07/11/2011

Ensinar e aprender a jogar, jogando

Na faculdade tive o prazer de ter um professor de basquetebol muito respeitado nos meandros do treino desportivo. Durante as aulas, o professor Hermínio Barreto costumava repetir, insistentemente, que os miúdos devem aprender a jogar, jogando. Não sendo particularmente um agente desportivo nesta modalidade, reconheço que, como jogo desportivo coletivo que é, partilha inúmeras peculiaridades de ensino/aprendizagem que são transversais a outros desportos coletivos, como é o caso do futebol.

De uma perspectiva ecológica aplicada ao desporto, somente o jogo e a suas variantes apelam a acoplamentos específicos de perceção-ação e, portanto, o jogo deve ser a sede das aprendizagens fundamentais (Borba, Barreto e Barreiros, 2007). Inúmeros estudos têm sido realizados no intuito de compreender como a prescrição de certas tarefas de treino influi na aquisição de habilidades motoras e competências cognitivas por parte de sujeitos em diversos escalões etários. Nos jogos desportivos coletivos, as evidências mais recentes apontam para o jogo como o meio mais preponderante para a aquisição e desenvolvimento de competências específicas da modalidade.

Num período em que ainda se constata a preferência de muitos treinadores por metodologias de treino/ensino baseadas na execução descontextualizada (i.e., isolada do jogo) de habilidades técnicas, estou certo que a ciência pode fornecer conhecimentos muito profícuos e práticos para o treinador na sua atividade quotidiana. O exemplo de driblar cones é badalado. Tal não significa que não seja útil para melhorar o controlo da bola, a sua condução e, até mesmo ações de drible, porém peca por ser uma tarefa vazia de potencial decisório. Nestas situações, não emerge qualquer necessidade de "ler o jogo" (i.e., a trajetória da bola e/ou os comportamentos de companheiros e adversários) e de tomar decisões. Num jogo reduzido, condicionado ou numa forma jogada isso é possível e, visto que as informações do envolvimento constrangem a decisão e a ação do praticante, torna a tarefa de aprendizagem muitíssimo mais rica e apropriada ao propósito da formação.

Acima de tudo, é imperativo que a criança/jovem aprenda a "ler o jogo" (identificando a informação relevante do envolvimento), a decidir e a executar bem. Fazê-lo apenas numa destas valências (e.g., a execução analítica do passe) é limitar e atrasar a aprendizagem e o desenvolvimento de competências do aprendiz. Não implica que sejamos fundamentalistas e apliquemos apenas situações de jogo ou formas jogadas. Eu, por vezes, e porque entendo que variar os exercícios de treino é essencial para aumentar a motivação dos praticantes e reduzir a monotonia da sessão, também uso cones para serem contornados. Faço e admito sem reservas. No entanto, o tempo destinado a esse tipo de atividades é escasso, considerando o volume total de treino semanal. A preponderância é claramente concedida ao jogo em si mesmo, que não é encarado como um fim, mas como um meio de enorme potencial para ensinar e aprender.

Esta é a verdadeira razão porque alguns sábios, mesmo há largos anos, já postulavam a máxima de "ensinar/aprender a jogar, jogando".

Referência
Borba, R., Barreto, H., & Barreiros, J. (2007). Encolhendo o espaço de jogo: insights para a compreensão do desenvolvimento táctico-técnico da criança. In J. Barreiros, R. Cordovil e S. Carvalheiro (Eds.), Desenvolvimento motor da criança (pp. 61-69). Lisboa: FMH Edições.