29/04/2025

Artigo do mês #64 – abril 2025 | Ataques mais diretos aumentaram a probabilidade de golo nas finais dos Mundiais da FIFA de 2018 e 2022

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Taha, T., & Orlov, I.

País: Canadá

Data de publicação: 10-março-2025

Título: More direct attacks increase likelihood of goals in 2018- and 2022-Men’s World Cup soccer finals

Referência: Taha, T., & Orlov, I. (2025). More direct attacks increase likelihood of goals in 2018- and 2022-Men’s World Cup soccer finals. PLoS One, 20(3), e0314630. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0314630

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 64 – abril de 2025.

 

Apresentação do problema

No futebol, a posse de bola (ou a fase ofensiva) envolve ações coordenadas da equipa atacante no intuito de marcar golos. Contudo, as posses de bola que efetivamente resultam em golos são raras (Tenga et al., 2010a). Assim, compreender os elementos que contribuem para estas situações torna-se crucial para o sucesso competitivo. 

Estudos inaugurais, como os de Reep e Benjamin (1968), indicaram que sequências curtas de passes aumentavam a probabilidade de marcar golos. Bate (1988) observou que posses iniciadas no terço ofensivo resultavam em mais golos, sugerindo que um estilo de jogo direto, com poucos passes e avanço rápido, era mais eficaz. Apesar do sucesso de equipas como o Barcelona e a seleção espanhola no início do século XXI, com um estilo de posse prolongada, estudos posteriores, como os de Tenga et al. (2010a, 2010b), demonstraram que o jogo direto era mais propenso a alcançar zonas de finalização quando a defesa adversária estava desorganizada. Collet (2013) analisou a relação entre tempo de posse e pontos médios por jogo e concluiu que, embora uma maior posse estivesse associada a mais pontos, essa relação diminuiu significativamente quando as equipas de elite foram excluídas da análise. Mais recentemente, Taha e Ali (2023) descobriram que, para posses iniciadas no terço defensivo, aumentos no tempo de posse e no número de passes reduziam a probabilidade de marcar, mesmo em equipas conhecidas pelo jogo de posse, como as seleções espanhola e alemã. Sarmento et al. (2014) argumentaram que análises notacionais simples não captam totalmente os elementos de sequências ofensivas bem-sucedidas, pelo que recomendaram a inclusão de dados qualitativos, como entrevistas com treinadores e jogadores, para uma compreensão mais aprofundada. 

​​A análise espacial no futebol evoluiu de simples contagens de ações por zonas do campo (Reep & Benjamin, 1968; Bate, 1988) para o uso de coordenadas “xy” que localizam os jogadores e a bola ao longo do tempo (Sarmento et al., 2018). Este progresso possibilitou estudar medidas de aptidão física relacionadas com o jogo (Teixeira et al., 2022a) e integrar ações físicas e táticas dos jogadores (Teixeira et al., 2022b). Os modelos mais inovadores já analisam automaticamente posições e movimentos dos jogadores, e, em última instância, evidenciam como as equipas criam espaço em competição (Fernandez & Bornn, 2018; Martens et al., 2021). Com a disponibilização de dados espaciotemporais por empresas como a StatsBomb, tornou-se possível rastrear sequências ofensivas completas, incluindo dados notacionais e contínuos, como localizações no campo e tempos associados. Estes dados permitem calcular velocidades da bola e dos jogadores, bem como as distâncias percorridas por cada um.​ 

Neste estudo, aplicou-se uma análise espacial detalhada para melhor compreender os elementos que caracterizam uma posse de bola bem-sucedida. Face a evidências contraditórias anteriores – onde equipas de elite com elevada posse de bola obtiveram mais pontos por jogo (Collet, 2013), mas posses mais curtas e com menos passes mostraram maior probabilidade de resultar em golo (Taha & Ali, 2023) –, decidiu-se analisar o trajeto da bola durante as sequências ofensivas. Os autores colocaram a hipótese que posses em que a bola seguiu trajetos mais diretos em direção à baliza adversária teriam maior probabilidade de resultar em golo.​

 

Métodos

  

