Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz,
F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.
País: Espanha
Data de publicação: 19-dezembro-2024
Título: Effects of different tactical formations on positional
team behaviors during small-sided games in youth soccer players
Referência: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C.,
Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A. (2025). Effects of different tactical formations on positional
team behaviors during small-sided games in youth soccer players. Journal
of Human Kinetics, 97, 1–11. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/194071
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 62 – fevereiro
de 2025.
Apresentação do problema
O futebol é um jogo dinâmico, no qual as equipas se influenciam mutuamente nas fases de organização ofensiva e defensiva (Duarte et al., 2012). A interação tático-estratégica requer que os treinadores desenvolvam meios de treino representativos para facilitar a transferência de competências para a competição (Passos & Davids, 2015).
Neste contexto, os jogos reduzidos (JRs) são ferramentas eficazes para o desenvolvimento técnico, tático e físico dos jogadores (Clemente et al., 2021; Sarmento et al., 2018). Através da manipulação de variáveis como o espaço, o número de jogadores e o formato das balizas, torna-se possível (re)criar condições de jogo específicas (Davids et al., 2013; Ometto et al., 2018). O impacto da adaptação destas condições nas variáveis físicas e fisiológicas tem sido amplamente explorado (González-Rodenas et al., 2015; Praça et al., 2022; Rabano-Muñoz et al., 2023), contribuindo para que as equipas técnicas concebam tarefas de treino mais precisas para monitorizar a carga dos jogadores (Clemente et al., 2014; Hammami et al., 2018; Skalski et al., 2024).
Nos últimos anos, a investigação sobre a influência dos constrangimentos da tarefa nos comportamentos táticos tem vindo a aumentar consideravelmente (Ometto et al., 2018). Também a dinâmica posicional dos jogadores no campo emergiu recentemente como um dos principais aspetos para avaliar a coordenação coletiva das equipas (Coito et al., 2022). Contudo, a investigação em torno de variáveis posicionais tem-se focado predominantemente nos efeitos da manipulação do número de jogadores (Aguiar et al., 2015; Vilar et al., 2014), da dimensão e configuração do campo (Coutinho et al., 2018; Olthof et al., 2018), bem como em ajustes na tarefa, como os métodos concretização de golo (Travassos et al., 2014) ou as regras do jogo (Castellano et al., 2016; Praça et al., 2021, 2022).
Embora alguns estudos em contexto competitivo indiquem efeitos significativos dos dispositivos táticos no desempenho tático-técnico (Aquino et al., 2020; Forcher et al., 2023; Memmert et al., 2019), a exploração deste fator em JRs ainda é escassa. Os dispositivos táticos estabelecem uma estrutura coletiva que define a distribuição espacial e os papéis específicos dos jogadores (González-Rodenas et al., 2023; Shaw & Glickman, 2019), sendo fundamentais para moldar as interações e sinergias entre as diferentes posições e missões táticas. Por exemplo, Baptista et al. (2020) verificaram que o número de médios utilizados num dispositivo tático afeta a dinâmica do jogo e a ocupação espacial em jogos 7v7. Concretamente, o estudo revelou que o 4-3-0 (4 defesas, 3 médios e nenhum avançado) promoveu a exploração espacial, o 4-1-2 favoreceu uma distribuição mais compacta e a regularidade coletiva, enquanto o 0-4-3 estimulou o equilíbrio e a capacidade de cobertura face ao adversário.
Assim, é necessário aprofundar a compreensão sobre o modo
como comportamentos coletivos são influenciados pela manipulação dos
dispositivos táticos em JRs de futebol. As evidências resultantes podem auxiliar
as equipas técnicas a definir estruturas táticas específicas em treino, que
sejam mais propícias para criar ambientes de aprendizagem mais representativos
para os jogadores. Por conseguinte, este estudo teve como objetivo explorar o
impacto de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos coletivos da
equipa em jovens jogadores durante JRs 7v7.
Métodos
Participantes: 18 jogadores (idade = 17,9 ± 0,8 anos; massa corporal = 69,2 ± 4,3 kg; estatura = 178,0 ± 5,6 cm) pertencentes a uma equipa subelite sediada em Madrid, que competia ao mais alto nível no escalão correspondente. Os guarda-redes também integraram o protocolo, mas foram excluídos da análise dos dados. Os critérios de inclusão exigiam que os jogadores estivessem oficialmente inscritos em competição e fisicamente aptos para suportar as exigências dos JRs.
Abordagem
experimental: este estudo
transversal analisou o impacto de diferentes dispositivos táticos em JRs 7v7.
