26/02/2025

Artigo do mês #62 – fevereiro 2025 | Efeitos de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos posicionais coletivos em jogos reduzidos disputados por jovens jogadores de futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.  

País: Espanha

Data de publicação: 19-dezembro-2024

Título: Effects of different tactical formations on positional team behaviors during small-sided games in youth soccer players

Referência: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.  (2025). Effects of different tactical formations on positional team behaviors during small-sided games in youth soccer players. Journal of Human Kinetics, 97, 1–11. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/194071

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 62 – fevereiro de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um jogo dinâmico, no qual as equipas se influenciam mutuamente nas fases de organização ofensiva e defensiva (Duarte et al., 2012). A interação tático-estratégica requer que os treinadores desenvolvam meios de treino representativos para facilitar a transferência de competências para a competição (Passos & Davids, 2015). 

Neste contexto, os jogos reduzidos (JRs) são ferramentas eficazes para o desenvolvimento técnico, tático e físico dos jogadores (Clemente et al., 2021; Sarmento et al., 2018). Através da manipulação de variáveis como o espaço, o número de jogadores e o formato das balizas, torna-se possível (re)criar condições de jogo específicas (Davids et al., 2013; Ometto et al., 2018). O impacto da adaptação destas condições nas variáveis físicas e fisiológicas tem sido amplamente explorado (González-Rodenas et al., 2015; Praça et al., 2022; Rabano-Muñoz et al., 2023), contribuindo para que as equipas técnicas concebam tarefas de treino mais precisas para monitorizar a carga dos jogadores (Clemente et al., 2014; Hammami et al., 2018; Skalski et al., 2024). 

Nos últimos anos, a investigação sobre a influência dos constrangimentos da tarefa nos comportamentos táticos tem vindo a aumentar consideravelmente (Ometto et al., 2018). Também a dinâmica posicional dos jogadores no campo emergiu recentemente como um dos principais aspetos para avaliar a coordenação coletiva das equipas (Coito et al., 2022). Contudo, a investigação em torno de variáveis posicionais tem-se focado predominantemente nos efeitos da manipulação do número de jogadores (Aguiar et al., 2015; Vilar et al., 2014), da dimensão e configuração do campo (Coutinho et al., 2018; Olthof et al., 2018), bem como em ajustes na tarefa, como os métodos concretização de golo (Travassos et al., 2014) ou as regras do jogo (Castellano et al., 2016; Praça et al., 2021, 2022). 

Embora alguns estudos em contexto competitivo indiquem efeitos significativos dos dispositivos táticos no desempenho tático-técnico (Aquino et al., 2020; Forcher et al., 2023; Memmert et al., 2019), a exploração deste fator em JRs ainda é escassa. Os dispositivos táticos estabelecem uma estrutura coletiva que define a distribuição espacial e os papéis específicos dos jogadores (González-Rodenas et al., 2023; Shaw & Glickman, 2019), sendo fundamentais para moldar as interações e sinergias entre as diferentes posições e missões táticas. Por exemplo, Baptista et al. (2020) verificaram que o número de médios utilizados num dispositivo tático afeta a dinâmica do jogo e a ocupação espacial em jogos 7v7. Concretamente, o estudo revelou que o 4-3-0 (4 defesas, 3 médios e nenhum avançado) promoveu a exploração espacial, o 4-1-2 favoreceu uma distribuição mais compacta e a regularidade coletiva, enquanto o 0-4-3 estimulou o equilíbrio e a capacidade de cobertura face ao adversário. 

Assim, é necessário aprofundar a compreensão sobre o modo como comportamentos coletivos são influenciados pela manipulação dos dispositivos táticos em JRs de futebol. As evidências resultantes podem auxiliar as equipas técnicas a definir estruturas táticas específicas em treino, que sejam mais propícias para criar ambientes de aprendizagem mais representativos para os jogadores. Por conseguinte, este estudo teve como objetivo explorar o impacto de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos coletivos da equipa em jovens jogadores durante JRs 7v7.