·     Dados

Os dados utilizados foram recolhidos pela StatsBomb (2023) e estavam disponíveis publicamente no seu repositório no GitHub. A recolha foi realizada por 5 pessoas, complementada por um algoritmo proprietário para reduzir erros e acelerar o processo. Foram analisados 128 jogos dos Mundiais de 2018 e 2022, registando-se 461641 eventos codificados (e.g., passe, receção, condução, remate) com a respetiva localização (coordenadas xy), num campo de 120x80 unidades e o momento de ocorrência no jogo. Neste trabalho, foram consideradas apenas posses de bola compostas por mais de uma ação, excluindo pontapés de cantos e outras bolas paradas. Após filtragem, analisaram-se 370319 eventos correspondentes a 22661 posses de bola. A título ilustrativo, a figura 2 mostra alguns dados de uma posse que resultou num golo da Argentina na final do Mundial de 2022.

 

Figura 2. Posse de bola da Argentina, contra a França, que resultou num golo durante a final do Campeonato do Mundo de 2022. A direção do ataque argentino é da esquerda para a direta (Taha & Orlov, 2025).

  

·     Análise dos dados

A análise considerou o tempo e as coordenadas “xy” dos eventos de cada posse de bola. Para cada posse, calcularam-se: (i) a distância total percorrida pela bola (109,0 unidades no exemplo da figura 2); (ii) a distância direta entre o início da posse e o centro da baliza (94,1 unidades no caso da figura 2); e (iii) o rácio de direcionalidade (DIR: distância direta/distância total), que indica o quão diretamente a bola avançou para a baliza (valores próximo de 1 = movimento direto, valores próximos de 0 = mais movimentos laterais ou para trás; valor de 0,86 no exemplo suprarreferido). Determinou-se também a velocidade da posse em direção à baliza (9,7 unidades/segundo no caso da figura 2), calculada com base na distância direta e no tempo total da posse (SPG). Por fim, registou-se a posição inicial de cada posse através da coordenada x (XPOS), para identificar a zona do campo onde se iniciou. As variáveis acima sublinhadas correspondem às 3 variáveis independentes do estudo. As variáveis dependentes foram a ocorrência de remate (variável binária que indica se uma posse de bola resultou ou não num remate) e a conversão do remate em golo (variável binária que indica se um remate resultou ou não em golo).

  

·    Modelagem estatística

Foram desenvolvidos 2 modelos estatísticos para analisar o impacto da direcionalidade (DIR), da velocidade da bola (SPG) e da posição inicial da posse (XPOS) na probabilidade de uma posse originar um remate ou um golo. Utilizou-se a regressão logística multivariada com efeitos mistos (Tenga et al., 2010a), considerando a autocorrelação entre estilos de jogo. Inicialmente saturados, os modelos foram simplificados com base no AIC e avaliados segundo o método de Nakagawa e Schielzeth (2012) (R²). Para a ocorrência de remates, identificaram-se efeitos principais e interações significativas. Para a conversão de remates em golos, a direcionalidade foi o único efeito fixo relevante. Ambos os modelos incluíram efeitos aleatórios e não apresentaram sobredispersão.

 

Principais resultados

Em termos gerais, foram analisadas 22661 posses de bola nos Mundiais de 2018 e 2022, das quais 2878 resultaram em remates e 372 culminaram em golos. É de ressalvar que os efeitos aleatórios dos modelos sugerem que cada equipa pode ter apresentado estilos de jogo distintos entre os 2 Mundiais. Seguem-se os fatores analisados que contribuíram para diferentes desfechos nas sequências ofensivas.

 

·     Fatores que aumentam a probabilidade de rematar

A modelagem estatística demonstrou que, quanto maior for a velocidade da bola rumo à baliza adversária (SPG), maior é a probabilidade de gerar um remate. Quanto à posição inicial da posse de bola (XPOS), recuperar a bola mais perto da baliza adversária também aumenta significativamente a probabilidade de rematar. 

