No âmbito do treino do
futebol, a expressão «modelo de jogo» tem sido amplamente difundida nos últimos
anos, sobretudo em Portugal e nos países lusófonos. O advento e a notoriedade
adquirida pela Periodização Tática –
modelo de planeamento utilizado por José Mourinho, André Villas-Boas, Carlos
Carvalhal, entre outros – assim o determinaram. O conceito de modelo de jogo
remete-nos para uma série de princípios que concedem organização nos diferentes
momentos (pessoalmente, prefiro o termo fases) do jogo (Delgado-Bordonau &
Mendez-Villanueva, 2012). Entre muitas outras variáveis, o modelo de jogo está
subjacente à filosofia do treinador/equipa técnica e pode, segundo diversos
autores da especialidade, ser adotado ou criado. Esta modelação é, em primeira
instância, obra do treinador e que, posteriormente, será interpretada e
aplicada pelos seus jogadores.
Por sua vez, a
criatividade tática é algo que está inerente ao desempenho dos jogadores em
contexto de jogo. De acordo com o investigador alemão Daniel Memmert (2014), a
criatividade tática é definida como a criação/execução de diversas soluções para
problemas em grupos específicos de indivíduos ou em situações de jogo coletivas,
que podem ser consideradas como surpreendentes, raras e/ou originais. Esta
criatividade tática, também associada ao conceito de inteligência tática, é
cada vez mais acreditada pelos treinadores de elite como uma característica
fundamental do jogador no futebol contemporâneo.
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Imagem: Pablo Aimar - um «jogador-exemplo» de criatividade tática. |
O problema que tenho
identificado através da observação sistemática, de inúmeras entrevistas e com o
qual também me debato em todas as sessões de treino, resume-se a uma singela
questão: até que ponto a definição e a operacionalização de um determinado
modelo de jogo não constrange a criatividade tática dos jogadores?
A meu ver, são duas
faces da mesma moeda e algo sobre o qual o treinador/equipa técnica deve(m) ponderar
em permanência ao longo da época desportiva. Como conceder organização, sem
condicionar a capacidade criativa dos nossos jogadores?
Assumamos o exemplo que
consta na Figura 1.
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Figura 1. Exemplo da hierarquização
e da fragmentação dos princípios de jogo na fase de organização ofensiva.
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O treinador pretende que
a bola circule rápido das zonas de maior concentração de jogadores oponentes
para outras zonas menos congestionadas. Para isso, prepara os jogadores para
aumentar a área da equipa em largura (subprincípio 1: espaço) e que haja, pelo
menos, três linhas de passe relativamente ao portador da bola (subprincípio 2:
soluções múltiplas). Até aqui, parece-me tudo muito razoável. Quando começamos
a fracionar os subprincípios em mais sub-subprincípios e sub-sub-sub-etc.,
deixo de concordar. É precisamente neste ponto que eu entendo que o excesso de
regras/normas de ação (modelização comportamental) compromete a criatividade
tática dos jogadores.
Temos um princípio bem
definido («circular a bola para longe da zona de pressão adversária»), mais dois
subprincípios adicionais e é com essa matéria que, no treino, o treinador/equipa
técnica deve(m) propor tarefas para que os jogadores, individual e
coletivamente, encontrem soluções (descoberta guiada) para cumprirem os
princípios estipulados e que estão consubstanciados no modelo de jogo.
Deste modo,
conseguiremos tirar o máximo proveito das duas faces da moeda (modelo de jogo e
criatividade tática) num processo que requer, por um lado, o desenvolvimento
dos jogadores e da equipa e, por outro lado, o obtenção de resultados em
competição.
Referências
Delgado-Bordonau, J. L., & Mendez-Villanueva, A. (2012). Tactical periodization: Mourinho’s best-kept secret? Soccer NSCAA Journal, 3, 28-34.
Memmert, D. (2014). Tactical creativity
in team sports. Research in Physical Education, Sport and Health, 13(1), 13-18.