 

Métodos

Participantes: 18 jogadores (idade = 17,9 ± 0,8 anos; massa corporal = 69,2 ± 4,3 kg; estatura = 178,0 ± 5,6 cm) pertencentes a uma equipa subelite sediada em Madrid, que competia ao mais alto nível no escalão correspondente. Os guarda-redes também integraram o protocolo, mas foram excluídos da análise dos dados. Os critérios de inclusão exigiam que os jogadores estivessem oficialmente inscritos em competição e fisicamente aptos para suportar as exigências dos JRs. 

Abordagem experimental: este estudo transversal analisou o impacto de diferentes dispositivos táticos em JRs 7v7. Foram criadas duas equipas equilibradas (A e B), mantendo-se estáveis ao longo do estudo. A seleção das posições teve por base o perfil tático-técnico e a posição habitual dos jogadores. Os jogos foram disputados num campo de 65x50m (232 m²/jogador), replicando as condições da competição, com exceção das reposições, realizadas sempre através de pontapés de baliza. Propuseram-se 3 dispositivos táticos: 2-3-1 e 3-1-2, sempre contra uma estrutura tática 3-3 (Figura 2).

 

Figura 2. Representação dos dispositivos táticos implementados nos JRs (González-Rodenas et al., 2025).


Os JRs decorreram uma vez por semana durante 3 semanas, integrados no treino da equipa Sub-19. No total, realizaram-se 18 jogos de 5 minutos, com 2 minutos de intervalo, sendo os dispositivos táticos atribuídos aleatoriamente a cada equipa (Tabela 1).

 

Tabela 1. Desenho experimental exibindo os dispositivos táticos utilizados por cada equipa em cada período de jogo (adaptado de González-Rodenas et al., 2025).

Antes de cada jogo, os jogadores foram informados pelo treinador sobre o dispositivo tático e respetivas posições de jogo. O aquecimento incluiu 10 minutos divididos entre exercícios de mobilidade, mudanças de direção e passe/drible.

Procedimentos: os movimentos dos jogadores nos JRs foram monitorizados com WIMU PRO™ GPS (10 Hz), obtendo-se o registo de 9049 posições coletivas (Bastida-Castillo et al., 2019). A otimização do final foi assegurada mediante a configuração dos dispositivos num espaço desimpedido junto ao campo e colocados em coletes anatómicos ajustados às costas dos jogadores. O software SPRO (WIMU, Hudl, EUA) foi utilizado para calcular 5 variáveis táticas (Low et al., 2020; Rico-González et al., 2022): 

·  Altura da equipa: distância média (m) entre o jogador mais recuado e a baliza;

·  Largura da equipa: distância média (m) entre os jogadores mais afastados lateralmente;

· Comprimento da equipa: distância média (m) entre os jogadores mais afastados longitudinalmente;

·  Índice de dispersão: distância média dos jogadores ao centro geométrico da equipa;

·  Área da equipa: área total (m²) do polígono formado pelos jogadores (“convex hull”).


Estas métricas avaliam a coordenação coletiva, a exploração espacial e as distâncias interpessoais, e têm sido amplamente utilizadas em estudos sobre futebol (Baptista et al., 2020; Low et al., 2020, 2022; Ometto et al., 2018; Praça et al., 2021). 

Análise estatística: os dados foram transferidos do SPRO para o SPSS (v. 27.0). Como não seguiram uma distribuição normal (Kolmogorov-Smirnov), foram analisados com medianas e intervalos interquartis. Para comparar os diferentes dispositivos táticos, recorreu-se ao teste de Mann-Whitney U e ao d de Cohen para determinar a magnitude do efeito (Cohen, 1988, 1992): 0–0.2, trivial; >0.2–0.5, pequena; >0.5–0.8, moderada; >0.8, grande. Os resultados foram apresentados em tabelas e caixas de bigodes para visualizar a distribuição, a tendência central e a variabilidade da amostra (p < 0,05).


