14/10/2010

Processo de formação no futebol: A experiência de Xavi

Numa entrevista interessantíssima concedida à revista Champions, da qual podemos ler um excerto aqui, o médio Xavi do FC Barcelona partilha alguns pormenores da sua formação futebolística na academia do clube (La Masia). A minha admiração por este jogador não é recente. A inteligência que manifesta na ocupação do espaço, a leitura permanentemente eficaz do envolvimento e a execução precisa de habilidades como a recepção e o passe fazem dele um médio centro de características inigualáveis. Para além de revelar competências altamente refinadas no jogo, demonstra ainda possuir qualidades psicológicas que fazem dele uma pessoa sensata, altruísta e inteligente.

Passando à entrevista propriamente dita, retive cinco ideias-chave que não consegui deixar de reflectir e partilhar aqui no Linha de Passe. São aspectos que considero relevantes para a formação de jovens no futebol, ainda por cima sendo transmitidas por uma figura de proa da actual equipa campeã europeia e mundial.

1) Em primeiro lugar, Xavi salienta que aos 11 anos - idade em que começou a treinar no Barcelona - o que mais interessa é a "vontade de aprender" e não os resultados.

O crescimento enquanto jovem futebolista começa com o querer aprender e ir mais além. Tem a sua lógica, aqueles que mais querem evoluir têm muito mais possibilidades de chegar ao alto rendimento. Sabemos que ter talento, por si só, não basta. O resultado desportivo a ter que surgir, será sempre em função de uma primeira boa etapa de aprendizagem, na qual os jovens se tornam, progressivamente, mais competentes no jogo.

2) Segundo Xavi foram "ensinados a jogar em triângulos, e a ter a bola sempre em movimento. Criam-se bons hábitos, como aprender os pontos fortes dos nossos companheiros e jogar sempre de cabeça levantada."

Neste pequeno parágrafo saliento quatro tópicos essenciais: a) jogar em triângulos, b) ter bola sempre em movimento, c) aprender os pontos fortes dos nossos companheiros e d) jogar sempre de cabeça levantada.

De facto, o triângulo é a unidade estrutural funcional no futebol. A modalidade em si é um jogo de triângulos, pelo que esta simples forma geométrica é muito eficaz para se transmitir e compreender a essência das noções tácticas básicas, numa primeira instância, próximo da posição da bola (centro do jogo) e, posteriormente, em zonas mais afastadas do centro do jogo. O 3-versus-3 (3v3) é, portanto, o ponto de partida para a aquisição dos princípios específicos do jogo na sua plenitude ofensiva (penetração/progressão, cobertura ofensiva/apoio e mobilidade) e defensiva (contenção, cobertura defensiva e equilíbrio).

Quanto à bola estar sempre em movimento remete-nos para a dinâmica do jogo. Para que tal suceda, é absolutamente fulcral que os jogadores sejam dotados do ponto de vista técnico (recepção, drible, passe, etc.) e, sobretudo, do ponto de vista táctico, na medida em que precisam de dar constantemente opções de passe ao portador da bola, sendo, com isto, capazes de formar unidades efectivas de cooperação com os seus colegas de equipa.

Aprender a jogar em função dos pontos fortes dos colegas é uma virtude muitas vezes descurada, porque, supostamente, um bom jogador deve estar apto a executar tudo e mais alguma coisa com perfeição. Isso não acontece, nem no alto rendimento. Deste modo, o nível de identificação entre os jogadores da equipa potencia/enfraquece as unidades de cooperação, defensiva ou ofensiva, que se podem formar. Se um colega é fraco na contenção, a distância para a cobertura defensiva deverá ser menor e o jogador deverá estar mais atento às acções de drible do adversário portador da bola; se um colega remata melhor com o pé direito, o jogador procurará assistir para esse seu pé, pois a probabilidade da equipa concretizar golo será superior. Não é ser "facilitista", é ser inteligente.

Não menos importante será jogar sempre de cabeça levantada. De acordo com Williams - investigador na área da tomada de decisão nos Jogos Desportivos, mais concretamente no futebol - a capacidade de “ler o jogo” marca a distinção entre os jogadores peritos e os novatos. Saber “ler o jogo”, jogando de cabeça levantada, é o primeiro passo para que se possa ser inteligente no jogo e resolver os problemas situacionais com que os jogadores se deparam da melhor maneira possível.

Estas ideias, embora simples, senão mesmo básicas, fazem toda a diferença num jogo de futebol quando convenientemente trabalhadas no processo de formação de jovens praticantes. A elementaridade destes pormenores referidos por Xavi e preconizados nas linhas orientadoras de uma das melhores escolas de formação de futebol do mundo (La Masia – FC Barcelona), demonstram que o jogo, apesar de se constituir como um sistema complexo, deve ser ensinado explorando o lado mais primitivo e empírico da nossa existência: potenciar a qualidade de cooperação entre membros/seres de uma mesma equipa/espécie.

05/10/2010

Melhorar a performance começa assim...

O seu a seu dono. Não sou o autor destas palavras, mas subscrevo na íntegra aquilo que José Mourinho - sim, esse, o que é mesmo especial - declarou:

"As Selecções Nacionais não são espaços de afirmação pessoal, mas sim de afirmação de um País e, por isso, devem ser um espaço de profunda emoção colectiva, de empatia, de união. Aqui, nas selecções, os jogadores não são apenas profissionais de futebol, os jogadores são além disso portugueses comuns que, por jogarem melhor que os portugueses empregados bancários, taxistas, políticos, professores, pescadores ou agricultores, foram escolhidos para lutarem por Portugal. E quando estes eleitos a quem Deus deu um talento se juntam para jogar por Portugal, devem fazê-lo a pensar naquilo que são - não simplesmente profissionais de futebol (esses são os que jogam nos clubes), mas, além disso, portugueses comuns que vão fazer aquilo que outros não podem fazer, isto é, defender Portugal, a sua auto-estima, a sua alegria."

Previamente à campanha de qualificação para o EURO 2012, em vez de se especular sobre pilotos automáticos e o "diz-que-fez-mas-não-sei-quê", se algum responsável técnico tivesse um discurso deste género, decerto que teria sido suficiente para termos mais do que o mero ponto conquistado diante do Chipre (4-4), em Guimarães. As palavras certas, com a entoação certa, no momento certo, são fundamentais para catapultar uma equipa para uma performance de sucesso.

Porque antes de tudo somos seres humanos, os pilotos automáticos, por si, não chegam para dar conta do recado.