Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Lago-Peñas, C., Lorenzo-Martinez, M., López-Del Campo, R.,
Resta, R., & Rey, E.
País: Espanha
Data de publicação: 7-março-2022
Título: Evolution of physical and
technical parameters in the Spanish LaLiga 2012-2019
Referência: Lago-Peñas, C.,
Lorenzo-Martinez, M., López-Del Campo, R., Resta, R., & Rey, E. (2022). Evolution
of physical and technical parameters in the Spanish LaLiga 2012-2019.
Science and Medicine in Football. https://doi.org/10.1080/24733938.2022.2049980
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 28 – abril de
2022.
Apresentação do problema
O futebol tem evoluído ao longo dos tempos em consequência de uma combinação de fatores: alterações no plano estratégico-tático e nas regras (e.g., regra do fora-de-jogo em 1990, restrição do guarda-redes após passe de um colega em 1992, introdução de 5 substituições em 2020); uso de novas tecnologias; aumento do profissionalismo e melhoria na preparação física, técnica e tática (Wallace & Norton, 2014; Barreira et al., 2015; Nassis et al., 2021). A análise de finais do Campeonato do Mundo da FIFA, entre 1966 e 2010, mostrou um aumento de 35% na taxa de passes por minuto e de 15% na velocidade de circulação da bola (Wallace & Norton, 2014). Analogamente, uma investigação na UEFA Champions League, entre 2009 e 2018, demonstrou que, embora não tenha havido evolução significativa nos indicadores defensivos, os jogadores executaram um maior número de passes por jogo, especialmente passes curtos (Yi et al., 2018).
Uma vez que a componente estratégico-tática afeta a performance de corrida em jogo, dados da Premier League inglesa, entre 2006/2007 e 2012/2013, também evidenciaram que a distância total percorrida pelos jogadores aumentou 2%, enquanto as distâncias de corrida em alta intensidade e em sprint aumentaram entre 30–50% (Bush et al. 2015, 2017; Bradley et al., 2016). Apesar disso, parece que exigências físicas e técnicas variam em função da posição de jogo. Comparativamente aos defesas centrais e aos médios-centro, os jogadores que atuam em posições mais ofensivas e nas alas têm aumentado mais as distâncias percorridas em corrida de alta intensidade e em sprint. Contrariamente, os jogadores do corredor central têm aumentado mais os números de tentativas de passe e de passes precisos. Conhecer os padrões evolutivos da modalidade pode ser útil para, por um lado, predizer as exigências futuras do jogo e do treino e, por outro lado, ajudar os treinadores/equipas técnicas a gerir a carga de treino para rentabilizar o desempenho dos jogadores e reduzir a taxa de lesões.
Contudo, o conhecimento existente sobre como o futebol
está a evoluir e como será o jogo no futuro é, atualmente, inconclusivo. A
maioria dos estudos que examinaram a evolução da carga externa no futebol de
elite está ultrapassada, uma vez que (i) existe pouca literatura após 2012,
(ii) baseia-se em dados da Premier League inglesa (Bush et al., 2015,
2017; Bradley et al., 2016), (iii) os parâmetros da performance competitiva
considerados devem ser mais diversificados, porque é necessário mais informação
sobre o desempenho tático-técnico e, finalmente, (iv) o número de épocas
equacionado para investigar a evolução das performances física e técnica, por
posição de jogo, deve ser alargado, de forma a melhor compreender a carreira
desportiva no futebol (Carapinheira et al., 2019). Posto isto, o propósito do estudo
consistiu em examinar a evolução física e técnica da performance no futebol, ao
longo de um período de 8 épocas na LaLiga espanhola (figura 2),
recorrendo à maior amostra de dados utilizada até à data neste âmbito.
Figura 2. Desempenho competitivo de jogadores do CF Real Madrid e do
FC Barcelona na LaLiga (fonte: istoe.com.br; imagem não publicada pelos
autores).