Principais resultados

 

·     Atacar com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização ofensiva, o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma maior altura e largura da equipa em campo do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. Contudo, não foram encontradas diferenças no comprimento da equipa nem no índice de dispersão. Além disso, o 2-3-1 registou uma área total significativamente superior à da estrutura 3-1-2, embora com um efeito trivial.

 

·     Defender com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização defensiva, o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma linha defensiva mais alta em campo do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. No entanto, também resultou numa equipa mais compacta, apresentando menor comprimento e menor dispersão dos jogadores. O 2-3-1 registou ainda uma área total da equipa significativamente inferior à do 3-1-2, o que reforça a ideia de contribuir para um bloco defensivo mais coeso.

 

·     Atacar contra um dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2

Ao construir um ataque contra um dispositivo defensivo 2-3-1, a equipa atacante apresentou uma menor altura média, mas maior largura e dispersão coletiva em comparação com o ataque contra um 3-1-2. Adicionalmente, atacar contra um bloco defensivo 2-3-1 levou a um aumento significativo da área total da equipa atacante face à estrutura 3-1-2, com um efeito de magnitude moderada.

 

·     Defender contra um dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização defensiva, quando a equipa adversária atacou com um dispositivo 2-3-1, a equipa defensora apresentou menor comprimento e dispersão coletiva do que ao defender contra um 3-1-2, com efeitos de magnitude moderada e pequena, respetivamente. Também, defender contra um ataque estruturado em 2-3-1 resultou numa área total defensiva significativamente menor em comparação com a defesa contra um 3-1-2, embora o efeito tenha sido pequeno.

 

Aplicações práticas

A escolha dos dispositivos táticos nos JRs influencia significativamente as dinâmicas coletivas, tanto na equipa que os implementa como na adversária. A compreensão de como os diferentes dispositivos táticos afetam a ocupação espacial, a organização ofensiva e a organização defensiva pode ajudar os treinadores a conceber tarefas práticas mais eficazes e consentâneas com o modelo de jogo criado. Com base nos resultados deste estudo, propõem-se 4 aplicações práticas para aprimorar o treino tático no futebol juvenil:

1. Definir o dispositivo tático conforme o modelo de jogo pretendido: o 2-3-1 favorece ataques mais amplos e estruturados, proporcionando maior liberdade aos médios-ala e garantindo mais estabilidade defensiva com 2 centrais fixos. Em contrapartida, o 3-1-2 gera maior variabilidade posicional e pode potenciar ataques mais imprevisíveis. Ao ponderar as vantagens e limitações de cada estrutura, os treinadores tomam decisões mais informadas sobre o dispositivo tático que melhor se ajusta ao seu modelo de jogo. 

2. Manipular os dispositivos táticos para condicionar a equipa adversária: a estrutura tática proposta não impacta apenas a organização da própria equipa, mas também a dinâmica da equipa adversária, fenómeno reconhecido como coadaptação tática. O 2-3-1 induz uma defesa mais compacta e organizada, enquanto o 3-1-2 tende a ampliar a dispersão longitudinal da equipa adversária. Os treinadores podem recorrer a esta informação para conceber cenários de treino que desafiem os jogadores a solucionar problemas contextuais, como atacar blocos defensivos compactos ou explorar espaços em defesas mais alongadas, ou seja, cedendo mais espaço entre linhas. 

3️. Refinar a ocupação espacial em função da estrutura tática utilizada: o 2-3-1 promove uma organização simétrica e equilibrada, já que permite que os jogadores mantenham distâncias mais curtas entre si, especialmente em momentos defensivos. Por sua vez, o 3-1-2 apresenta uma estrutura ofensiva menos expansiva, o que pode levar os laterais a assumir um papel mais defensivo para garantir o equilíbrio numérico. Os treinadores podem ajustar o dispositivo tático nas tarefas de treino para enfatizar certos princípios de jogo, por forma a melhorar a ocupação espacial sem comprometer as dinâmicas coletivas pretendidas. 

