30/09/2025

Artigo do mês #69 – setembro 2025 | Influência da presença do treinador e da estimulação verbal na intensidade do exercício e na performance tático-técnica no treino de futebol de formação

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.


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Autores: Jiménez, P. P., García-Aliaga, A., Vivar, G. M., & Sillero-Quintana, M.

País: Espanha

Data de publicação: 29-agosto-2025

Título: Influence of coach presence and verbal stimulation on exercise intensity and technical-tactical performance during soccer-specific training in youth players

Referência: Jiménez, P. P., García-Aliaga, A., Vivar, G. M., & Sillero-Quintana, M. (2025). Influence of coach presence and verbal stimulation on exercise intensity and technical-tactical performance during soccer-specific training in youth players. International Journal of Sports Science & Coaching, 1–11. Advance online publication. https://doi.org/10.1177/17479541251366278

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 69 – setembro de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um desporto sociomotor, dinâmico e imprevisível, com ações tático-técnicas acíclicas e intermitentes (Castellano, 2000; Oyón et al., 2016). As exigências variam conforme o nível competitivo, o modelo de jogo e a posição dos jogadores (Varley et al., 2018). Fisiologicamente, predomina o metabolismo aeróbio, embora os momentos decisivos dependam de esforços anaeróbios (Bangsbo, 2014; Mohr et al., 2003). Durante os jogos, os jogadores percorrem entre 10 e 13 km, com diferentes intensidades consoante a posição em campo. Os médios cobrem maior distância total, enquanto avançados e extremos acumulam mais ações em alta velocidade (Vigne et al., 2010; Andrzejewski et al., 2013). 

Para treinar estas exigências, os treinadores recorrem a jogos reduzidos (JRs), que recriam situações de jogo em espaços menores e com regras ajustadas. Estas tarefas promovem decisões rápidas, competências técnicas e adaptação a estímulos físicos e cognitivos variados (Fernández-Espínola et al., 2020; Alcalá et al., 2020; Ferreira-Ruiz et al., 2022). Os JRs são modelados por constrangimentos que influenciam a resposta dos jogadores e a eficácia do treino (Newell, 1986). Os principais fatores incluem:

 

·  Número de jogadores: menos jogadores aumentam a carga interna e favorecem ações individuais; mais jogadores promovem interações coletivas (Fernández-Espínola et al., 2020).

·    Dimensões do campo: espaços reduzidos geram maior densidade e transições rápidas; campos maiores permitem posses mais longas e corridas em alta velocidade (Ometto et al., 2018).

· Balizas e guarda-redes: a ausência de guarda-redes ou a utilização de balizas pequenas intensifica a resposta fisiológica e aumenta as ações ofensivas. Várias balizas em campo modificam o comportamento tático (Ferreira-Ruiz et al., 2022).

·  Regras do jogo: restrições como limite de toques ou número mínimo de passes elevam a carga cognitiva e induzem adaptações tático-técnicas específicas (Sarmento et al., 2018).

·  Regime de treino: a manipulação da duração, da recuperação e do tipo de esforço modula a carga fisiológica. A alternância entre métodos contínuos e intermitentes pode favorecer a adaptação ao esforço competitivo (Hill-Haas et al., 2009).

 

No seu conjunto, os JRs geram uma carga composta por exigências externas (locomotoras, mecânicas e metabólicas) e internas (psicofisiológicas) (Bourdon et al., 2017). A carga externa refere-se às exigências mecânicas e locomotoras do treino, como distância percorrida, sprints, acelerações e velocidade máxima, sendo atualmente monitorizada com fiabilidade através de sistemas GPS (Swinnen, 2016; Akenhead et al., 2016). A carga interna corresponde à resposta fisiológica e psicológica à carga externa, podendo variar mesmo perante estímulos idênticos, influenciada por fatores como o estado emocional (Impellizzeri et al., 2005; Bourdon et al., 2017). Para a medir, usam-se indicadores como a frequência cardíaca, a perceção subjetiva de esforço (PSE) e a concentração de lactato (Rampinini et al., 2007).

