- Olá, bom dia! Como estás? – pergunto à Monalisa, em pleno museu do Louvre, Paris. Ela não responde, permanecendo imóvel com o seu olhar misterioso.
- Tens algo para me dizer, eu sei... aproveita agora que não está aqui ninguém – continuo, sussurrando. Mas ela... nada!
- Queres fazer "jogo" comigo é? – pergunto irritado, e continuo: – Pensas que me podes ignorar, tal como fazes com os milhares de corpos que ano após ano te veneram? Pois fica sabendo que tu não passas de tela e óleo, nunca sentiste, nunca cheiraste, nunca ouviste, nem nunca provaste. Só vês! Conheces de cor todos os cantos deste átrio, mas eu posso sentir a chuva a cair, cheirar o perfume da rosa, ouvir o cântico dos melros ou fazer caretas ao provar a acidez do limão.
Mais uma vez sou ignorado, é inútil... ela não me ouve.
Entretanto, aproxima-se um grupo de turistas para ver o célebre quadro. Diante da tela, mergulham como que hipnotizados na imagem daquela rapariga enigmática. Nem me olham! Porquê? Eu era o único corpo que estava presente! Será que é por ser igual a eles que não reparam? E se por artes mágicas o meu corpo fosse estampado num quadro e exposto ao lado dela? Passaria de três para duas dimensões, mais nada! Ah... e deixaria de sentir, ouvir, provar ou cheirar... apenas iria ver, durante 5, 10, 100 ou 1000 anos, milhares de corpos no “pára-arranca” com a mesma paisagem de fundo. Sentir-me-ia bem? Nem sequer me iria sentir, o meu mundo enquanto corpo terminaria no processo de estampagem de mim próprio.
Lanço um último olhar ao quadro, a pintura representa um corpo que está ausente, não se manifesta. De facto ele quer-nos dizer qualquer coisa, mas nós nunca saberemos o quê, pois simplesmente não habita nos padrões psicofisiológicos da nossa realidade. Resumindo: é material... só e somente!
Sorrio perante tal raciocínio e deixo o local. Subitamente, perdi a vontade de ver qualquer quadro ou peça de arte... hoje não é dia para isso. Antes de sair, imagino-me ali mesmo, estampado ao lado da Monalisa... e se de honra falássemos, ficaria muito lisonjeado, mas como prevalece a existência... prefiro viver, sentindo!