4️. Personalizar os JRs com base nas características dos jogadores e nos objetivos da sessão: a escolha do dispositivo tático deve considerar não apenas o modelo de jogo e o perfil dos jogadores disponíveis, mas também o objetivo específico da sessão de treino. A interação entre diferentes estruturas táticas nos JRs influencia a emergência de padrões coletivos, tornando-se essencial que os treinadores adaptem as tarefas de treino para estimular os comportamentos desejados. Ao manipular os dispositivos táticos de forma estratégica, a equipa técnica pode criar desafios que estimulem a adaptabilidade tática dos praticantes e o desenvolvimento de comportamentos tático-técnicos representativos do jogo competitivo.

 

Conclusão

Este estudo demonstra a influência dos dispositivos táticos nos comportamentos posicionais em JRs de futebol. O 2-3-1 promoveu maior largura e área ofensiva, bem como um posicionamento mais alto, enquanto, defensivamente, proporcionou uma estrutura mais compacta devido à redução do comprimento e do índice de dispersão. Por outro lado, o 3-1-2 resultou numa ocupação espacial mais variável. Atacar contra um 2-3-1 incentivou maior largura e dispersão, enquanto defendê-lo levou a uma estrutura mais compacta. Os resultados enfatizam a importância da escolha do dispositivo tático para modular os comportamentos coletivos. Os treinadores devem manipular estrategicamente o dispositivo tático nos JRs para desenvolver a adaptabilidade dos jogadores e a sua compreensão tática. Ao fazê-lo, otimizam as sessões de treino em função do modelo de jogo idealizado.


P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.

31/01/2025

Artigo do mês #61 – janeiro 2025 | Atualização sobre a evolução do Campeonato do Mundo da FIFA: futebol masculino e feminino

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

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Autores: Norton, K.

País: Austrália

Data de publicação: 8-dezembro-2024

Título: Update on the evolution of World Cup soccer: men and women

Referência: Norton, K, (2024). Update on the evolution of World Cup soccer: men and women. International Journal of Performance Analysis in Sport, 1–14. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/24748668.2024.2436276

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 61 – janeiro de 2025.


Apresentação do problema

Raros são os estudos que analisaram a evolução dos desportos de invasão ao longo do tempo, devido à falta de tecnologias adequadas até ao início do século XXI (Norton et al., 1999; Sarmento et al., 2018). A introdução de tecnologias como sensores microeletrónicos e sistemas multicâmara revolucionou a análise do jogo no futebol e noutros desportos análogos (Bradley et al., 2016; Bush et al., 2015); porém, as mudanças a longo prazo continuam difíceis de quantificar. Neste sentido, metodologias computacionais e notacionais recentes permitiram superar algumas dessas limitações ao analisar vídeos de arquivo (Edgecomb & Norton, 2006; Wallace & Norton, 2014). Os padrões de jogo, aparentemente aleatórios a curto prazo, revelam-se quantificáveis numa análise de longo prazo (Norton, 2013). Além disso, a evolução destes desportos pode ajudar a identificar vantagens estratégico-táticas, bem como os limites das capacidades humanas. 

Documentar a evolução dos desportos pode trazer diversos benefícios, incluindo: (1) estabelecer ligações com as exigências atuais e futuras do jogo e do treino, (2) otimizar a seleção e o desenvolvimento do talento, (3) avaliar os limites da interação entre o aporte energético, a fadiga e a execução de habilidades motoras e, crucialmente, (4) aprofundar a relação entre as regras, a carga física dos jogadores e padrões de lesão. Todos estes potenciais benefícios podem ser valiosos para jogadores, clubes e organizações desportivas e, em particular, para os diretores/gestores desportivos num contexto em que os jogadores são cada vez mais ágeis, competitivos e fisicamente mais bem preparados (Hill et al., 2018; Norton & Olds, 2001). A compreensão das tendências desportivas também contribui para a definição de diretrizes que minimizam o surgimento de lesões sem comprometer a identidade do jogo. A análise de vídeos históricos e o rastreamento da bola e da estrutura do jogo permitiram identificar padrões emergentes e tendências estratégicas ao longo do tempo em diversos desportos coletivos (Norton, 2013; Norton et al., 1999; Wallace & Norton, 2014). 