A intervenção verbal do treinador, ainda pouco estudada, pode influenciar a carga interna e externa no decurso de JRs (Falces-Prieto et al., 2015). Essa comunicação pode assumir várias formas, como instruções técnicas, reforço positivo sem correção ou orientações organizacionais (Díaz-García et al., 2021). A estimulação verbal, enquanto reforço positivo, revela-se especialmente eficaz para potenciar a aprendizagem tática e o envolvimento dos jogadores, sobretudo em contextos de alta intensidade (Hill-Haas et al., 2009; Sahli et al., 2022). 

O encorajamento verbal do treinador pode melhorar a motivação, a confiança e a atenção dos jogadores, promovendo uma maior ativação fisiológica associada ao desempenho motor (Khayati et al., 2024; Krahenbuhl, 1975). Também se associa a maior prazer e bem-estar durante a tarefa, possivelmente mediado pela libertação de oxitocina, hormona ligada ao compromisso e à motivação (Selmi et al., 2017; Pepping & Timmermans, 2012). A estimulação verbal revela-se, por isso, uma ferramenta eficaz para potenciar a carga interna, com efeitos positivos na execução técnica e na precisão das ações (Batista et al., 2019; Hammami et al., 2023). Contudo, não há estudos que tenham avaliado o impacto da presença do treinador e dos diferentes tipos de reforço verbal na intensidade e na performance tático-técnica durante JRs.

Este estudo visou analisar essa influência em jovens jogadores de futebol, considerando estímulos verbais centrados no encorajamento e em instruções táticas. Partiu-se da hipótese de que a presença do treinador e o seu apoio verbal aumentam a intensidade do exercício e o desempenho, através de maior motivação e compromisso com a tarefa (Hill-Haas et al., 2009; Sahli et al., 2022).

 

Métodos

 

·     Participantes

O cálculo amostral (G*Power v.3.0.10) indicou 20 participantes. Foram recrutados 20 jogadores Sub-16 da Primeira Divisão Regional de Madrid, excluindo 2 guarda-redes. Por lesão, a amostra final integrou 16 jogadores de campo (15,28 ± 0,48 anos; 175,13 ± 5,02 cm; 61,5 ± 5,93 kg), com 2 treinos semanais de 90 minutos e um jogo oficial. Os critérios de inclusão exigiram ≥4 anos de prática federada e ausência de lesões recentes. Todos entregaram consentimento informado dos encarregados de educação. O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética da Universidade Politécnica de Madrid, conforme a Declaração de Helsínquia (2013).

 

·     Materiais

Foram utilizados dispositivos GPS Catapult Vector S7 (10 Hz; acelerómetro a 400 Hz) para medir as exigências físicas, validados para desportos coletivos (Johnston et al., 2014). Os dados foram extraídos via Openfield Field Console 3.9 e Openfield Cloud 4.7 (Catapult Sports, Austrália). As sessões foram filmadas com uma câmara digital COOAU SPC 06 (4K/30FPS; Guangdong, China) para análise técnico-tática.

 

·     Procedimentos

O estudo decorreu durante 4 sessões de treino (terças e quintas às 18h00), em ambiente controlado, para evitar variações circadianas (Drust et al., 2005). Nas duas primeiras sessões, além de informações sobre objetivos e procedimentos metodológicos, promoveu-se a familiarização com os materiais e as tarefas 4v4. 

No terceiro momento de treino, os 16 jogadores foram distribuídos aleatoriamente em 4 equipas, realizando 2 jogos sob 3 condições: ausência de treinador (Absence of a Coach – AC), presença do treinador (Presence of a Coach – PC) e estimulação verbal (verbal stimulation of the coach – VS). A ordem e composição das equipas foram aleatórias para evitar efeitos de aprendizagem. Todos os jogos duraram 3 minutos, com 3 minutos de pausa entre eles. 

Na quarta sessão, os jogadores foram divididos aleatoriamente em grupo controlo e grupo experimental. Testaram-se duas novas condições: estimulação verbal ofensiva (verbal stimulation with tactical-technical offensive instructions – VS_OF) e estimulação verbal defensiva (verbal stimulation with tactical-technical defensive instructions – VS_DF), com contrabalanço da ordem de aplicação (ver figura 2).

