21/07/2022

Artigo do mês #31 – julho 2022 | Como podem os treinadores melhorar a performance coletiva da sua equipa? A influência da mudança do dispositivo tático durante o jogo no futebol profissional

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

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Autores: Forcher, L., Forcher, L, Jekauc, D., Wäsche, H., Woll, A., Gross, T., & Altmann, S.

País: Alemanha

Data de publicação: 9-junho-2022

Título: How coaches can improve their teams’ match performance – The influence of in-game changes of tactical formation in professional football

Referência: Forcher, L., Forcher, L, Jekauc, D., Wäsche, H., Woll, A., Gross, T., & Altmann, S. (2022). How coaches can improve their teams’ match performance – The influence of in-game changes of tactical formation in professional football. Frontiers in Psychology, 13, 914915. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.914915

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 31 – julho de 2022.

 

Apresentação do problema

A literatura científica contemporânea tem enfatizado a importância das performances táticas ofensivas e defensivas de jogadores individualmente, de grupos de jogadores (e.g., setor defensivo) e da equipa como um todo, sugerindo a existência de excelentes oportunidades de pesquisa no que respeita ao desempenho em competição (Lepschy et al., 2018; Goes et al., 2020; Forcher et al., 2022a). Paralelamente, o interesse sobre a influência de fatores estratégico-táticos no desempenho no futebol tem aumentado bastante nos últimos tempos (Modric et al., 2020; Vilamitjana et al., 2021). 

Os fatores estratégico-táticos mais investigados e que, tipicamente, afetam a performance dos futebolistas durante o jogo são a posição em que atuam e o dispositivo tático (i.e., estrutura tática de base). Hoje em dia, é amplamente reconhecido que a posição de jogo tem um impacto substancial no desempenho técnico e físico em competição (Dolci et al., 2000). Por outro lado, o dispositivo tático de uma equipa influi não apenas no desempenho individual do jogador, mas, também, à escala coletiva (figura 2). As equipas que jogam em dispositivos com 3 defesas centrais (e.g., 3-5-2) tendem a gerar maiores exigências físicas em comparação com equipas que atuam com 2 defesas centrais (e.g., 4-4-2; Forcher et al., 2022b). Ao nível da performance técnica, os jogadores dispostos em 4-4-2 tendem a executar mais passes que em qualquer outro dispositivo tático (Bradley et al., 2011; Arjol-Serrano et al., 2021). Já numa perspetiva tática, as equipas dispostas em 3-5-2 podem ser mais compactas e, consequentemente, exercer uma pressão mais efetiva sobre a equipa adversária do que as equipas organizadas em 4-4-2 (Memmert et al., 2019).

 

Figura 2. Alguns dos dispositivos táticos propostos no futebol contemporâneo (fonte: dreamstime.com; imagem não publicada pelos autores).

 

Os trabalhos prévios que examinaram os efeitos do dispositivo tático na performance em jogo têm características distintas do presente estudo. Em primeiro lugar, focaram-se nos efeitos de mudanças de dispositivo tático que ocorreram entre 2 ou mais jogos. Em segundo lugar, a maioria desses estudos analisou variáveis físicas e técnicas que descrevem a performance durante o jogo, não estando diretamente relacionada com a obtenção de sucesso. Por último, essas investigações lidaram com performances individuais dos jogadores e não com unidades de análise que retratam desempenhos coletivos da própria equipa e/ou e da equipa adversária. Para colmatar estas lacunas, este estudo considerou as alterações do dispositivo tático em cada jogo – algo que, segundo o conhecimento dos autores, ainda não foi realizado até à data –, propondo uma análise diretamente associada à obtenção de sucesso e com unidades de análise (sequências ofensivas) que refletem o esforço coletivo da própria equipa e do conjunto oponente. 

O propósito do estudo foi examinar os efeitos de mudanças de dispositivo tático durante o jogo nas performances coletivas ofensivas da própria equipa e da equipa adversária (i.e., golos, oportunidades de golo e entradas em zonas de finalização). Além disso, os autores procuraram identificar possíveis diferenças entre treinadores nos efeitos decorrentes da modificação do dispositivo tático. Os resultados do estudo podem ajudar a detetar o impacto de alterações estratégico-táticas no decurso do jogo e avaliar diferenças na atuação dos treinadores em competição.

 

Métodos

Desenho do estudo: foram analisadas 3 épocas consecutivas (2018/19 – 2021/22) de uma equipa profissional a competir na Bundesliga (principal liga de futebol alemã). Todos os jogos da equipa foram observados para detetar as alterações no dispositivo tático. De modo a quantificar a alteração de dispositivo tático e a respetiva influência na performance da equipa foram efetuadas duas comparações: (1) entre jogos com alteração de dispositivo tático e sem qualquer mudança a esse nível; (2) análise dos efeitos da mudança de estrutura no próprio jogo, comparando os 10-min prévios à mudança com os 10-min após a modificação de dispositivo tático. A avaliação foi feita ao nível das sequências ofensivas, quantificando, em cada um dos períodos de 10-min, os golos marcados, as oportunidades de golo e as entradas em zonas de finalização para a equipa investigada e para a equipa adversária. 

Amostra: 98 jogos de um clube da Bundesliga que, nas 3 épocas consideradas, teve 3 treinadores distintos. Em duas das 3 épocas, a equipa também participou em competições europeias (UEFA Champions League e UEFA Europa League). Na segunda época (2019/20), o treinador apenas esteve presente em 30 das 34 jornadas do campeonato alemão, pelo que os últimos 4 jogos foram excluídos da amostra. Nas restantes épocas, os treinadores orientaram a equipa até ao final. Os dados foram recolhidos da plataforma online Wyscout (Wyscout, Chiavari, Itália). 