Amostra: foram analisados dados da performance em jogo de jogadores da primeira divisão espanhola (LaLiga), durante 8 épocas consecutivas (2012/2013–2019/2020). A amostra envolveu um total de 32775 observações individuais de 1267 jogadores. Apenas foram recolhidos dados de jogadores de campo que completaram as partidas (i.e., 90 minutos mais tempo adicional). Todas as observações individuais em jogos com uma ou mais expulsões foram excluídas da amostra. As observações foram distribuídas por 5 posições de jogo: (1) defesas centrais (CD; observações = 9089); (2) defesas laterais (ED; observações = 7876); (3) médios-centro (CM; observações = 8276); (4) médios-ala (EM; observações = 3949; (5) avançados (F; observações = 3585). As observações foram ainda categorizadas em 4 grupos, de acordo com a classificação final das equipas em cada época: (1) equipas do topo da tabela (posições 1–5; observações = 8439); (2) equipas da metade superior da tabela (posições 6–10; observações = 8035); (3) equipas da metade inferior da tabela (posições 11–15; observações = 8230); (4) equipas do fundo da tabela (posições 16–20; observações = 8071). Os dados foram obtidos da liga de futebol profissional de Espanha (LaLiga), que autorizou a utilização das variáveis incluídas no estudo.
Variáveis e procedimentos: os dados foram obtidos através de um sistema de rastreamento ótico computadorizado, com múltiplas câmaras: TRACAB (ChyronHego, Nova Iorque, EUA). O sistema utiliza uma frequência amostral de 25 Hz e os dados foram processados no software Mediacoach (LaLiga, Madrid, Espanha), cujas fiabilidade e validade foram previamente testadas (Felipe et al., 2019). Os desempenhos de corrida em jogo dos jogadores foram examinados através das seguintes variáveis: distância total percorrida (TD), distância percorrida em corrida de alta intensidade (HIR; >21.0 km/h) e número de esforços em alta intensidade. A análise da performance técnica foi realizada considerando as seguintes variáveis: número total de passes, número de passes curtos (< 30 metros), número de passes longos (> 30 metros), eficácia do passe (%), duelos aéreos, remates, interceções, desarmes e alívios.
Análise
estatística: a análise estatística foi realizada no software R,
versão 4.0.3 (R Core Team, 2020). A estatística descritiva para cada variável
foi apresentada como média ± desvio-padrão (SD). As diferenças entre
observações individuais, em função da época e da posição de jogo (época x
posição de jogo), e da época e qualidade da equipa (época x qualidade da
equipa), foram apuradas através de modelos lineares generalizados. Os
modelos foram ajustados para cada variável de performance em função do tipo de
distribuição (Gaussiana, Poisson ou negativa binominal). As assunções de
homogeneidade e de distribuição normal dos resíduos foram verificadas para cada
modelo. As comparações entre pares de épocas foram executadas mediante testes post-hoc
de Bonferroni ajustados. O d de Cohen foi calculado para estimar as
dimensões de efeito, tendo em consideração os valores de corte 0.2, 0.5 e 0.8,
que representam pequenas, médias e grandes diferenças, respetivamente (Cohen,
1988). O valor de significância definido para todas as análises foi de 5% (p
≤ 0.05).
Principais resultados
·
Variação da
performance física e técnica ao longo das 8 épocas
Na tabela 1 consta a estatística descritiva da
performance física e técnicas dos jogadores na LaLiga, de 2012/2013 a
2019/2020.
Tabela 1. Estatística
descritiva da performance em jogo dos jogadores na LaLiga, entre
2012/2013 e 2019/2020 (média ± desvio-padrão).
Legenda: Total distance – distância total; HIR – corrida de alta intensidade; Number of HIR – número de esforços de alta intensidade; Total passes – número total de passes; Short passes – passes curtos; Long passes – passes longos; Passing accuracy – eficácia do passe; Aerial duels – duelos aéreos; Shots – remates; Interceptions – interceções; Tackles – desarmes; Clearances – alívios. Nota: Significativamente diferente (p ≤ 0.05) da época 2012/2013.
Independente da posição de jogo, os futebolistas da LaLiga
apresentaram um decréscimo significativo da distância total percorrida (−3.2%).