 

Figura 2. Desenho do protocolo. Notas: ausência de treinador (Absence of a Coach – AC), presença de treinador (Presence of a Coach – PC), estimulação verbal (Verbal Stimulation – VS), estimulação verbal ofensiva (Verbal Stimulation with tactical-technical offensive instructions – VS_OF), estimulação verbal com instruções técnico-táticas defensivas (Verbal Stimulation with tactical-technical defensive instructions – VS_DF) (Jiménez et al., 2025).

 

Todos os jogos foram filmados e analisados com notação manual (Kelly & Drust, 2009). As ações foram classificadas em 4 categorias (passes, remates, duelos defensivos, interceções) e avaliadas quanto à eficácia (sucesso/insucesso). As fiabilidades intra e interobservador foram verificadas por nova análise independente realizada após 3 meses.

 

·     Protocolo da prática

Os JRs seguiram o formato 4v4 sem guarda-redes, com duas balizas centrais e campo de 36x23 m (103,5 m2/jogador). Aplicaram-se todas as regras do futebol, exceto o fora de jogo. Dez bolas foram distribuídas ao redor do campo para maximizar o tempo útil (Casamichana & Castellano, 2015). A câmara foi colocada na metade oposta para captar todas as ações. Os GPS foram colocados 15 minutos antes da recolha, inseridos em coletes com bolso dorsal. Os dados foram exportados via software Catapult.

 

·     Variáveis

As variáveis independentes corresponderam às diferentes condições sob as quais decorreram os JRs, centradas na presença do treinador e no tipo de estimulação verbal. As variáveis dependentes incluíram indicadores de desempenho físico e tático-técnico. As Tabelas 1 e 2 apresentam as definições operacionais utilizadas neste estudo, de acordo com a literatura de referência.

 

Tabela 1. Variáveis independentes (condições experimentais) do estudo (adaptado de Jiménez et al., 2025).


Tabela 2. Variáveis dependentes (indicadores de desempenho) do estudo (adaptado de Jiménez et al., 2025).

·     Análise estatística

A análise foi realizada no SPSS 19.0. As fiabilidades intra e interobservador foram avaliadas com o coeficiente Kappa de Cohen (1988), enquadrado de acordo com os critérios de Landis e Koch (1977). Como os dados não apresentaram distribuição normal (teste de Shapiro-Wilk) nem esfericidade (teste de Mauchly), recorreu-se a testes não paramétricos. No primeiro caso experimental (AC, PC, VS), aplicaram-se os testes de Friedman e de Wilcoxon para comparações entre condições. No segundo caso (VS_OF vs. controlo; VS_DF vs. controlo), usou-se o teste de Mann-Whitney U. O tamanho do efeito foi calculado com o Hedges’ g (Hedges, 1981), interpretado como pequeno (0,2), médio (0,5) ou grande (≥ 0,8) (Cohen, 1988).

 

Principais resultados

Esta secção apresenta os principais efeitos das diferentes condições experimentais sobre o desempenho físico e tático-técnico dos jogadores durante os JRs. Os resultados estão organizados em 3 subsecções: desempenho físico, desempenho tático-tático e comparações entre as condições com estimulação verbal e o grupo de controlo.

 

·     Desempenho físico

A presença do treinador, sobretudo com encorajamento verbal (VS), influenciou de forma positiva a PSE, que foi significativamente mais elevada face à condição sem treinador (AC). Nas restantes variáveis físicas, observaram-se tendências favoráveis nas condições com estimulação verbal (VS_OF e VS_DF), com destaque para o aumento da distância total percorrida e das ações em alta velocidade na condição defensiva (VS_DF), ainda que nem todos os efeitos tenham sido estatisticamente significativos.

 

·     Desempenho tático-técnico

A estimulação verbal demonstrou efeitos positivos na qualidade e frequência das ações tático-técnicas. A condição defensiva (VS_DF) originou melhorias no número total de passes e de passes bem-sucedidos, sem comprometer o equilíbrio defensivo. Por sua vez, a condição ofensiva (VS_OF) gerou ligeiras melhorias na eficácia dos passes, embora com menor impacto global nas restantes variáveis táticas.