A Federação Internacional de Futebol Associativo (FIFA) organiza separadamente os Mundiais de futebol masculino e feminino a cada 4 anos, sendo estes dos maiores torneios desportivos do planeta. O torneio masculino ocorre desde 1930, enquanto o feminino teve início apenas em 1991. A relativa estabilidade das regras e a disponibilidade de imagens de arquivo permitem compreender a evolução deste desporto ao mais alto nível. Estudos prévios quantificaram a evolução do Mundial masculino entre 1966 e 2010, revelando maior velocidade da bola, aumento da densidade de jogadores junto à bola e maior intensidade de jogo (Wallace & Norton, 2014). Alguns trabalhos mais recentes confirmaram estas tendências no futebol de alto rendimento (Bradley et al., 2016; Bush et al., 2015). 

O presente estudo expande a análise até 2022 no torneio masculino e, pela primeira vez, examina a evolução do Mundial feminino (1991–2023). A investigação sobre o futebol feminino é escassa, refletindo a sub-representação de jogadoras em investigações nas áreas das ciências do desporto e da medicina (Costello et al., 2014; Ryan et al., 2023). Com uma história competitiva mais curta, o futebol feminino pode estar a evoluir de forma distinta, tornando-se fundamental a análise de padrões comuns e diferenças entre ambos os géneros.

 

Métodos

Desenho do estudo: o estudo utilizou um desenho correlacional retrospetivo para analisar as gravações das finais do Mundial da FIFA (1966–2022 para o futebol masculino, 1991–2023 para o futebol feminino) e quantificar as mudanças ao longo do tempo em métricas específicas. Foram consideradas 3 grandes dimensões: estrutura do jogo, deslocamento da bola e frequência de passes (tabela 1). A análise utilizou o rastreamento computacional da bola e a cronometragem automática dos períodos de jogo e paragem, complementados por uma análise notacional dos passes efetuados (Edgecomb & Norton, 2006; Wallace & Norton, 2014). Os dados das finais masculinas entre 1966 e 2010 foram previamente publicados (Wallace & Norton, 2014), sendo agora atualizados com as 3 edições subsequentes (2014–2022). Os jogos femininos foram analisados separadamente. Normalmente, as finais do Mundial duram 90 minutos, mas, no torneio feminino, houve duas exceções: em 1991, com partes de 40 minutos e, em 1995, com a introdução experimental do “tempo técnico”, que não foi contabilizado como tempo de paragem.


Tabela 1. Variáveis utilizadas no estudo e respetivas definições operacionais (adaptado de Norton, 2024).

Metodologia de rastreamento: as variáveis relacionadas com a duração dos períodos de jogo/paragem e com o deslocamento da bola foram registadas automaticamente pelo software TrakPerformance (Wallace & Norton, 2014). O sistema rastreia visual e mecanicamente o movimento da bola num campo em miniatura e calibra a posição para calcular a distância percorrida e a velocidade. O tempo de jogo iniciou-se no começo de cada parte, sendo interrompido por eventos como livres ou saídas da bola, e retomado com o seu regresso ao campo. A análise permitiu quantificar o tempo total de jogo/paragem e as respetivas percentagens. A fiabilidade do sistema registou um erro de 5–7%. A precisão foi influenciada pela experiência do rastreador, com erro intra-avaliador de 1,8–3,0% no estudo anterior (Wallace & Norton, 2014). Para o presente estudo, a fiabilidade foi recalculada antes da recolha de dados, com erro máximo de 3,68% na duração mediana das paragens. 

Análise notacional da taxa de passes: definiu-se o passe como qualquer toque deliberado para um colega por forma a manter a posse de bola. Os passes foram contabilizados manualmente por cada parte do jogo e normalizados pelo tempo de jogo, registado via TrakPerformance (Wallace & Norton, 2014). A fiabilidade da contagem foi testada com medições duplicadas em 2 jogos. 

