Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado
em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica
internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Javier Fernandez-Navarro, Carlos Ruiz-Ruiz, Asier
Zubillaga, & Luis Fradua
Título:
Tactical variables related to gaining the ball in advanced
zones of the soccer pitch: Analysis of differences among elite teams and the
effect of contextual variables
Revista: Frontiers in
Psychology
País: Espanha
Referência:
Fernandez-Navarro, J., Ruiz-Ruiz, C.,
Zubillaga, A., & Fradua, L. (2020). Tactical
variables related to gaining the ball in advanced zones of the soccer pitch:
Analysis of differences among elite teams and the effect of contextual
variables. Frontiers in Psychology, 10, 3040. doi: 10.3389/fpsyg.2019.03040 (link)
Apresentação do problema
No âmbito da análise da
performance do futebol não é novidade que a maioria dos estudos tem centrado a
investigação em torno do processo ofensivo, designadamente, incidindo nos
comportamentos individuais e/ou coletivos conducentes à concretização do golo.
Nos últimos anos, porém, a fase defensiva começou a ser alvo de análise,
sobretudo, no que à caracterização dos métodos empregues por equipas de elite
diz respeito. Sabe-se, por exemplo, que equipas mais bem-sucedidas tendem a
recuperar a posse de bola em menos tempo após a perderem para a equipa
adversária (Vogelbein et al., 2014) e que equipas visitadas (i.e., jogar em
casa), equipas em desvantagem no marcador e equipas qualitativamente mais
fortes tendem a recuperar a bola em zonas mais adiantadas do terreno de jogo
(Almeida et al., 2014).
De facto, a caracterização
dos estilos de jogo defensivo adotados pelas equipas é bastante útil para
descrever e compreender as diferentes abordagens táticas em competição, bem
como os seus efeitos práticos. Contudo, para que esse intento seja alcançado na
plenitude, é necessário integrar diversas variáveis contextuais e de
performance na mesma análise. Deste modo, tendo como referência para a
avaliação tática das equipas os processos defensivos iniciados no meio-campo
defensivo adversário, este estudo visou: (1) examinar os comportamentos
defensivos de equipas de futebol quando recuperam a posse de bola em zonas
adiantadas do campo, analisando eventuais diferenças entre elas; e, (2) avaliar
o efeito de variáveis contextuais nos comportamentos defensivos.
Métodos
Amostra: consistiu em 1095 sequências de jogo defensivas
iniciadas no meio-campo adversário, recolhidas de 10 jogos da La Liga
espanhola, na época 2010/2011. As duas equipas participantes nos jogos foram
analisadas, resultando na inclusão de 13 equipas na amostra. A unidade de
análise foi a sequência de jogo defensiva, começando quando a equipa atacante
(re)conquista a posse de bola no seu próprio meio-campo e finalizando quando a
equipa defensora recupera a posse de bola, de acordo com os critérios
estipulados pelos autores.
Procedimentos de recolha
de dados: os eventos de jogo foram registados
através do sistema de rastreio semiautomático Amisco Pro®.
Basicamente, este sistema rastreia os movimentos da bola e de todos os
jogadores ao longo do jogo, permitindo a reconstrução bidimensional desses
movimentos e, posteriormente, a análise das equipas e dos jogadores. Os
investigadores tiveram permissão da Amisco para recolher os dados e o
estudo foi previamente aprovado pelo Comité de Ética da Universidade de
Granada. A fiabilidade intra e inter-observador foi assegurada por dois
operadores, obtendo bons valores de acordo para a variável categórica “resultado
da sequência de jogo defensiva” (outcome of defensive pieces of play:
jogada perigosa concedida; bola recuperada na zona transversal 1; bola recuperada
na zona 2; bola recuperada na zona 3; bola recuperada na zona 4; bola recuperada
na zona 5; bola recuperada na zona 6; ver figura 2) e para as variáveis
contínuas “distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” (distance
from least advanced outfield defender to his goal line), “distância entre o
jogador em posse de bola para o defensor mais próximo” (distance between the
player in possession of the ball to the nearest defender), “comprimento do
passe” (pass length), “número de passes” (pass number) e
“duração” (duration). As variáveis contextuais utilizadas foram as
seguintes: “localização do jogo” (match location: casa ou fora);
“resultado corrente do jogo” (match status: a vencer, empatado ou a
perder); “qualidade da oposição” (quality of opposition: aferido em
função da classificação final: 1.º - 6.º lugar, 7.º - 13.º lugar ou 14.º - 20.º
lugar); “período do jogo” (match period: 1-15 minutos, 16-30 minutos,
30-45 minutos mais tempo adicional, 46-60 minutos, 61-75 minutos ou 75-90
minutos mais tempo adicional).
Figura 2. Modo de animação do sistema Amisco Pro, com as 6 zonas transversais representadas (adaptado de Fernandez-Navarro et al., 2020). |
Análise estatística: (1) tabelas de contingência considerando as variáveis
de performance e contextuais definidas e as diversas equipas incluídas na
amostra, com verificação dos valores de p e as respetivas dimensões de
efeito consoante o tipo de teste utilizado (variáveis contínuas ou categóricas);
(2) análise de cluster para agrupar as variáveis defensivas em grupos
passíveis de descrever diferentes estilos de jogo defensivo. Em todas as
análises foi adotado um nível de significância de 5% (p ≤ 0.05).