 

·     Comparações com o grupo de controlo

Tanto a estimulação verbal ofensiva como a defensiva mostraram efeitos superiores ao grupo de controlo em diversas variáveis técnicas, com a condição defensiva (VS_DF) a apresentar ganhos mais robustos e consistentes. Os efeitos positivos da condição ofensiva (VS_OF) foram mais moderados e, em alguns indicadores físicos, inferiores aos do grupo de controlo.

 

Aplicações práticas

A análise dos efeitos da presença e da estimulação verbal do treinador em contextos de treino com JRs permite retirar 4 implicações práticas com relevância direta para o planeamento, gestão da carga e otimização do desempenho de jovens futebolistas:

 

1. Valorizar a presença do treinador como fator de mobilização do empenho: a simples perceção de que o treinador observa pode aumentar o esforço percebido pelos jogadores, mesmo sem alterações objetivas na carga externa. Este efeito sugere que a localização e visibilidade do treinador devem ser ponderadas no desenho das tarefas, sobretudo quando se pretende reforçar a implicação cognitiva e emocional das crianças e dos jovens. 

2. Aplicar instruções defensivas para intensificar a carga física: a estimulação verbal com foco defensivo gerou aumentos significativos na distância percorrida e nas exigências externas, constituindo uma estratégia eficaz quando o objetivo passa pelo desenvolvimento da condição física. Indicações como “pressionar alto” ou “fechar linhas de passe” promovem deslocamentos amplos e uma maior ocupação do espaço de jogo – comportamentos associados a tarefas de elevada intensidade. 

3. Reconhecer os efeitos colaterais positivos das instruções tático-técnicas: embora a estimulação verbal ofensiva vise a eficácia atacante, o foco defensivo proporcionou melhorias mais evidentes no número e na eficácia dos passes. Este efeito pode resultar de um estado de alerta superior, induzido pelas exigências defensivas. Assim, as instruções táticas não afetam apenas os comportamentos diretamente visados, mas também influenciam ações ofensivas decorrentes da resposta à pressão adversária. 

4. Equilibrar a estimulação verbal com a autonomia decisional dos jogadores: ainda que as instruções tático-técnicas produzam ganhos físicos e tático-técnicos, uma verbalização excessiva pode comprometer a tomada de decisão em idades críticas para o desenvolvimento tático. Deve existir espaço para a leitura do contexto, para a iniciativa e para o erro. Caso contrário, o treino corre o risco de restringir competências decisórias que urge estimular.

 

Conclusão

A presença do treinador, mesmo sem intervenção verbal, aumenta significativamente o esforço percebido pelos jogadores em JRs 4v4. Já a estimulação verbal focada no desempenho defensivo melhora não só a carga externa, mas também a eficácia ofensiva na ação de passe. Por fim, instruções ofensivas promovem ligeiras melhorias na fluidez ofensiva, sobretudo no número total de passes realizados.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.

28/09/2025

Journal of Human Kinetics (Vol. 100, 2026) | Impacto de variáveis situacionais nas sequências ofensivas que resultaram em golo no Campeonato do Mundo da FIFA de 2022

A realidade por detrás de um artigo científico é, como já mencionei noutras ocasiões, a parte massiva e invisível de um icebergue. Este projeto, desenvolvido em paralelo com outras investigações, começou a ser idealizado na 12.ª reunião do Grupo de Investigação e Formação em Futebol e Futsal do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (GIFut – ISMAT), realizada a 5 de dezembro de 2022. Não sabíamos ainda que competição iríamos analisar, embora já tivéssemos linhas metodológicas definidas, que constituíram a base do trabalho.

O desenho global dos Métodos ficou delineado no final de janeiro de 2023. Contudo, esta secção – a primeira a ser redigida –, só foi concluída em março de 2024, após reajustes estatísticos necessários. Entretanto, a fiabilidade intra e interobservadores ficou finalizada em julho de 2023. A versão final do manuscrito surgiu em setembro de 2024. Apesar de termos acelerado o passo, só praticamente um ano depois da primeira versão concluída vimos o estudo publicado na Journal of Human Kinetics (Q1; Impact Factor 2024: 2.8; CiteScore 2024 = 4.4) (figura 1).