Análise estatística: a análise por partes do jogo permitiu avaliar tendências temporais em função de contextos competitivos e estratégicos distintos (Gollan et al., 2020; Wallace & Norton, 2014). Uma regressão linear simples foi utilizada para avaliar mudanças na estrutura do jogo, no movimento da bola e nas taxas de passes. Os jogos masculinos e femininos foram analisados separadamente, comparando-se as tendências através de um teste F para detetar diferenças entre as inclinações das linhas de regressão. As variáveis foram analisadas com testes t emparelhados para identificar as diferenças entre as partes do jogo. O nível de significância foi definido como p < 0,05.

 

Principais resultados

 

·     Estrutura do jogo

Os tempos totais de jogo e de paragem nas finais masculinas e femininas seguiram padrões semelhantes ao longo do tempo. O tempo de jogo manteve-se estável, enquanto o tempo de paragem aumentou progressivamente, com uma evolução semelhante para ambos os géneros (figura 2a). 

A duração das paragens tem aumentado ao longo das décadas, sem diferenças significativas entre as tendências do futebol masculino e feminino (figura 2b). A percentagem de tempo de jogo diminuiu de 65% para cerca de 55%, com descidas semelhantes para ambos os géneros (figura 2c).


Figura 2. Padrões de jogo e paragens nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023). O painel (a) apresenta o tempo total de jogo e o tempo de paragem em cada parte do jogo. O painel (b) ilustra a duração mediana das interrupções. O painel (c) mostra a evolução do tempo efetivo de jogo como percentagem do tempo total da partida.


Na segunda parte dos jogos, o tempo efetivo de jogo foi inferior, devido ao aumento do tempo de paragem, enquanto o tempo total de jogo permaneceu estável. O tempo de paragem foi 9% superior nos homens e 25% superior nas mulheres, comparativamente à primeira parte.

 

·     Movimento da bola

A distância total percorrida pela bola manteve-se estável nos homens e aumentou nas mulheres (figura 3a), embora o deslocamento médio tenha sido 7% superior no futebol masculino. As tendências entre géneros não diferiram significativamente. 

A velocidade média da bola aumentou significativamente em ambos os géneros (figura 3b), mas o crescimento foi mais acentuado no futebol feminino (18%), reduzindo a diferença para os homens: de uma diferença aproximada de 17% nas primeiras edições do Mundial feminino, passou-se para uma diferença atual de cerca de 8%. A distância percorrida e a velocidade da bola permaneceram constantes entre a primeira e a segunda parte, tanto nos jogos masculinos como nos femininos.


Figura 3. Movimento da bola nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023). O painel (a) representa a distância percorrida pela bola em cada parte do jogo. O painel (b) mostra a velocidade média da bola (distância percorrida por tempo de jogo) nas finais masculinas e femininas.

 

·     Taxa de passes

Esta variável registou um aumento significativo no futebol masculino e feminino (figura 4), sem diferenças na taxa de variação entre ambos os géneros. Nos homens, a taxa de passes por 100 metros de deslocamento da bola cresceu ao longo do tempo, enquanto nas mulheres manteve-se estável. A taxa de passes por unidade de distância foi semelhante entre os grupos. Já a taxa de passes por minuto de jogo diminuiu significativamente do primeiro para o segundo tempo em ambos os géneros, tal como a taxa de passes por 100 metros percorridos pela bola.


Figura 4. Variação na média das taxas de passe por minuto de jogo nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023).

 

Aplicações práticas

A evolução do futebol, tanto no género masculino como feminino, tem demonstrado um aumento da intensidade de jogo, da velocidade da bola e das taxas de passe. Estes padrões reforçam a necessidade de adaptação por parte de treinadores e equipas técnicas para otimizar o desempenho, mitigar riscos e rentabilizar as vantagens competitivas. A duração crescente das paragens de jogo permite maior recuperação fisiológica, mas também influencia a organização estratégico-tática e a tomada de decisão. Para além disso, o aumento da velocidade do jogo e da densidade de jogadores em zonas-chave do campo exige novas soluções estratégicas para lidar com a pressão, reduzir o tempo de reação e aumentar a eficácia das ações tático-técnicas. 