No que respeita a interações significativas, observaram-se 4 resultados de destaque: (1) direcionalidade e posição inicial (DIR*XPOS): um jogo mais direto, quando a recuperação ocorre perto da baliza adversária, reduziu ligeira, mas significativamente, a probabilidade de remate; (2) direcionalidade e velocidade (DIR*SPG): jogadas mais diretas combinadas com alta velocidade reduziram a probabilidade de remate; (3) velocidade e posição inicial (SPG*XPOS): maior velocidade associada a recuperações próximas da baliza oponente também diminuiu ligeira, mas  significativamente, a probabilidade de remate; (4) interação tripla (DIR*XPOS*SPG): uma combinação equilibrada das 3 variáveis independentes teve um pequeno efeito positivo, embora significativo, na probabilidade de remate.

 

·     Fatores que aumentam a probabilidade de marcar golo

De entre todas as variáveis independentes, apenas a direcionalidade da posse (DIR) influenciou a probabilidade de marcar golo. Em concreto, uma maior direcionalidade (i.e., jogar mais diretamente para a baliza) aumentou significativamente a probabilidade de um remate resultar em golo.

 

Aplicações práticas

Com base nos resultados do estudo sobre a influência da direcionalidade, velocidade e posição inicial das posses de bola no sucesso ofensivo, propõem-se as seguintes aplicações práticas para os profissionais do treino de futebol:

 

1. Utilizar a métrica de direcionalidade para caracterizar o estilo ofensivo da equipa​: a direcionalidade, baseada em coordenadas espaciais, oferece uma forma objetiva de quantificar o método de jogo ofensivo de uma equipa, diferenciando estilos de jogo direto (contra-ataque e ataque rápido) de estilos baseados na posse de bola (ataque posicional). Ao analisar esta métrica, os treinadores podem identificar padrões no comportamento ofensivo da sua equipa e ajustá-los conforme necessário para otimizar o desempenho.​ 

2. Implementar estratégias de contra-ataque com foco na direcionalidade e velocidade: posses de bola mais diretas e rápidas em direção à baliza adversária aumentam a probabilidade de marcar golos. Assim, os treinadores devem desenvolver exercícios que reproduzam situações de contra-ataque e, em especial, que encorajem a progressão rápida e direta da bola, no sentido de aproveitar o desequilíbrio momentâneo na organização defensiva adversária. 

3. Variar as abordagens ofensivas para manter a imprevisibilidade​: embora o jogo direto seja eficaz, a utilização constante desta abordagem pode tornar a equipa previsível e permitir que os adversários se ajustem defensivamente. Incorporar variações nos métodos de jogo, por via da alternância entre jogo direto e posses mais elaboradas, pode dificultar a adaptação da organização defensiva adversária e aumentar as oportunidades de sucesso ofensivo.​ 

4. Adaptar a estratégia ofensiva consoante a zona de recuperação da posse de bola:​ sequências ofensivas iniciadas mais próximas da baliza adversária, quando combinadas com alta direcionalidade e velocidade, podem reduzir a probabilidade de remate, possivelmente devido à maior pressão defensiva contrária. Portanto, os treinadores devem ajustar o método ofensivo com base na zona do campo onde a posse é recuperada; por exemplo, optar por jogadas mais elaboradas a partir de recuperações em zonas de maior pressão ou por ataques rápidos ou contra-ataques em áreas com mais espaço disponível.​

 

Conclusão

​​Durante os Campeonatos do Mundo de futebol masculino de 2018 e 2022, as posses de bola iniciadas mais próximas da baliza adversária e com maior velocidade de progressão apresentaram uma probabilidade acrescida de resultar em remates. Contudo, esta tendência foi atenuada quando tais posses exibiram elevada direcionalidade, especialmente quando combinadas com alta velocidade ou iniciadas perto da baliza adversária. Nestas circunstâncias, os dados insinuam que a eficácia ofensiva pode ser comprometida. Importa salientar que, embora os remates sejam um indicador de desempenho ofensivo, são os golos que determinam o desfecho dos jogos. O estudo revelou que uma maior direcionalidade da posse – ou seja, um avanço mais direto da bola em direção à baliza adversária – aumentou significativamente a probabilidade de marcar golo.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista PLoS One.