 

Figura 1. Detalhes editoriais do artigo publicado no transato dia 23 de setembro de 2025, na revista Journal of Human Kinetics.

 

O artigo, a ser incluído na terceira secção do volume 100 da revista, demonstrou, em outros aspetos, que os fatores situacionais “competição”, “período do jogo” e “resultado corrente” não afetaram significativamente os indicadores de performance associados à construção e progressão ofensiva. Influenciaram, sim, as transições defesa-ataque que originaram golo, sobretudo entre os 31–60 minutos e quando as equipas estavam a perder. Nestes casos, a recuperação da posse ocorreu em zonas mais adiantadas, recorrendo a estratégias mais agressivas. 

A “qualidade da equipa” revelou ser o fator central. As mais bem classificadas evidenciaram ataques mais longos e estruturados, com intervenções mais rápidas sobre a bola para marcar. Contrariando estudos anteriores, estas equipas não recuperaram mais vezes a posse em zonas adiantadas para criar golos: o seu sucesso ofensivo dependeu menos do local da recuperação e mais da forma como conduziram a bola após a recuperar. 

Em síntese, o sucesso no futebol de elite depende não só da qualidade intrínseca da equipa, mas também da sua capacidade de adaptação às condições situacionais do jogo. 

Quero ainda enaltecer o trabalho de equipa e agradecer a colaboração dos Professores Paulo Paixão (GIFut – ISMAT; Instituto Politécnico de Beja; SPRINT), José António Jorge (GIFut – ISMAT), Pedro Vargas (GIFut – ISMAT; Escola Superior de Saúde Jean Piaget Algarve), Ricardo Gonçalves (GIFut – ISMAT) e Rui Batalau (GIFut – ISMAT; CIDEFES, Universidade Lusófona). A Figura 2 mostra parte da primeira página do artigo, com o resumo original (Abstract) e as palavras-chave (Keywords).

 

Figura 2. Primeira página do artigo original.

 

Por último, uma breve nota: a ciência leva tempo, dá muito trabalho e pouco se saboreia. Quando o produto é publicado, é como se apenas apanhássemos as canas de um fogo de artifício que não tivemos oportunidade de apreciar, apesar de termos sido nós a prepará-lo. O que nos move, então? A curiosidade de querer saber sempre um pouco mais.

 

Referência

Almeida, C. H., Paixão, P., Jorge, J. A., Vargas, P., Gonçalves, R., Batalau, R. (2025). Impact of situational variables on goal-scoring offensive sequences in the 2022 FIFA World Cup. Journal of Human Kinetics. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/202563

29/08/2025

Artigo do mês #68 – agosto 2025 | Evolução dos estilos de jogo nos Campeonatos Europeus da UEFA: tendências de 2012 a 2024

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

- 68 -

Autores: Peng, W., Ribeiro, J., Wang, M., & Gómez-Ruano, M. Á.

País: Portugal

Data de publicação: 23-julho-2025

Título: Evolution of playing styles in UEFA European championships: trends from 2012 to 2024

Referência: Peng, W., Ribeiro, J., Wang, M., & Gómez-Ruano, M. Á. (2025). Evolution of playing styles in UEFA European championships: trends from 2012 to 2024. International Journal of Performance Analysis in Sport, 1–16. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/24748668.2025.2536954

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 68 – agosto de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol moderno é um jogo de elevada complexidade, que obriga as equipas a conjugar estratégias previamente delineadas com adaptações táticas em tempo real (Rein & Memmert, 2016; Memmert et al., 2017). O estilo de jogo corresponde à abordagem estratégica e tática sustentada por uma equipa, sendo condicionado por fatores como as características dos jogadores, as competências técnicas e táticas, as capacidades físicas e variáveis contextuais, como o local do jogo ou o nível do adversário (Fernandez-Navarro et al., 2016; Forcher et al., 2023; Martín-Castellanos et al., 2024). De forma geral, distinguem-se estilos ofensivos – assentes na posse e iniciativa de jogo – e estilos defensivos – focados na organização sem bola. A análise destas abordagens contribui para otimizar o desempenho coletivo e ajustar decisões estratégicas num ambiente competitivo em constante mutação (Bangsbo, 2014; Yiannakos & Armatas, 2006), onde a eficácia tática pode ser decisiva para o sucesso. 