Foram criadas duas equipas equilibradas (A e B), mantendo-se estáveis ao longo
do estudo. A seleção das posições teve por base o perfil tático-técnico e a
posição habitual dos jogadores. Os jogos foram disputados num campo de 65x50m
(232 m²/jogador), replicando as condições da competição, com exceção das
reposições, realizadas sempre através de pontapés de baliza. Propuseram-se 3
dispositivos táticos: 2-3-1 e 3-1-2, sempre contra uma estrutura tática 3-3
(Figura 2).
Figura 2. Representação dos dispositivos táticos implementados nos
JRs (González-Rodenas et al., 2025).
Os JRs decorreram uma vez
por semana durante 3 semanas, integrados no treino da equipa Sub-19. No total,
realizaram-se 18 jogos de 5 minutos, com 2 minutos de intervalo, sendo os
dispositivos táticos atribuídos aleatoriamente a cada equipa (Tabela 1).
Tabela 1. Desenho experimental exibindo os dispositivos táticos
utilizados por cada equipa em cada período de jogo (adaptado de
González-Rodenas et al., 2025).
Antes de cada jogo, os
jogadores foram informados pelo treinador sobre o dispositivo tático e
respetivas posições de jogo. O aquecimento incluiu 10 minutos divididos entre
exercícios de mobilidade, mudanças de direção e passe/drible.
Procedimentos: os movimentos dos jogadores nos JRs foram monitorizados com WIMU PRO™ GPS (10 Hz), obtendo-se o registo de 9049 posições coletivas (Bastida-Castillo et al., 2019). A otimização do final foi assegurada mediante a configuração dos dispositivos num espaço desimpedido junto ao campo e colocados em coletes anatómicos ajustados às costas dos jogadores. O software SPRO (WIMU, Hudl, EUA) foi utilizado para calcular 5 variáveis táticas (Low et al., 2020; Rico-González et al., 2022):
· Altura da equipa:
distância média (m) entre o jogador mais recuado e a baliza;
· Largura da equipa:
distância média (m) entre os jogadores mais afastados lateralmente;
· Comprimento da equipa:
distância média (m) entre os jogadores mais afastados longitudinalmente;
· Índice de dispersão:
distância média dos jogadores ao centro geométrico da equipa;
· Área da equipa: área total (m²) do polígono formado pelos jogadores (“convex hull”).
Estas métricas avaliam a coordenação coletiva, a exploração espacial e as distâncias interpessoais, e têm sido amplamente utilizadas em estudos sobre futebol (Baptista et al., 2020; Low et al., 2020, 2022; Ometto et al., 2018; Praça et al., 2021).
Análise estatística: os dados foram transferidos do SPRO para o SPSS (v. 27.0).
Como não seguiram uma distribuição normal (Kolmogorov-Smirnov), foram
analisados com medianas e intervalos interquartis. Para comparar os diferentes
dispositivos táticos, recorreu-se ao teste de Mann-Whitney U e ao d de
Cohen para determinar a magnitude do efeito (Cohen, 1988, 1992): 0–0.2, trivial;
>0.2–0.5, pequena; >0.5–0.8, moderada; >0.8, grande. Os resultados
foram apresentados em tabelas e caixas de bigodes para visualizar a distribuição,
a tendência central e a variabilidade da amostra (p < 0,05).
Principais resultados
· Atacar com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2
Em organização ofensiva, o
dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma maior altura e largura da equipa em campo
do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas.
Contudo, não foram encontradas diferenças no comprimento da equipa nem no
índice de dispersão. Além disso, o 2-3-1 registou uma área total
significativamente superior à da estrutura 3-1-2, embora com um efeito trivial.
·
Defender com
dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2
Em organização defensiva,
o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma linha defensiva mais alta em campo do
que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. No
entanto, também resultou numa equipa mais compacta, apresentando menor comprimento
e menor dispersão dos jogadores. O 2-3-1 registou ainda uma área total da
equipa significativamente inferior à do 3-1-2, o que reforça a ideia de contribuir
para um bloco defensivo mais coeso.
·
Atacar contra um
dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2
Ao construir um ataque
contra um dispositivo defensivo 2-3-1, a equipa atacante apresentou uma menor
altura média, mas maior largura e dispersão coletiva em comparação com o ataque
contra um 3-1-2. Adicionalmente, atacar contra um bloco defensivo 2-3-1 levou a
um aumento significativo da área total da equipa atacante face à estrutura
3-1-2, com um efeito de magnitude moderada.