No entanto, os jogadores não só percorreram uma maior distância em corrida de
alta intensidade em 2019/2020, comparativamente a 2012/2013, como também
realizaram um maior número de esforços de alta intensidade. No que respeita aos
parâmetros técnicos, houve aumentos significativos no número total de passes,
passes longos, eficácia do passe, duelos aéreos e interceções na época
2019/2020, relativamente à época 2012/2013. Contrariamente, os números de
remates, desarmes e alívios diminuíram significativamente.
· Diferenças por posição de jogo
Defesas centrais: a
distância total percorrida e o número de desarmes e de alívios decresceram
significativamente da época 2012/2013 para a época 2019/2020. Em sentido
inverso, a distância percorrida a alta intensidade, o número de esforços de
alta intensidade, o número total de passes, passes longos, duelos aéreos e interceções
aumentaram significativamente ao longo do tempo.
Defesas laterais: além do
decréscimo significativo na distância total percorrida, estes jogadores também
executaram menos desarmes e alívios em 2019/2020, comparativamente a 2012/2013.
Houve incrementos significativos na distância e no número de esforços de alta
intensidade, e no número de passes longos realizados.
Médios-centro: estes
jogadores aumentaram substancialmente a distância percorrida em alta
intensidade, o número de esforços de alta intensidade, os duelos aéreos e as
interceções em 2019/2020, em relação a 2012/2013; porém, registaram-se decréscimos
significativos na distância total percorrida, no número total de passes, passes
curtos, passes longos, desarmes e alívios.
Médios-ala: verificaram-se
aumentos significativos no número de esforços em alta intensidade, duelos
aéreos e interceções na época 2019/2020 (vs. 2012/2013), mas a distância total
percorrida, o número total de passes, passes curtos, passes longos, remates e
desarmes foi significativamente mais baixo volvidas 8 épocas.
Avançados: os
jogadores mais adiantados no terreno de jogo percorreram uma menor distância
total em 2019/2020, em comparação com 2012/2013, mas aumentaram
significativamente a distância percorrida e o número de esforços em alta
intensidade. Na dimensão técnica, realizaram significativamente menos passes
(total), passes curtos, remates e desarmes em 2019/2020.
· Efeitos da qualidade da equipa
Equipas do topo da tabela: percorreram significativamente menos distância total e
executaram um menor número de remates, desarmes e alívios na época 2019/2020
(vs. 2012/2013). Ao longo do tempo, estas equipas aumentaram substancialmente o
número de esforços de alta intensidade, o número total de passes, passes curtos
e eficácia do passe.
Equipas da metade superior
da tabela: comparando com 2012/2013, estas
equipas apresentaram reduções significativas na distância total percorrida,
eficácia do passe, remates, desarmes e alívios em 2019/2020. Neste período, aumentaram
a distância e o número de esforços em alta intensidade, os passes curtos e os
alívios.
Equipas da metade inferior
da tabela: entre as épocas 2012/2013 e
2019/2020, houve decréscimos substanciais na distância total percorrida,
desarmes e alívios, mas aumentos importantes no número de esforços da alta
intensidade, passes longos, eficácia do passe, duelos aéreos e interceções.
Equipas do fundo da tabela: no período analisado constataram-se reduções na
distância total percorrida, nos desarmes e nos alívios, ainda assim houve
incrementos significativos na distância percorrida em alta intensidade, no
número de esforços de alta intensidade e nas interceções.
Aplicações práticas
O estudo demonstrou que as ações de alta intensidade são fatores fulcrais no futebol profissional moderno. A evolução significativa da distância e do número de esforços de alta intensidade na LaLiga, ao longo das 8 épocas, sugere que a gestão e a melhoria da condição física dos jogadores constituem objetivos fundamentais a equacionar na conceção dos microciclos semanais. Sabe-se, por exemplo, que tarefas de corrida em alta intensidade e em sprint, passíveis de replicar as exigências físicas em competição, são um complemento valioso relativamente ao trabalho específico que é proposto pela equipa técnica no decurso da semana.