Com base nos resultados deste estudo, propõem-se 5 aplicações práticas que poderão ser equacionadas pelas equipas técnicas na preparação e gestão dos/as jogadores/as, de modo a promover uma adaptação mais eficaz às novas exigências do futebol moderno:

 

1. Ajustar a gestão do tempo de paragem para incrementar a recuperação e a organização estratégico-tática: o tempo total de paragem nos jogos tem aumentado, permitindo maior recuperação fisiológica, mas também maior organização defensiva e ofensiva. Os treinadores devem utilizar estas pausas de forma estratégica para reforçar instruções táticas, implementar jogadas de bola parada e evitar que o adversário beneficie de períodos de recuperação prolongados. Dito isto, reproduzir contextos de paragem prolongada nos treinos pode ajudar os/as jogadores/as a manter a intensidade após estas pausas, atenuando uma eventual quebra de rendimento. 

2. Desenvolver a velocidade de execução técnica e a tomada de decisão sob pressão: o aumento da velocidade da bola e da taxa de passes destaca a importância da rapidez na receção e na distribuição da bola. As sessões de treino devem conter exercícios que exijam receções de bola rápidas, controladas e orientadas, uma perceção célere do envolvimento que favoreça uma tomada de decisão mais prospetiva e a execução de passes curtos e precisos, não descurando o passe ao primeiro toque. Estas competências são fulcrais para o sucesso num jogo cada vez mais rápido, intenso e com espaços mais congestionados de jogadores. 

3. Aperfeiçoar a performance em cenários de alta densidade de jogadores: a maior intensidade de jogo e a redução do tempo para ler o jogo e tomar decisões aumentam a relevância de habilidades como dribles curtos, mudanças de direção rápidas e fintas eficazes. A integração de jogos reduzidos/condicionados no treino contribui para que os/as jogadores/as fiquem mais preparados para atuar com eficiência em áreas restritas, o que é benéfico para (1) encontrar companheiros em posições mais vantajosas, (2) executar combinações táticas progressivas, (3) aumentar a fluidez do jogo e (4) manter a posse de bola.

4. Inovar na preparação física para acompanhar a evolução do jogo e reduzir o risco de lesões: jogos com mais intensidade e velocidade são suscetíveis de aumentar a incidência de lesões com ou sem contacto. O planeamento do treino deve incluir tarefas específicas para aprimorar a resistência em contexto de alta intensidade, envolvendo aspetos como a aceleração, a desaceleração e as mudanças de direção sob pressão. A preparação física deve também focar-se na eficiência dos movimentos e na manutenção da capacidade cognitiva e técnica sob fadiga, para que os jogadores preservem um ritmo elevado ao longo dos 90 minutos.

5. Valorizar o progresso metodológico no treino face à evolução abrupta do futebol feminino: o futebol feminino tem-se desenvolvido a um ritmo acelerado, aproximando-se das exigências do jogo masculino em termos de intensidade, velocidade e dinâmica coletiva. As equipas técnicas devem adotar metodologias de treino que preparem as jogadoras para um jogo mais rápido e exigente, não somente do ponto de vista físico, mas, sobretudo, do ponto de vista percetivo, decisional e técnico. As tarefas de treino específico devem expor as jogadoras a contextos desafiantes, com menos tempo e espaço para executar as ações de jogo.

 

Conclusão

De forma geral, este estudo demonstrou que a evolução do futebol de elite tem-se mantido constante tanto no género masculino como no feminino: os movimentos e os estilos de jogo estão cada vez mais intensos. Contudo, é evidente que estes progressos não poderão continuar indefinidamente. O presente estudo, assim como investigações anteriores sobre o incremento das ações de alta intensidade e das competências táticas (Barnes et al., 2014; Bradley, 2025), sustentam a hipótese de que os elementos do jogo e as métricas associadas à intensidade continuarão a evoluir no futuro próximo, à medida que novas gerações de jogadores talentosos forem identificadas e desenvolvidas (Nassis et al., 2020).


P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Performance Analysis in Sport.