Para o escritor chileno
Luis Sepúlveda – um dos meus escritores preferidos – o «sul do mundo» fica na
Patagónia. As suas viagens a este canto do globo deram origem a crónicas; da
gaveta, as crónicas fizeram-se em livro, pelo menos, assim é narrado no Patagónia Express (Porto Editora, 2011).
No meio do nada, ou no centro de tudo, «uma pessoa é de onde melhor se sente».
Imagem: A Patagónia na América do Sul (fonte: www.snegaiv.com).
Os livros, as crónicas, as dissertações de Luis Sepúlveda fazem-me sentir melhor. Sejam as palavras humor,
saudade, política, cultura, tragédia ou felicidade, emanam o elevado sentido de
humanidade do autor. Se bem escrever é sinónimo de saber colocar em texto as
histórias, os segredos, as experiências, as valências e os defeitos que nos
caracterizam enquanto seres humanos, então Luis Sepúlveda fá-lo com uma clareza
notável:
– Boa tarde – cumprimentei.
– Isso é indiscutível. O que deseja, mister?
– Preciso de voar para Coca. Pode dizer-me o que tenho de
fazer?
– Com certeza. Para voar basta agitar os braços, correr
para ganhar balanço e encolher as patas. Mais alguma coisa?
Oito dias após o
falecimento de uma figura de proa do futebol português – o «pantera negra» Eusébio da Silva Ferreira – temos o
primeiro craque deste país à beira-mar plantado a ser consagrado, pela segunda
vez, com a distinção FIFA Ballon d’Or
(Bola de Ouro da FIFA). Ele é Cristiano
Ronaldo, ele é o FIFA World Player of
the 2013, isto depois de já ter recebido o troféu homólogo em 2008.
Imagem: Cristiano Ronaldo, o Ballon d'Or de 2013 (fonte: showdebola.pt).
O “rei” Eusébio venceu
em 1965, o “génio” Figo em 2000 e o “comandante” Cristiano Ronaldo inaugura o
“bis” na bola de ouro para Portugal. Superou a concorrência do argentino Lionel
Messi e do francês Franck Ribéry porque, de facto, foi o melhor jogador no ano
transato. Se a campanha do Real Madrid esteve longe de satisfazer as
expectativas dos adeptos, Cristiano Ronaldo mostrou que, mesmo num coletivo
“frouxo”, consegue destacar-se e alcançar números impressionantes. Porém, nem só
de golos vive o atacante português.
É um jogador talhado
para desequilibrar o processo defensivo adversário. Quantos jogadores têm a sua
velocidade (com e sem bola)? Quantos jogadores tratam a bola (dimensão técnica)
como Cristiano Ronaldo? Nos tempos mais recentes, ao que não estará alheio o
trabalho com José Mourinho e Carlo Ancelotti, tornou-se um jogador mais
imprevisível, pois tanto pode servir o “coletivo”, como, individualmente,
resolver os problemas contextuais do jogo. Os resumos mostram-nos os golos, mas
Cristiano melhorou imenso a sua competência tática. Defensivamente, isso também
foi e é evidente.
Esta evolução na
dimensão tática aliada ao seu estrondoso potencial atlético, ao seu
brilhantismo técnico e à sua enorme capacidade de finalização, faz de Cristiano
Ronaldo um jogador altamente decisivo entre a elite do futebol mundial. Os
contextos podem ser distintos, mas ele adapta-se, aparece e resolve. No ano de 2013 houve
muito de fantástico de Cristiano Ronaldo. Mil e um vídeos poderiam ilustrar a
sua qualidade; eu escolhi deixar-vos um pormenor delicioso do atual “melhor do
mundo”:
No próximo mês fará 29
anos e tem francas possibilidades de ir ainda mais além. Apesar disso, não
posso deixar de me questionar: daqui a quantos anos teremos outro jogador português
a vencer duas vezes a Bola de Ouro da FIFA?
O tempo adicional,
tempo de descontos ou tempo de compensação (estas últimas expressões são frequentemente
relatadas nos meandros do futebol) consiste no tempo que é concedido pelo
árbitro principal da partida, no final do tempo regulamentar (45 ou 90
minutos), a fim de contrabalançar os períodos nos quais o jogo esteve
efetivamente interrompido (lesões, substituições, atrasos nas reposições da bola em jogo,
etc.).
Para quem se
encontra em vantagem, o tempo adicional dado pelo árbitro é usualmente um
exagero; ao invés, para quem se encontra a perder, a compensação tende a ser
curta. Os interesses e as necessidades dos indivíduos condicionam bastante a perceção subjetiva do tempo que deve constar na placa. A meu ver, isso parece-me
perfeitamente natural. Já o mesmo não pode ser afirmado relativamente ao
elemento que deveria ser o mais imparcial do encontro: o árbitro. Será que o
tempo adicional concedido pelo árbitro é correto? Se não, tenderão estes a
pecar por excesso ou por defeito?
Estas foram as
questões colocadas pelos investigadores alemães Malte Siegler e René Prüßner,
da Universidade Técnica de Munique e cujos resultados foram publicados, no passado mês de dezembro, no International Journal
of Performance Analysis in Sport. De resto, estes autores analisaram o
tempo adicional concedido pelos árbitros no final de todos jogos (n = 31) que ocorreram no Campeonato
Europeu de seleções, em 2012, na Polónia e na Ucrânia. Para o efeito, criaram um
sistema de observação com o propósito de registar a duração e o número de
ocorrências do que designaram ser as «interrupções relevantes do jogo». Foram
registadas 196 interrupções relevantes com uma duração média de 261.3 s (±
86.5) por jogo (i.e., cerca de 4 minutos e 21 segundos). O tempo adicional
médio por jogo foi de 218.1 s (± 50.0), ou seja, 3 minutos e 38 segundos. Os
investigadores revelaram que, em 51% dos jogos da amostra, o tempo adicional
foi demasiado curto, embora o resultado da partida não tenha sido significativamente
influenciado pelo fenómeno.
Portanto, os resultados deste estudo são
conclusivos: beneficia-se quem está em vantagem ou quem se encontra mais satisfeito
com o marcador e que, por norma, tende a “queimar” tempo e a adotar um estilo
de jogo mais defensivo. A bem do espetáculo que é (ou deveria ser) o futebol, é de todo recomendado que as altas instâncias da modalidade (FIFA, UEFA, etc.) e os árbitros
pensem em melhorar os métodos de cálculo da quantidade de tempo que deve ser
adicionada, findo o tempo regulamentar do jogo.
Referência
Siegle,
M. & Prüßner, R. (2013). Additional time in soccer. International Journal of Performance Analysis in Sport, 13(3), 716-723.
O primeiro texto de 2014 é uma curta homenagem a Eusébio. O dia 5 de
janeiro de 2014 é marcado pelo seu falecimento, porém, o legado que deixa no futebol
português perdurará por longas décadas. O seu contributo foi fundamental para
que o nome do Sport Lisboa e Benfica
se erguesse no panorama europeu e para que Portugal constasse no mapa do
futebol mundial. No que diz respeito a esta modalidade desportiva, o que o «pantera negra» fez está
apenas ao alcance de predestinados, de génios.
Imagem: A estátua de Eusébio por Vasco Duarte (fonte: olhares.sapo.pt).
Não tive oportunidade de o ver jogar (ao vivo), mas fica para a
posterioridade alguns dos seus números:
·638 golos em 614 jogos
oficiais (média de 1,04 golos/jogo);