Principais resultados
Os autores mostraram a
existência de diferenças significativas entre as equipas observadas nas zonas de
recuperação de bola. O FC Barcelona foi a equipa que demonstrou maior
probabilidade, em relação à média, de recuperar a bola em zonas mais adiantadas
do campo (figura 3), o que comprova que este é um indicador de performance que
discrimina as equipas mais bem-sucedidas.
As variáveis contextuais “resultado corrente do jogo” e “qualidade da oposição” estabeleceram uma relação significativa com o “resultado da sequência de jogo defensiva”, embora o mesmo não tivesse sido constatado para as variáveis “localização do jogo” e “período do jogo”. Em vantagem no marcador, as equipas recuperaram mais vezes a posse de bola na zona 1, enquanto que, com um resultado desfavorável, recuperaram menos vezes a bola nas zonas 1 e 2 e mais vezes na zona 5 (mais próxima da baliza adversária). Por outro lado, quanto maior for a qualidade da equipa oponente, menor é a probabilidade de recuperar a bola em zonas do campo mais avançadas. Verificaram-se diferenças significativas entre as equipas em todas as variáveis de performance contínuas, à exceção da variável “comprimento do passe”, que especifica o comprimento do último passe executado pela equipa adversária (em processo ofensivo) antes de perder a posse de bola para a equipa em análise (em processo defensivo).
Figura 3. Imagem de marca - o FC Barcelona da atualidade a impor pressão defensiva em zonas adiantadas do terreno de jogo. |
As variáveis contextuais “resultado corrente do jogo” e “qualidade da oposição” estabeleceram uma relação significativa com o “resultado da sequência de jogo defensiva”, embora o mesmo não tivesse sido constatado para as variáveis “localização do jogo” e “período do jogo”. Em vantagem no marcador, as equipas recuperaram mais vezes a posse de bola na zona 1, enquanto que, com um resultado desfavorável, recuperaram menos vezes a bola nas zonas 1 e 2 e mais vezes na zona 5 (mais próxima da baliza adversária). Por outro lado, quanto maior for a qualidade da equipa oponente, menor é a probabilidade de recuperar a bola em zonas do campo mais avançadas. Verificaram-se diferenças significativas entre as equipas em todas as variáveis de performance contínuas, à exceção da variável “comprimento do passe”, que especifica o comprimento do último passe executado pela equipa adversária (em processo ofensivo) antes de perder a posse de bola para a equipa em análise (em processo defensivo).
A análise de cluster
determinou a formação de 4 grupos em função das variáveis de performance e
contextuais investigadas (figura 4):
·
Cluster 1 – bloco defensivo próximo da própria baliza (“duração” e
“número de passes” elevados e “distância do defensor menos adiantado para a sua
linha de golo” reduzida);
·
Cluster 2 – bloco intermédio recorrendo a menor pressão defensiva
sobre os jogadores atacantes (“comprimento de passe” e “distância entre o jogador
em posse de bola para o defensor mais próximo” elevados, e “duração”, “número
de passes” e “distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” intermédios);
·
Cluster 3 – bloco intermédio pressupondo pressão intensiva mais
frequente sobre os jogadores atacantes (“duração”, “número de passes” e “distância
do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” intermédios, e “comprimento
de passe” e “distância entre o jogador em posse de bola para o defensor mais
próximo” reduzidos);
·
Cluster 4 – pressão defensiva alta exercida em zonas avançadas do terreno
de jogo (“distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” elevada,
e “duração”, “número de passes”, “comprimento do passe” e “distância entre o
jogador em posse de bola para o defensor mais próximo” reduzidos).
Figura 4. Percentagem de sequências de jogo defensivas iniciadas no meio-campo adversário pelas diferentes equipas, em função dos clusters apurados (Fernandez-Navarro et al., 2020). |
A contribuição relativa
das variáveis para a formação de cada cluster permitiu identificar a
importância de cada preditor (predictor importance – PI) nesta análise. Eis
a importância de cada uma das variáveis preditivas, por ordem decrescente: “duração”
da sequência ofensiva adversária (PI = 1.00); “número de passes” permitidos à
equipa adversária (PI = 0.88); “distância do defensor menos adiantado para a
sua linha de golo” (PI = 0.65); “comprimento do passe” (PI = 0.59); “distância
entre o jogador em posse de bola para o defensor mais próximo” (PI = 0.25). A
importância relativa das variáveis contextuais para a análise de cluster
foi muito baixa (PI ≤ 0.02).
Implicações práticas
Os treinadores de equipas profissionais
devem utilizar esta forma de aglutinar variáveis para a aferir o perfil da
sua equipa e/ou dos adversários, no que concerne ao comportamento defensivo,
para melhor preparar o coletivo para as vicissitudes da competição. Contudo, aquando
da análise do desempenho em jogo competitivo, as equipas técnicas devem atentar
ao facto de variáveis contextuais poderem afetar os comportamentos defensivos
individuais e coletivos.
Conclusão
A análise de diversas variáveis
defensivas revelou que as equipas empregam diferentes comportamentos táticos
defensivos em competição, desde pressão alta a um bloco baixo próximo da sua baliza.
O “resultado corrente do jogo” e a “qualidade da oposição” foram variáveis
contextuais que influenciaram as sequências de jogo defensivas iniciadas no
meio-campo adversário. Estes resultados contribuem para um melhor entendimento da
variabilidade dos comportamentos defensivos das equipas no decurso de um jogo de
futebol.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a Língua
Portuguesa;
2- A leitura deste texto não dispensa a leitura integral do
artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas
pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na
versão original publicada no Frontiers in Psychology.