O Campeonato da Europa (UEFA Euro) é uma das competições internacionais mais relevantes de seleções masculinas (Winter & Pfeiffer, 2016). No entanto, a maioria dos estudos existentes tem privilegiado abordagens transversais centradas na análise tático-técnica por meio de métodos quantitativos (Renner et al., 2025). Por exemplo, Branquinho et al. (2022) identificaram contrastes entre seleções europeias e africanas no Mundial 2022, com base em estilos de jogo distintos. Apesar dos avanços tecnológicos na recolha e tratamento de dados, que têm aprofundado a avaliação do desempenho (Zhou et al., 2021), subsistem limitações. Estudos iniciais focaram eventos isolados (Filho et al., 2013), mais tarde substituídos por indicadores situacionais (Hewitt et al., 2016) e classificações via clustering (Gollan et al., 2018; Yi et al., 2019). Ainda assim, a diversidade de abordagens e a falta de padronização metodológica comprometem a objetividade, a comparabilidade entre estudos e a identificação consistente de estilos de jogo (Plakias et al., 2023). 

A análise de componentes principais (Principal Component Analysis; PCA) tem sido amplamente utilizada nos últimos anos para identificar a estrutura subjacente dos estilos de jogo. Esta análise permite explorar interações táticas complexas ao reduzir a dimensionalidade dos dados sem perda de informação essencial (Lago-Peñas et al., 2017). Em diferentes ligas, como a Premier League, a LaLiga e a Superliga chinesa, estudos identificaram múltiplos estilos de jogo: desde a posse elaborada e ao ataque direto com pressão alta (Fernandez-Navarro et al., 2016; Castellano & Pic, 2019; Martín-Castellanos et al., 2024) até ao contra-ataque e a estilos defensivos diferenciados (Lago-Peñas et al., 2017; Kong et al., 2022; Ruan et al., 2023). No cômputo geral, as equipas mais fortes tendem a privilegiar estilos baseados na posse e na intensidade. A PCA revelou-se eficaz não só na distinção entre estilos, mas também na identificação das variáveis-chave que os definem (Plakias et al., 2023). 

A análise longitudinal tem-se revelado crucial para compreender a evolução tática no futebol (Errekagorri et al., 2022). Wallace e Norton (2014) identificaram, entre 1966 e 2010, um aumento da velocidade de circulação da bola, da densidade de jogadores e da frequência de passes nas fases finais do Mundial, o que indicia uma transição para estilos mais intensos e dinâmicos. Na Superliga chinesa, Zhou et al. (2021) detetaram uma melhoria da eficácia ofensiva entre 2012 e 2017, sem aumento sustentado da posse de bola. Já González-Rodenas et al. (2023) observaram uma tendência mais associativa na LaLiga, entre 2008 e 2021, marcada por sequências de passe mais longas. 

Embora a literatura tenha privilegiado a análise dos estilos de jogo em ligas domésticas, persiste uma escassez de estudos longitudinais em competições internacionais. Neste contexto, o UEFA Euro, dada a sua relevância competitiva e mediatismo global, constitui uma oportunidade ímpar para observar tendências tático-técnicas. Assim, o presente estudo procurou identificar e analisar a evolução dos estilos de jogo das seleções participantes no UEFA Euro, entre 2012 e 2024. Os autores anteciparam um aumento progressivo da adoção de estratégias assentes na posse de bola.

 

Métodos

 

·     Amostra

A amostra incluiu 184 jogos disputados por 33 seleções nas edições do UEFA Euro de 2012, 2016, 2020 e 2024. Nove seleções participaram nas 4 edições. Foram recolhidos indicadores tático-técnicas para ambas as equipas em cada jogo (368 casos). De modo a assegurar padronização temporal, nos jogos com prolongamento, apenas foram analisados os dados relativos aos 90 minutos regulamentares.