·
Defender contra um
dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2
Em organização defensiva,
quando a equipa adversária atacou com um dispositivo 2-3-1, a equipa defensora
apresentou menor comprimento e dispersão coletiva do que ao defender contra um
3-1-2, com efeitos de magnitude moderada e pequena, respetivamente. Também, defender
contra um ataque estruturado em 2-3-1 resultou numa área total defensiva
significativamente menor em comparação com a defesa contra um 3-1-2, embora o
efeito tenha sido pequeno.
Aplicações práticas
A escolha dos dispositivos táticos nos JRs influencia significativamente as dinâmicas coletivas, tanto na equipa que os implementa como na adversária. A compreensão de como os diferentes dispositivos táticos afetam a ocupação espacial, a organização ofensiva e a organização defensiva pode ajudar os treinadores a conceber tarefas práticas mais eficazes e consentâneas com o modelo de jogo criado. Com base nos resultados deste estudo, propõem-se 4 aplicações práticas para aprimorar o treino tático no futebol juvenil:
1. Definir o dispositivo tático conforme o modelo de jogo pretendido: o 2-3-1 favorece ataques mais amplos e estruturados, proporcionando maior liberdade aos médios-ala e garantindo mais estabilidade defensiva com 2 centrais fixos. Em contrapartida, o 3-1-2 gera maior variabilidade posicional e pode potenciar ataques mais imprevisíveis. Ao ponderar as vantagens e limitações de cada estrutura, os treinadores tomam decisões mais informadas sobre o dispositivo tático que melhor se ajusta ao seu modelo de jogo.
2. Manipular os dispositivos táticos para condicionar a equipa adversária: a estrutura tática proposta não impacta apenas a organização da própria equipa, mas também a dinâmica da equipa adversária, fenómeno reconhecido como coadaptação tática. O 2-3-1 induz uma defesa mais compacta e organizada, enquanto o 3-1-2 tende a ampliar a dispersão longitudinal da equipa adversária. Os treinadores podem recorrer a esta informação para conceber cenários de treino que desafiem os jogadores a solucionar problemas contextuais, como atacar blocos defensivos compactos ou explorar espaços em defesas mais alongadas, ou seja, cedendo mais espaço entre linhas.
3️. Refinar a ocupação espacial em função da estrutura tática utilizada: o 2-3-1 promove uma organização simétrica e equilibrada, já que permite que os jogadores mantenham distâncias mais curtas entre si, especialmente em momentos defensivos. Por sua vez, o 3-1-2 apresenta uma estrutura ofensiva menos expansiva, o que pode levar os laterais a assumir um papel mais defensivo para garantir o equilíbrio numérico. Os treinadores podem ajustar o dispositivo tático nas tarefas de treino para enfatizar certos princípios de jogo, por forma a melhorar a ocupação espacial sem comprometer as dinâmicas coletivas pretendidas.
4️. Personalizar os JRs com base nas características dos
jogadores e nos objetivos da sessão: a
escolha do dispositivo tático deve considerar não apenas o modelo de jogo e o
perfil dos jogadores disponíveis, mas também o objetivo específico da sessão de
treino. A interação entre diferentes estruturas táticas nos JRs influencia a
emergência de padrões coletivos, tornando-se essencial que os treinadores
adaptem as tarefas de treino para estimular os comportamentos desejados. Ao
manipular os dispositivos táticos de forma estratégica, a equipa técnica pode
criar desafios que estimulem a adaptabilidade tática dos praticantes e o
desenvolvimento de comportamentos tático-técnicos representativos do jogo competitivo.
Conclusão
Este estudo demonstra a influência dos dispositivos táticos nos comportamentos posicionais em JRs de futebol. O 2-3-1 promoveu maior largura e área ofensiva, bem como um posicionamento mais alto, enquanto, defensivamente, proporcionou uma estrutura mais compacta devido à redução do comprimento e do índice de dispersão. Por outro lado, o 3-1-2 resultou numa ocupação espacial mais variável. Atacar contra um 2-3-1 incentivou maior largura e dispersão, enquanto defendê-lo levou a uma estrutura mais compacta. Os resultados enfatizam a importância da escolha do dispositivo tático para modular os comportamentos coletivos. Os treinadores devem manipular estrategicamente o dispositivo tático nos JRs para desenvolver a adaptabilidade dos jogadores e a sua compreensão tática. Ao fazê-lo, otimizam as sessões de treino em função do modelo de jogo idealizado.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.