26/09/2012

Subaproveitado! O estranho caso de Nolito

O extremo espanhol Nolito, proveniente do FC Barcelona e atualmente ao serviço do SL Benfica, é um dos casos mais flagrantes de subaproveitamento no futebol português. Não é de agora, já se estende desde a época passada, mesmo quando o jogador teimava em se mostrar decisivo em diversos jogos consecutivos.

 Foto: Nolito em ação no SL Benfica (fonte: http://11-contra-onze.blogspot.com).

Na minha perspetiva, é o melhor extremo do plantel encarnado; muitos discordarão, pois há Sálvio, Gaitán, Bruno César, Enzo Pérez e Ola John. Respeito, mas mantenho-me firme no meu julgamento. Nolito não se restringe à típica ação de extremo de assumir duelos individuais (1x1) para desequilibrar a organização defensiva adversária. A sua perceção e leitura do envolvimento, bem como a sua capacidade de executar com qualidade, consubstanciados numa cultura tática acima da média, determinam que o jogador explore predominantemente espaços interiores com eficácia, sobretudo partindo do corredor esquerdo em deslocamentos diagonais. Fá-lo, essencialmente, através de combinações táticas diretas e indiretas pouco habituais de se observar por parte dos seus companheiros de posição.
 
Neste particular, é evidente a tendência de Nolito para procurar Pablo Aimar (um jogador altamente capaz de compreender e corresponder à comunicação despoletada pelos seus companheiros de equipa), no intuito de executar essas ações coletivas, culminando com deslocamentos de rotura passíveis de colocar o espanhol em ótimas circunstâncias para assistir ou finalizar para golo. Para além de explorar com frequência tais combinações táticas imbuídas de lógica e objetividade, Nolito dribla bem, assiste com critério, envolve-se em tarefas defensivas quando o contexto assim solicita, tem um espírito competitivo notável e, para complementar, sabe finalizar.
 
Não entendo a gestão que é feita na sua utilização; o tempo total de jogo é escasso face a tamanha qualidade e competitividade. Custa-me ainda ver o nome do jogador constantemente associado a outros clubes na imprensa desportiva nacional. O ter de sair para estar mais próximo da família soa-me a estapafúrdio; Lisboa não é assim tão longe da sua terra natal.
 
Manuel Agudo Durán “Nolito” merece ser valorizado e devidamente aproveitado pela equipa técnica do Benfica. Não há muitos como ele e Pep Guardiola sabia-o muito bem quando o tentou demover de deixar a equipa catalã.

02/09/2012

Ensinar a jogar futebol dos 6 aos 10 anos de idade: Uma tarefa “sensível” para o treinador

NOTA PRÉVIA: O texto presente neste "post" foi publicado no número mais recente da Revista AF Algarve (n.º 69, Junho / Julho 2012).
 
Figura: Capa da Revista AF Algarve, n.º 69 Junho / Julho 2012 (Download pdf aqui).
 
Introdução
A iniciação na modalidade desportiva preferida, aquela em que se ocupa grande parte dos tempos livres a praticar com os amigos, é sempre um período marcante na formação do jovem atleta. Nos dias que hoje correm, este processo de iniciação é tudo menos tardio. No futebol, por exemplo, assistiu-se recentemente a uma reorganização dos escalões etários com o surgimento dos Traquinas (Sub-9) e dos Petizes (Sub-7). A resposta por parte de entidades desportivas, como clubes e escolas de futebol, não se fez esperar e a abertura de tais classes tornou a iniciação à prática formal de futebol mais precoce. É indiscutível: as crianças começam a treinar e a competir progressivamente mais cedo, adquirindo certas competências específicas e gerais em idades mais jovens. Quase escusado será referir que o treinador assume um papel relevante neste processo, constituindo, antes de mais, uma referência de inestimável valor aos olhos dos mais pequenos. Posto isto, o objetivo deste breve artigo é discutir o modus operandi do treinador no ensino do jogo a crianças entre os 6 e os 10 anos idades.
 
Treinador: o propiciador!
É muito comum o pensamento de que um treinador nestes escalões etários se deve limitar a ensinar/treinar habilidades técnicas e breves aspetos táticos e a desenvolver capacidades coordenativas e condicionais. A meu ver, esta abordagem é redutora, pois as preocupações do treinador devem ir muito além do mero ensino do passe, da receção, da contenção, do apoio ou do drible do Zidane; o treinador deve, antes, propiciar condições para que as habilidades se manifestem. Por exemplo, num jogo reduzido de 3x3 (três contra três) com miúdos de 7 anos, é frequente observarmos o chamado “jogo nuvem”, isto é, a aglomeração das crianças ao redor da bola. O comportamento mais habitual do treinador é parar a situação de jogo, explicar que assim não conseguem jogar futebol e que se devem afastar (aclaramento). Discordo totalmente! É precisamente nestes contextos que o “artista do grupo” vai executar um ou dois dribles, passar pela equipa adversária e marcar golo. Portanto, o treinador estará a propiciar que o potencial do miúdo se manifeste e que as outras crianças percebam como alcançar o êxito, o que não impede que sejam transmitidas algumas “dicas” pontualmente.
 
Adequar o conteúdo à aptidão da criança
Outra questão fundamental é a adequabilidade do conteúdo a lecionar às aptidões das crianças. De acordo com a Teoria Cognitiva de Jean Piaget, entre os 7 e os 11 anos, o ser humano experiencia o estágio operatório concreto, sendo capaz de lidar com conceitos, números e relações concretas, mas ainda não possui aptidão para efetuar raciocínios lógico-dedutivos. Daí que a explicação de “aclarar em relação à bola, porque assim se jogar melhor futebol” possa, de facto, não ser entendida. Neste sentido, o recurso a analogias concretas tende a ser mais eficaz. Por exemplo: a bola é o sol e os jogadores as nuvens; o que nós (treinadores) queremos é que não haja tantas nuvens à volta do sol para que ele (a bola) possa brilhar. Este tipo de “feedbacks” não deve, no entanto, sobrepor-se ao caráter propiciador do treinador; deve somente constituir um simples complemento.
 
Conclusão
O treinador é um elemento fulcral no processo de formação desportiva. No período entre os 6 e os 10 anos de idade, as crianças apresentam uma grande plasticidade para a aprendizagem, como se fossem autênticas esponjas (absorvem tudo); o treinador deve, todavia, ser suficientemente sensível para, por um lado, não castrar a manifestação do potencial do miúdo na sua relação com a bola e, por outro lado, compreender que existem particularidades no desenvolvimento humano que constrangem a aquisição de competências do jogo. Por isso, o modo como o treinador propicia contextos de aprendizagem e os adequa às aptidões do praticante determina o êxito de uma tarefa altamente complexa: ensinar a jogar futebol.

Referência
Almeida, C.H. (2012). Ensinar a jogar futebol dos 6 aos 10 anos de idade: Uma tarefa "sensível" para o treinador. Revista AFAlgarve, 69, 24-25.