 

·     Variáveis

Com base na literatura, o estudo selecionou indicadores tático-técnicas (tabela 1) para analisar os estilos de jogo das equipas nas 4 edições do certame (Martín-Castellanos et al., 2024; Rein & Memmert, 2016; Zhou et al., 2021). O ano do torneio constituiu a variável independente e a qualidade do adversário atuou como covariável.

 

·     Procedimentos

Os dados de desempenho técnico foram recolhidos manualmente no WhoScored.com, cuja base provém da OPTA Sports, reconhecida pela elevada fiabilidade do seu sistema (Kappa > 0,90; H. Liu et al., 2013). Seguiu-se um protocolo padronizado: definição prévia dos indicadores, extração por um investigador único e verificação inicial de inconsistências. Para avaliar a fiabilidade, 11 jogos (6% da amostra) foram novamente recolhidos por 2 investigadores após um mês, obtendo-se um ICC > 0,98 e um Kappa > 0,97, o que confirma a fiabilidade dos dados.

 

Tabela 1. Variáveis tático-técnicas de desempenho selecionadas para o estudo (adaptado de Peng et al., 2025).


·     Análise estatística

Foram aplicadas matrizes de correlação e critérios de multicolinearidade para selecionar os indicadores de desempenho finais. Realizou-se uma Análise de Componentes Principais (PCA) com rotação Varimax, após padronização dos dados (z-scores), para identificar as componentes representativas dos estilos de jogo. A adequação do procedimento foi confirmada e os componentes extraídos explicaram 71,2% da variância. Após verificar as assunções de normalidade e homogeneidade, foram conduzidos 5 modelos lineares mistos, considerando a identidade da equipa como fator aleatório, os anos (edições do UEFA Euro) como fator fixo e a qualidade do adversário como covariável (Morgans et al., 2025). Uma MANOVA analisou diferenças nos fatores entre os 4 torneios, utilizando os scores fatoriais obtidos pela PCA. As dimensões de efeito (d de Cohen; Cohen, 2013) foram calculadas nas comparações post-hoc de Bonferroni e interpretadas segundo Batterham e Hopkins (2006). Todas as análises foram realizadas no JAMOVI (v.2.6), com um nível de significância de α = 0.05.

 

Principais resultados

A análise dos dados permitiu caracterizar os estilos de jogo adotados pelas seleções no UEFA Euro entre 2012 e 2024, bem como compreender o impacto de variáveis contextuais e as principais tendências temporais.

 

·     Identificação dos estilos de jogo

A PCA permitiu identificar 5 estilos de jogo distintos: Ataque Direto, Jogo de Posse, Jogo Exterior, Defesa Agressiva e Defesa Disciplinada. O Ataque Direto agrupou indicadores relacionados com finalizações e criação de oportunidades. O Jogo de Posse representou uma estratégia centrada no controlo do jogo através da circulação de bola, enquanto o Jogo Exterior evidenciou a utilização dos corredores laterais. Já a Defesa Agressiva associou-se a um maior número de faltas e cartões, e a Defesa Disciplinada caracterizou-se por ações defensivas mais controladas, com menor recurso a desarmes.

 

·     Efeitos de variáveis contextuais

Os resultados mostraram que a qualidade do adversário influenciou a maioria dos estilos de jogo, com impacto mais evidente no Jogo de Posse e no Jogo Exterior. Equipas que enfrentaram adversários mais fortes optaram por estratégias mais conservadoras, enquanto jogos contra opositores de menor nível favoreceram estilos mais proativos. A variabilidade entre as seleções foi relevante sobretudo no Jogo de Posse e, em menor grau, no Jogo Exterior, sugerindo diferenças notórias nas identidades coletivas.

 

·     Tendências temporais nos estilos de jogo

Os resultados revelaram mudanças significativas nos estilos de jogo ao longo das 4 edições do UEFA Euro (figura 2). O Jogo de Posse mostrou uma tendência de crescimento, reflexo da evolução do futebol para um maior controlo da bola e gestão do ritmo. O Ataque Direto e o Jogo Exterior registaram reduções temporárias, seguidas de ligeiras recuperações nas edições mais recentes. A Defesa Agressiva apresentou um declínio acentuado, o que indica uma menor exposição ao risco defensivo, enquanto a Defesa Disciplinada manteve oscilações pouco expressivas e sem alterações significativas.

