Introdução
É mais ou menos
consensual entre os principais agentes desportivos que o jogo competitivo, como
elemento fundamental no processo formativo de crianças e jovens, deve estar
convenientemente adaptado às características dos praticantes. Apesar disso,
inúmeras evidências científicas recentes não abonam muito a favor de alguns
formatos de jogo oficiais em vigor em certos escalões etários. Assim sendo, creio
que não será descabido recomendar que os diversos agentes envolvidos no futebol
português (i.e., treinadores, dirigentes, coordenadores técnicos, árbitros,
etc.) reflitam em conjunto sobre esta problemática e, caso entendam necessário,
tomem medidas para uma progressão mais adequada dos jovens praticantes pelos
formatos de jogo, ao longo de todo o processo formativo (de Petizes, Sub-6, aos
Juniores, Sub-19). Em última instância, este artigo visa propor uma série de
alterações à competição nos escalões de formação, no intuito de salvaguardarmos
o praticante, em particular, enquanto entidade a formar/desenvolver, e a
qualidade do futebol português, em geral, a médio/longo prazo.
Formatos de jogo: Que mudanças farão sentido?
A organização dos
formatos do jogo de futebol em vigor em Portugal, nos diversos escalões
etários, encontra-se expressa na Tabela
1.
Tabela 1. Os formatos de
jogo, em vigor em Portugal, no futebol de formação.
(p.f., clique para ampliar)
Conforme podemos
observar, aos 10 anos de idade, as crianças já competem no Futebol 7 (F7:
Gr+6v6+Gr) e aos 14 anos, quando tal não sucede logo aos 12 anos, os jovens
começam a experienciar o formato de jogo oficial do futebol sénior: o Futebol
11 (F11: Gr+10v10+Gr). Do ponto de vista da formação do jogador, será lógico
colocar uma criança de 10 anos a jogar F7 ou um jovem de 12 a competir no F11?
Desde o início do século
XXI, as evidências científicas inerentes à comparação de formatos de jogo
competitivo no futebol de formação têm-se multiplicado. A título de exemplo, Capranica
et al. (2001) compararam a atividade
de jovens Sub-12 no F7 (60x40m) e no F11 (100x65m) e verificaram que o número
de sprints curtos e de passes foi superior no F7, enquanto o número de desarmes
foi significativamente menor, comparativamente ao F11. Estes autores concluíram
que o F7 é mais apropriado para crianças pré-adolescentes, pois possibilita um
maior envolvimento com a bola. Em 2007, os investigadores britânicos Jones &
Drust compararam o perfil de desempenho de crianças Sub-8 nos formatos de jogo
F4 (Gr+3v3+Gr, 30x25m) e F8 (Gr+7v7+Gr, 60x40m) e constataram que o número de
contactos individuais com a bola foi significativamente superior no F4. Para
além da frequência de ações técnicas executadas, a manipulação do número de
jogadores também afetou o tipo de ações realizadas. Mais tarde, os gregos Katis
& Kellis (2009) compararam os formatos F4 (25x15m) e F7 (40x30m) em jovens
Sub-14. O F4 proporcionou um número significativamente mais elevado de passes
curtos, remates, desarmes, dribles e golos; por sua vez, no F7 observaram-se
mais passes longos e cabeceamentos. Estes resultados, em conjunto com dados de
outras investigações, têm comprovado que os formatos de jogo mais reduzidos
possuem um enorme potencial no desenvolvimento das capacidades técnicas e
táticas individuais e específicas do jogo.
Deste modo, podemos
afirmar que a evolução dos formatos de jogo poderia ser mais faseada e adaptada
às capacidades dos praticantes nos diferentes escalões etários. À luz das evidências
científicas atuais, fará mais sentido para a formação do jovem praticante de
futebol a reorganização da competição como consta na Tabela 2.
Tabela 2. Proposta de reorganização
dos formatos de jogo para o futebol de formação em Portugal.
(p.f., clique para ampliar)
Nesta
proposta, o fator tempo é decisivo para a qualidade do processo de formação. Destaco
a introdução do F5 (Gr+4v4+Gr) nos Benjamins (Sub-11) e uma transição mais
suave do F7 (Sub-13) para o F11 (Sub-17), com a implementação do F9 (Gr+8v8+Gr)
no escalão de Iniciados (Sub-15), como já existe em algumas federações
territoriais espanholas (Lapresa et al.,
2008b). Embora as implicações logísticas possam ser um problema, acredito que
seriam perfeitamente ultrapassáveis. Nos Juniores (Sub-19), por se tratar do
último escalão de formação, o formato de jogo e suas especificações
regulamentares devem ser rigorosamente iguais às existentes no escalão sénior.
