Um dos aspetos que os
treinadores tentam operacionalizar no treino para melhorar a qualidade do
desempenho defensivo é a «mudança de atitude face à perda da posse de bola».
Por exigir um esforço coordenado dos jogadores em processo defensivo, perante referenciais
que muitas vezes, devido ao caráter dinâmico do jogo, não são fáceis de
identificar em tempo útil, o transfer para a situação competitiva nem sempre é
evidente.
Como é conhecido na
literatura científica do futebol, o tempo que uma equipa passa em posse de bola
está positivamente correlacionado com o sucesso obtido em competição (Lago,
2009; Lago-Peñas & Dellal, 2010). Daí, decorre que os treinadores procurem
que as suas equipas reconquistem rapidamente a posse de bola após a sua perda.
Contudo, numa perspetiva de otimização do momento de transição ataque-defesa, será
que o tempo que medeia a perda da posse de bola e a sua subsequente
reconquista (i.e., o tempo de reação
defensiva, segundo Barreira, Garganta, Guimarães, Machado, & Anguera, 2013)
pode ser considerado como um indicador de sucesso da performance defensiva no
futebol de alto rendimento?
Foi precisamente esta
questão que um estudo de Vogelbein, Nopp e Hökelmann, publicado recentemente no
Journal of Sports Sciences (2014),
propôs esclarecer. Para o efeito, os autores analisaram os tempos de reação
defensiva em todos os jogos da Bundesliga 2010/2011, em função de duas
variáveis independentes: (i) o grupo classificativo a que cada equipa
pertenceu, apurado a partir da divisão da classificação final em três grupos (topo da tabela – do 1º ao 6º
classificado; meio da tabela – do 7º
ao 12º; fundo da tabela – do 13º ao
18º); (ii) o resultado corrente do jogo (match status) aquando do registo de
cada ocorrência (i.e., equipa em vantagem no marcador, empatada ou em desvantagem). Os principais resultados constam na Tabela 1.
Tabela 1. Média
dos tempos de reação defensiva (em segundos) observados para os grupos de
equipas da Bundesliga 2010/2011, de acordo com o resultado corrente do jogo (n = número de jogos que uma equipa
disputou com um determinado resultado corrente do jogo).
* Diferenças
significativas entre equipas do topo e do meio da tabela (P < 0.005).
** Diferenças
significativas entre equipas do topo e do fundo da tabela (P < 0.001).
De facto,
independentemente do resultado corrente do jogo, as equipas do topo da tabela
necessitaram de menos tempo que as equipas dos outros grupos (meio e fundo da
tabela) para recuperar a posse de bola. Aliás, a inferência estatística
comprovou mesmo a existência de diferenças significativas entre as equipas do
topo da tabela e as restantes. Por sua vez, as diferenças registadas entre os
grupos do meio e do fundo da tabela não obtiveram expressão estatística. Estes
dados suportam claramente a noção de que as melhores equipas procuram dominar
os jogos, não apenas através da manutenção da posse de bola, mas também pelo
propósito de recuperar a posse o mais rapidamente possível. O resultado
corrente do jogo foi um fator que também influenciou os tempos de reação
defensiva. Quando em vantagem no marcador, as equipas demoraram mais tempo para
recuperar a posse de bola, enquanto que, em situação de desvantagem, recuperaram
a bola mais rápido.
Portanto, o tempo de
reação defensiva deve ser considerado como um indicador de sucesso no futebol
de alto rendimento e, por inerência, a sua operacionalização no treino não deve
ser descurada. Com base nos resultados da investigação de Vogelbein et al. (2014), o valor de corte de 10
segundos parece ser uma boa referência para otimizar a mudança de atitude face
à perda da posse de bola no processo de treino. Uma tarefa de treino que podemos
extrair dos resultados supramencionados será, por exemplo, a apresentada na Figura 1.
Figura 1. Proposta de tarefa de treino Gr+5v5(+2)+Gr.
· Situação: Jogo reduzido/condicionado de Gr+5v5(+2)+Gr (2
jogadores neutros), num campo de 40x60m (comprimento x largura) e área de jogo
individual de 171.4 m2;
· Condicionante: equipa que recupera a posse de bola em menos de 10
segundos passa a jogar em superioridade numérica (com os 2 neutros);
· Objetivo principal: potenciar a rápida mudança de atitude coletiva face à
perda da posse de bola;
· Critério de êxito: recuperar a posse de bola em menos de 10 segundos;
· Variante de
dificuldade (para a equipa em
processo defensivo): aumentar o espaço de jogo/área de jogo individual;
· Variantes de
facilidade: retirar um jogador neutro ou
reduzir o espaço de jogo/área de jogo individual
Referências
Barreira, D., Garganta, J., Guimarães, P., Machado, J.
C., & Anguera, M. T. (2013). Ball
recovery patterns as a performance indicator in elite soccer. Proceedings of the Institution of Mechanical
Engineers, Part P: Journal of Sports Engineering and Technology.
doi:10.1177/1754337113493083
Lago, C. (2009). The
influence of match location, quality of opposition, and match status on
possession strategies in professional association football. Journal of Sports Sciences, 27,
1463-1469.
Lago-Peñas, C.,
& Dellal, A. (2010). Ball
possession strategies in elite soccer according to the evolution of the
match-score: The influence of situational variables. Journal of Human Kinetics, 25, 93-100.
Vogelbein, M., Nopp, S., & Hökelmann, A. (2014). Defensive transition in soccer - are prompt possession regains a measure of success? A quantitative analysis of German Fußball-Bundesliga 2010/2011. Journal of Sports Sciences, 32(11), 1076-1083.