A evolução física no futebol contemporâneo é ainda caracterizada por períodos mais frequentes e densos de esforços de alta intensidade, com rácios trabalho/recuperação cada vez mais curtos entre episódios de corrida. A prescrição de tarefas de treino, mais ou menos específicas, deve almejar a melhoria da capacidade dos jogadores em repetir e recuperar de períodos de corrida em alta intensidade.
Verificou-se um decréscimo significativo da distância total percorrida pelos jogadores profissionais no período analisado, aspeto que foi comum nas diversas posições de jogo. Esta evidência pode estar relacionada com o decréscimo do tempo útil de jogo no futebol atual (Wallace & Norton, 2014), ocasionando uma menor distância percorrida. Pode, também, estar associada a melhorias na coordenação interpessoal dos jogadores (dimensão tática) nas duas fases de jogo. A evolução tática possibilita que os jogadores necessitem de correr menos sem bola, uma vez que se posicionam melhor para dar resposta aos múltiplos problemas situacionais do jogo. Assim, as equipas técnicas devem privilegiar tarefas de treino representativas (i.e., que reproduzam o que acontece em competição) e com objetivos que visem aprimorar regras de ação (princípios) claras e simples. A junção destas condições permite, por um lado, desenvolver a leitura de jogo e fomentar acoplamentos perceção-ação e, por outro lado, garantir que, perante uma dada situação contextual, os jogadores atuem complementarmente para cumprir a mesma intenção estratégico-tática, dotando o coletivo de maior eficiência.
Os resultados refletem mudanças nas tarefas específicas das diferentes posições de jogo, ao longo das 8 épocas analisadas na LaLiga, com maior destaque para os defesas centrais, que têm vindo a assumir mais responsabilidades na etapa de construção em organização ofensiva. Esta tendência tem implicações ao nível do recrutamento de jogadores no futebol profissional, designadamente defesas centrais, que além de possuírem competências defensivas excelentes, devem ainda apresentar capacidades percetivo-motoras que lhes permitam ser proficientes e regulares na execução da ação de passe.
Os dados indicam que o jogo se tem tornado mais limpo e menos agressivo (i.e., -46% de desarmes, -40,8% de alívios e +10% de interceções), sendo praticamente transversal a todas as posições de jogo. A conceção de tarefas de treino deve, por isso, equacionar esta tendência evolutiva e as recentes alterações nas Leis de Jogo, por forma a melhor preparar os jogadores e a equipa para um jogo mais rápido, fluindo e menos tolerante a contactos de risco.
A evolução técnica na LaLiga
dependeu da posição das equipas na tabela classificativa. Curiosamente, as
equipas do fundo da tabela demonstraram performances técnicas mais estáveis
entre 2012/2013 e 2019/2020. Ao contrário do que é frequentemente referido nos
meandros do treino, não está tudo inventado no futebol – o jogo está em constante
mutação! Neste sentido, as sessões de treino devem ser predominantemente compostas
por atividades abertas, suscetíveis de promover a diversidade informacional, a
variabilidade comportamental e a criatividade individual.
Conclusão
O presente estudo indicou que, no período de 8 épocas investigado,
os jogadores profissionais da LaLiga aumentaram a distância e o número
de ações em corrida de alta intensidade, embora tenham percorrido menos
distância total. Estes factos são transversais a todas as posições de jogo, mas
com variações face à qualidade das equipas apurada no final de cada época. No
global, os indicadores técnicos número total de passes, passes longos, eficácia
do passe, duelos aéreos e interceções aumentaram significativamente ao longo
das 8 épocas. Quando a classificação final foi ponderada, as equipas do topo e
da metade inferior da tabela mostraram incrementos mais substanciais na
eficácia do passe. De todas as posições de jogo, foi nos defesas centrais que
se verificou a maior evolução técnica, com uma participação mais acentuada na
fase de organização ofensiva do jogo na atualidade. As tendências evolutivas
observadas entre 2012/2013 e 2019/2020 podem ser atribuídas a mudanças graduais
nos estilos de jogo, à evolução da preparação física dos jogadores e a alterações
das missões táticas específicas nas diversas posições de jogo.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista Science and Medicine in Football.