prática da tarefa experimental.
Recolha e processamentos dos dados: para a recolha e tratamento dos dados das variáveis relativas à criatividade, foram implementados os mesmos procedimentos descritos para a primeira fase. Neste processo, a fiabilidade intraobservador aumentou ligeiramente (coeficiente de correlação intraclasse > 0.88). No que respeita às variáveis táticas, os dados posicionais foram recolhidos através de GPS (SPI-PRO, GPSports, Canberra, ACT, Austrália), colocados em coletes na zona superior e posterior do tronco. Os dados posicionais foram usados para determinar as seguintes variáveis: (i) índice de exploração espacial (spatial exploration index – SEI), que providencia informação sobre a quantidade de espaço percorrido (se um jogador se move em diversas zonas do campo, é provável que tenha um valor de SEI mais elevado) (Gonçalves et al., 2017); (ii) a distância entre os centroides da equipa analisada e a equipa oponente, expressa em valores absolutos (m) e em termos de variabilidade no decurso dos jogos reduzidos (coeficiente de variação – CV); (iii) entropia aproximada (approximate entropy – ApEn) (Gonçalves et al., 2016). De uma perspetiva prática, para a distância para o companheiro de equipa/oponente mais próximo, valores próximos de 0 indicam distâncias mais regulares e previsíveis na série temporal de dados. Neste estudo, valores próximos de 0 contra 4 jogadores criativos, comparativamente a jogar contra 1 criativo, significou que os jogadores mantiveram uma distância mais regular para o centroide da equipa (i.e., ponto médio derivado do posicionamento de todos os jogadores de campo).
Análise estatística:
a estatística descritiva baseou-se em médias e desvios-padrão. A avaliação de outliers
e das assunções de normalidade foi cumprida através de testes de Shapiro-Wilk:
falhas, tentativas, fluência, versatilidade e originalidade mediante valores
absolutos; para as variáveis táticas, mediante valores absolutos (SEI,
distâncias para os centroides da própria equipa e da equipa adversária), em
termos de variabilidade (CV) e regularidade (ApEn) das distâncias para os
centroides das ambas as equipas. Em função da normalidade dos dados, foram
aplicados 2 tipos de testes: análise de variância (ANOVA) para medidas
repetidas (distribuição normal) e ANOVA de Friedman não paramétrica
(distribuição não normal). As diferenças entre pares foram examinadas através
de testes post hoc de Bonferroni, sendo conduzidos testes Durbin-Conover
na análise não paramétrica (i.e., contra 1C vs. contra 2C; contra 1C vs. contra
3C; contra 1C vs. contra 4C; contra 2C vs. contra 3C; contra 2C vs. contra 4C; contra
3C vs. contra 4C). A significância estatística foi estabelecida em p ≤
0.05, com intervalos de confiança de 95% e dimensões de efeito apuradas através
do d de Cohen: 0.0–0.19 (trivial); 0.20–0.49 (pequeno); 0.6–1.19 (moderado);
1.2–1.9 (grande); e ≥2.0 (muito grande) (Hopkins et al., 2009).
Principais resultados
· Efeitos de jogar contra um número distinto de adversários
criativos nas variáveis táticas
No que se refere ao índice de exploração espacial (SEI), foram identificadas diferenças significativas para os 3 escalões etários. No escalão Sub-9, as crianças obtiveram valores mais elevados de exploração espacial a jogar contra 3 e 4 adversários criativos (3C e 4C), comparativamente aos jogos em que defrontaram 1C. Os Sub-11 exploraram mais as zonas do campo a jogar contra 2C, em relação a 4C. Nos Sub-13, foram registados valores mais elevados de exploração espacial nos jogos contra 2C, comparativamente a 3C e 4C, e nos jogos contra 3C (vs. 4C).
No escalão Sub-9, jogar contra mais adversários criativos
(1C vs. 4C) induziu uma maior variabilidade na distância dos jogadores para o
centroide da própria equipa e para o centroide da equipa oponente. Nos escalões
mais velhos – Sub-11 e Sub-13 –, houve diferenças significativas na
regularidade (ApEn) das distâncias para o centroide da própria equipa e para o
centroide da equipa adversária. Enquanto nos Sub-11 a regularidade das
distâncias para o centroide da própria equipa foi menor a jogar contra menos
jogadores criativos (1C e 2C), nos Sub-13 aconteceu o inverso: as distâncias dos
jogadores para o ponto médio da própria equipa foram menos estáveis a jogar
contra mais oponentes criativos (3C e 4C). Ao nível das distâncias dos
jogadores analisados para o centroide da equipa adversária, a tendência
anterior manteve-se: a regularidade foi mais reduzida nos Sub-11 a jogar contra
menos adversários criativos (1C vs. 3C, 2C vs. 3C e 2C vs. 4C) e aumentou nos
Sub-13 em jogos contra menos oponentes criativos (2C vs. 3C).