Figura 1. A progressão dos formatos de jogo competitivo: duas vias distintas. (fonte: Lapresa et al., 2008a) |
Regulamentos competitivos: Como não “cortar”
oportunidades?
Além da problemática dos
formatos de jogo propostos às crianças/jovens, os respetivos regulamentos, como
parte integrante do processo formativo, não devem constituir um fator limitador
da participação dos jovens praticantes na competição; pelo contrário, devem maximizar
as oportunidades de participação nos jogos para o maior número possível de
elementos da equipa. Por outro lado, tal como o Código Civil preconiza direitos
e deveres distintos para indivíduos adultos e menores de idade, assim deveriam
ser os regulamentos disciplinares subjacentes à competição no futebol
infantojuvenil. Infelizmente, não é isso que acontece.
Seguidamente, apresento
algumas propostas de alteração dos regulamentos competitivos, no intuito de
ajustar a realidade vigente aos propósitos do futebol de formação:
· Alargar as substituições volantes (ilimitadas) ao escalão
de Iniciados (Sub-15);
· Aumentar o número de substituições para 5 nos Juvenis
(Sub-17);
· Abolir o cartão vermelho até aos Iniciados (Sub-15),
inclusive: na minha perspetiva, é
inconcebível penalizar as equipas e as crianças/jovens que estão no banco de
suplentes por comportamentos de indisciplina ou pelo recurso permanente à falta
de um companheiro. Perante um cenário de dupla admoestação (cartão amarelo) ou
ordem de exclusão imediata, o jogador prevaricador seria substituído por outro
companheiro de equipa, sem possibilidade de voltar a reentrar nesse mesmo jogo,
mas mantendo a igualdade numérica entre as equipas;
· Elaborar um regulamento de disciplina específico para o
futebol de formação: por exemplo, um jovem
defensor que corte a bola com a mão em cima da linha de golo implica que a sua
equipa seja triplamente penalizada (grande penalidade, expulsão imediata e, por
norma, um jogo de suspensão), tal como no futebol sénior. Como este, outros
exemplos poderiam ser dados. Será que este regime severo de penalização/castigo
serve a formação de jovens praticantes de futebol?
Conclusão
Este artigo não tenciona
transmitir a ideia de que tudo está mal no futebol de formação em Portugal. Não
é isso que está em causa, até porque houve determinadas medidas que foram
implementadas (por exemplo, a introdução do F7, a adequação da duração das
partes de jogo em cada escalão etário, entre outras) que merecem o nosso
aplauso. Porém, como em qualquer outra área de intervenção, deve haver sempre
espaço para inovarmos e refinarmos processos e procedimentos. Neste âmbito, se
pretendemos que a competição contribua para a melhoria qualitativa do processo
formativo do jogador, então urge repensar algumas questões relativas aos
formatos de jogo e aos respetivos regulamentos competitivos para os diversos
escalões etários. Ao invés, se entendemos que a competição no futebol de
formação deve assumir contornos de rendimento similares às provas seniores, o
mais lógico será mesmo manter a estrutura competitiva tal como está.
Referências
Capranica, L., Tessitore, A.,
Guidetti, L., & Figura, F. (2001). Heart rate and match analysis in pre-pubescent soccer
players. Journal of Sports Sciences, 19, 379-384.
Jones, S., &
Drust, B. (2007). Physiological and technical demands of 4v4 and 8v8 games in
elite youth soccer players. Kinesiology, 39(2), 150-156.
Katis, A., &
Kellis, E. (2009). Effects of small-sided games on physical conditioning and
performance in youth soccer players. Journal of Sports Science and Medicine,
8, 374-380.
Lapresa, D. A., Idiakez, J. A., Echevarría,
B. G., García, R. E., & Jiménez, M. A. (2008a). Enseñando a jugar “El Fútbol” hacia una iniciación coherente. Logroño:
Universidad de La Rioja, Federación Riojana de Fútbol.
Lapresa, D. A., Jiménez, M. A.,
García, R. E., Idiakez, J. A., & Echevarría, B. G. (2008b). Análisis
descriptivo y secuencial de la fase ofensiva del fútebol 5 en la categoría
prebenjamín. Cultura, Ciencia y Deporte, 8(3), 107-116.