23/04/2025

International Journal of Sport and Exercise Psychology (2025) | Impacto do público na vantagem de jogar em casa no futebol europeu antes, durante e após a COVID-19

Este projeto teve início em julho de 2023, por sugestão do Werlayne Leite (Secretaria da Educação do Estado do Ceará, Fortaleza, Brasil; Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza, Fortaleza, Brasil; Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, Brasil), com quem tenho colaborado ao longo dos últimos anos. Na altura, o Werlayne propôs a análise de dados relacionados com o fenómeno “home advantage” (i.e., vantagem de jogar em casa) nas épocas mais recentes, com especial enfoque no impacto das medidas restritivas associadas à COVID-19 no futebol europeu de alto nível.

Com o precioso contributo do investigador Cristiano Diniz da Silva (Research Group in Applied Soccer Sciences, Department of Physical Education, Institute of Life Sciences, Federal University of Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil) na modelação estatística, obtivemos perspetivas interessantes que nos levaram a explorar se a eliminação do suporte social dos adeptos durante a era COVID-19 teria influenciado o desempenho em casa de equipas habituadas a jogar com estádios cheios (figura 1).


Figura 1. O Arsenal FC a jogar em tempos de COVID-19 com o estádio vazio, diante do Manchester City FC (2020/21). Nas últimas épocas, o Arsenal figura no TOP-8 dos clubes europeus com mais adeptos no seu estádio (fonte: arsenalpics.com).

 

Em síntese, o estudo analisou as variações da vantagem de jogar em casa em 51 equipas europeias com maiores médias de assistência por jogo ao longo de 5 épocas, incluindo duas antes da pandemia (2017/18 e 2018/19), uma durante (2020/21, disputada sem público) e duas após a pandemia (2021/22 e 2022/23). Para a análise, aplicámos 4 modelos lineares mistos, considerando as equipas como fator aleatório – 2 modelos incluíram equipas que competiram em diferentes divisões e 2 modelos centraram-se exclusivamente em equipas que competiram na primeira divisão dos respetivos países. 

Os resultados revelaram uma correlação negativa entre a qualidade das equipas e a vantagem de jogar em casa, ou seja, quanto maior a competência da equipa, menor a vantagem de jogar em casa, com reduções entre os 0,12% e os 0,15% por cada ponto adicional na média de pontos por jogo. As equipas que competiram exclusivamente na primeira divisão registaram uma redução significativa de 7% na vantagem de jogar em casa durante a pandemia. Verificou-se ainda que a densidade de público, medida pela percentagem de ocupação dos estádios, influenciou positivamente a magnitude da vantagem de jogar em casa, o que sugere que o efeito do apoio das bancadas depende também da intensidade e proximidade dos adeptos. Concluímos que as flutuações observadas na vantagem de jogar em casa durante o período pandémico poderão estar parcialmente associadas à qualidade das equipas e não exclusivamente à ausência de público nos estádios. 

No passado dia 21 de abril de 2025 foi publicado online o produto final desta investigação na revista britânica International Journal of Sport and Exercise Psychology (figura 2), que figura no primeiro quartil (Q1) nas áreas de Ciências do Desporto, Psicologia Aplicada e Psicologia Social. O resumo ora apresentado não dispensa a consulta da totalidade do artigo para melhor se compreender a influência do apoio do público na expressão da vantagem de jogar em casa no futebol europeu contemporâneo e, designadamente, em equipas habituadas a jogar perante dezenas de milhares de adeptos.

 

Figura 2. Título, autores e outros informações editoriais do artigo publicado no International Journal of Sport and Exercise Psychology.

 

Antes de concluir, deixo um agradecimento especial ao Werlayne, cuja liderança exemplar, dedicação constante e visão crítica foram fundamentais para o sucesso desta investigação. Um reconhecimento igualmente sincero ao Cristiano, pela condução rigorosa da análise estatística e pelas perspetivas valiosas que contribuíram decisivamente para aprofundar o trabalho. 

Esperamos que o estudo seja útil e inspire novas reflexões sobre o fenómeno da vantagem de jogar em casa.

 Até breve!

 

Referência

Leite, W., Silva, C. D. da, & Almeida, C. H. (2025). Impact of crowd support on home advantage in highly attended European professional football teams: a comparison between pre-, during, and post-COVID-19 periods. International Journal of Sport and Exercise Psychology, 1–19. https://doi.org/10.1080/1612197X.2025.2495680