· Efeitos de jogar contra um número distinto de adversários
criativos nas variáveis relativas à criatividade
Apenas foram evidentes diferenças significativas nos
Sub-9, com valores de criatividade mais elevados a jogar contra 1C, comparativamente
aos jogos contra 2C, 3C e 4C. Embora não tenham sido reveladas diferenças
significativas nos Sub-11 e nos Sub-13, foram observadas algumas tendências com
significado prático (i.e., a partir das dimensões de efeito). Na generalidade,
os jogadores realizaram um menor número de tentativas à medida que o número de
oponentes criativos aumentou. Esta tendência foi visível nos Sub-9 (1C vs. 4C,
2C vs. 4C e 3C vs. 4C), nos Sub-11 (2C vs. 4C) e nos Sub-13 (1C vs. 2C e 1C vs.
3C). Nos escalões etários mais baixos, os participantes executaram menos ações
fluentes à medida que o número de adversários criativos aumentou (Sub-9: 1C vs.
4C, 2C vs. 4C, 3C vs. 4C; Sub-11: 1C vs. 2C e 1C vs. 3C). As/os crianças/jovens
realizaram mais ações versáteis contra 1C, relativamente a 3C e 4C. Por fim,
nos Sub-9, a condição contra 3C espoletou mais ações originais (2C vs. 3C),
enquanto, nos Sub-13, o mesmo foi constatado a jogar contra 1C (1C vs. 2C e 1C
vs. 4C).
Aplicações práticas
Os resultados sugerem que aumentar o número de jogadores criativos na equipa adversária influencia mais o comportamento tático coletivo do que, propriamente, as competências individuais inerentes à criatividade. Posto isto, é importante que os treinadores tenham noções claras de como os jogadores de diferentes escalões etários ajustam os seus comportamentos ao perfil competitivo da equipa oponente. O grande desafio dos treinadores passa por conhecer as condicionantes estruturais que fomentam os comportamentos criativos, em função da idade dos praticantes, das experiências anteriores e/ou do nível de prática.
Do ponto de vista tático, o aumento do número de jogadores criativos adversários acarreta, também, uma superioridade acrescida da equipa oponente ao nível do controlo de jogo, comparativamente a uma equipa de nível intermédio. Esta situação produz consequências no modo como os jogadores exploram o espaço de jogo disponível. Neste sentido, o incremento na exploração espacial contra 2 ou 3 jogadores criativos (2C e 3C) pode traduzir um comportamento funcional adaptativo para lidar com cenários competitivos exigentes. Contudo, ao jogar contra uma equipa totalmente composta por jogadores criativos (4C), é possível que as diferenças se tornem demasiado pronunciadas, condicionando os jogadores da equipa de nível intermédio a atuar num espaço bastante restrito.
É ainda plausível admitir que a equipa sob análise (nível intermédio) passe mais tempo a defender à medida que o número de oponentes criativos aumenta. O incremento da regularidade das distâncias para os centroides das equipas, verificada nos Sub-11, pode refletir uma estratégia funcional e um processo de auto-organização para lidar com um perfil mais imprevisível da equipa adversária, o que não aconteceu com os Sub-13. Nos jogos contra 3C e 4C, a menor regularidade no escalão mais velho pode significar uma maior capacidade dos jogadores em utilizar o espaço disponível, independentemente dos comportamentos coletivos adversários. Por norma, os jogadores mais velhos têm competências percetivas e noções táticas mais refinadas, permitindo-lhes adotar comportamentos adaptativos distintos de crianças mais novas para resolver certos problemas situacionais do jogo.
Para acentuar a expressão da criatividade do tipo P,
os treinadores devem promover contextos que estimulem as componentes da
criatividade. Para isso, podem propor um vasto leque de constrangimentos que
encorajem os jogadores a explorar e a reinventar novas possibilidades de ação. Este
estudo demonstrou que cenários de exigência moderada (1C) a alta (2C ou 3C) fomentam
o surgimento de novos comportamentos; contudo, contextos demasiado exigentes (4C)
parecem constranger todas as componentes da criatividade. Por sua vez, este
tipo de manipulação parece ter mais impacto nos escalões etários mais novos
(Sub-9, no caso).
Conclusão
O estudo demonstrou que tendem a surgir diferentes
comportamentos como consequência da manipulação do número de jogadores
criativos na equipa contrária, e que esses comportamentos variam em função da
idade do praticante, primariamente, na dimensão tática. A adição de adversários
criativos induziu (1) maior variabilidade nas distâncias dos jogadores para o
centroide da equipa nos Sub-9, (2) maior regularidade nessas distâncias nos
Sub-11 e (3) maior irregularidade entre os jogadores Sub-13. Estes resultados
podem ter derivado de diferenças nas capacidades percetivo-motoras dos
participantes do estudo. Em termos do comportamento criativo, só se revelaram diferenças
significativas nos Sub-9, com valores mais elevados contra um jogador criativo
(1C), principalmente, quando comparado com os jogos contra 4C. De facto, o
comportamento criativo do escalão etário mais jovem foi mais sensível à
modificação da composição da equipa adversária. No global, as evidências
indicam que as/os crianças/jovens analisados executaram mais ações criativas em
contextos de exigência moderada a alta (1C, 2C e 3C); por outro lado, a
exposição a condições circunstanciais extremamente exigentes (4C) parecem
inibir a exploração de novas possibilidades de ação.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista Human Movement Science.