  


Figura 2. Evolução dos estilos de jogo das seleções nacionais no UEFA Euro entre 2012 e 2024. Cada linha representa a tendência de regressão, com intervalos de confiança de 95%; os scores dos fatores foram normalizados. 1 – Ataque Direto; 2 – Jogo de Posse; 3 – Jogo Exterior; 4 – Defesa Agressiva; 5 – Defesa Disciplinada (Peng et al., 2025).

 

Aplicações práticas

A análise dos estilos de jogo no UEFA Euro entre 2012 e 2024 permitiu retirar 4 implicações diretas para o treino, o planeamento estratégico e a análise de desempenho. As recomendações seguintes apoiam os treinadores e os analistas na integração das tendências observadas no contexto competitivo atual:

 

1. Desenvolver estratégias baseadas na posse de bola e criação de superioridades funcionais: o crescimento do Jogo de Posse entre 2016 e 2024, acentuado após a alteração da regra do pontapé de baliza em 2019, mostra que as equipas mais bem-sucedidas constroem a partir do setor defensivo e exploram diferentes formas de superioridade – numérica, espacial, posicional e qualitativa – para superar pressões altas e progredir no campo. Os treinadores devem propor tarefas de treino que integrem saídas apoiadas e cenários com pressão adversária simulada, que enfatizem tomadas de decisão rápidas e uma etapa de construção organizada. 

2. Promover uma flexibilidade tática entre o Jogo de Posse e o Ataque Direto: apesar da tendência crescente para o jogo apoiado, o Ataque Direto continua a desempenhar um papel crucial, sobretudo contra adversários menos fortes. As equipas de elite mais eficazes combinam estratégias de posse com a capacidade de atacar rapidamente espaços desprotegidos, explorando transições curtas, passes verticais e contra-ataques. O treino deve contemplar tarefas híbridas que estimulem a alternância entre controlo prolongado e aceleração ofensiva. Este tipo de proposta fomenta a flexibilidade tática, que permite ajustar a abordagem ofensiva à qualidade do adversário e ao contexto competitivo. 

3. Adequar os comportamentos defensivos (ocupação espacial vs. agressividade): houve oscilações temporais na Defesa Agressiva. Embora tenha sido detetada uma tendência para defesas mais organizadas e disciplinadas, em determinados contextos pode ser vantajoso recorrer a duelos físicos, faltas táticas e interrupções de transições. As equipas técnicas devem, por isso, diferenciar tarefas defensivas focadas no método zonal, para preservar a estrutura (contenção, cobertura e equilíbrio), e situações com agressividade controlada que possibilitem recuperações rápidas da bola. 

4. Utilizar dados de análise de estilos de jogo na preparação competitiva: analistas e treinadores podem utilizar os 5 estilos identificados para avaliar o desempenho das suas equipas e orientar decisões estratégicas. O planeamento estratégico-tático pode ser adaptado às tendências observadas. O recurso a indicadores quantitativos favorece a aproximação entre o treino e o desempenho competitivo face aos padrões emergentes, o que aumenta a eficácia da preparação e a capacidade de resposta face à crescente complexidade do futebol internacional.

 

Conclusão

​​ A análise dos estilos de jogo no UEFA Euro (2012–2024) identificou 5 estilos distintos: Ataque Direto, Jogo de Posse, Jogo Exterior, Defesa Agressiva e Defesa Disciplinada. O Jogo de Posse apresentou um crescimento marcado, sobretudo após 2016, o que reflete uma tendência para um futebol mais controlado. A utilização do Ataque Direto, do Jogo Exterior e da Defesa Agressiva diminuiu em 2020, possivelmente devido a estratégias mais conservadoras durante a pandemia, mas mostrou sinais de recuperação em 2024. A Defesa Disciplinada registou alterações pouco expressivas. Os resultados indicam que o tempo e a qualidade do adversário influenciam de forma significativa as abordagens tático-técnicas e, por conseguinte, reforçam a capacidade de adaptação das seleções nacionais à variabilidade das exigências competitivas.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Performance Analysis in Sport.