Procedimentos: o dispositivo tático foi definido como a distribuição dos jogadores no terreno de jogo e apenas foi observado em períodos controlados de construção de jogo, quer para a equipa sob investigação, quer para a equipa oponente. Por norma, a distribuição dos jogadores é feita pelos setores defensivo, intermédio e ofensivo, referenciando-se numericamente como, por exemplo, 4-4-2 (4 defesas, 4 médios e 2 avançados); a inclusão do guarda-redes antes: 1-4-4-2, é opcional. Foram ainda distinguidos dispositivos táticos defensivos, quando a equipa não tinha a posse de bola (fase defensiva) e quando a equipa tinha a posse de bola (fase ofensiva). A mudança de estrutura foi avaliada, independentemente, por 2 vídeo-analistas experientes; qualquer interpretação discordante foi discutida até se alcançar consenso. A alteração de dispositivo tático foi registada se a equipa analisada modificasse somente a estrutura ofensiva, somente a estrutura defensiva ou ambas em simultâneo. Para contabilizar a alteração estrutural, e o respetivo tempo de ocorrência, o novo dispositivo tático tinha de ser mantido, no mínimo, durante 2 processos ofensivos consecutivos. 

Variáveis de performance: a performance foi avaliada à escala coletiva, analisando 3 indicadores de performance que medem o sucesso de cada sequência ofensiva: golos, oportunidades de golo e entradas em zona de finalização. Estes 3 indicadores de performance foram registados tanto para a equipa em análise, como para a equipa oponente, resultando num total de 6 variáveis de performance. Uma oportunidade de golo foi definida como qualquer remate ou cabeceamento executado na área de penálti na direção da baliza adversária (Tenga et al., 2010). Adicionalmente, qualquer remate de fora da área de penálti que originasse uma defesa do guarda-redes adversário também foi contabilizado como oportunidade de golo. A zona de finalização foi definida como a zona do campo que se estende ao redor da área de penálti contrária (figura 3). Uma entrada na zona de finalização foi registada se (1) qualquer jogador atacante tocasse a bola na zona de finalização, estando orientado para a baliza adversária e (2) qualquer jogador atacante, orientado para a baliza adversária, tivesse um máximo de 6 defensores à sua frente, mesmo que não estivesse dentro dessa zona de finalização.

 

Figura 3. Representação esquemática da zona de finalização (Forcher et al., 2022).

 

A figura 4 oferece-nos uma representação visual da operacionalização do desenho do estudo na prática. É de destacar que o nível de acordo entre os 2 analistas foi bastante elevado (Cohen’s Kappa = 0.94).

 

Figura 4. Representação visual da operacionalização metodológica do estudo (Forcher et al., 2022).

 

Análise estatística: a distribuição normal foi avaliada para todas as variáveis através de testes Kolmogorov-Smirnov. Como nem todas as variáveis tinham distribuição normal, foram conduzidos testes não paramétricos. Para analisar as diferenças entre os 3 treinadores, cada época foi considerada em separado. Primeiro, a comparação entre jogos com modificações de dispositivo tático e jogos sem alterações estruturais foi executada através de testes Mann-Whitney-U. Segundo, as diferenças entre os 10-min prévios à alteração de dispositivo tático e os 10-min seguintes foram apuradas através de testes de Wilcoxon (para amostras emparelhadas). Foi calculado o d de Cohen para determinar a magnitude das diferenças amostrais (dimensão de efeito), tendo por base os seguintes valores de corte: pequena (0.2 – 0.5), média (0.5 – 0.8) e grande (≥ 0.8) (Cohen, 1988). Todas as análises estatísticas foram executadas no software IBM SPSS v. 25. Devido ao reduzido número esperado de alterações de dispositivo tático durante os jogos por época, os autores reportaram os resultados mencionando, preferencialmente, as dimensões de efeito e não os valores de p.

 

Principais resultados

Os resultados estão organizados por época, correspondente ao período de orientação de um treinador, e na totalidade das 3 épocas.

 

·     Época 1 (2021/22)

Esta época englobou 9 jogos com mudança de dispositivo tático. Das 9 ocasiões, 8 foram registadas na segunda parte (tempo médio: 64:11 ± 15:57). Sete alterações de estrutura foram simultaneamente ofensivas e defensivas, enquanto apenas uma se associou a mudanças estritamente ofensivas ou defensivas. Os jogos com mudança de dispositivo tático (vs. jogos sem alteração) estiveram associados a menos oportunidades de golo e entradas na zona de finalização para a equipa oponente (dimensão de efeito pequena). A equipa investigada aumentou o número de golos, oportunidades de golo e entradas na zona de finalização nos 10-min subsequentes à alteração (dimensão de efeito grande). Por sua vez, também permitiu menos oportunidades de golo e entradas na sua zona de finalização nos 10-min após a mudança de estrutura, comparativamente ao período homólogo (10-min) anterior, sem mudança de estrutura tática (dimensão de efeito grande).

 

·     Época 2 (2019/20)

A época 2019/20 teve 10 jogos com uma mudança de dispositivo tático e 1 jogo com duas mudanças de estrutura, resultando em 11 observações. Estas mudanças estratégico-táticas ocorreram todas na segunda parte, em média ao minuto 55:82 ± 13:20. Cinco alterações foram simultaneamente ofensivas e defensivas, 2 apenas na estrutura defensiva e 4 restritas à distribuição ofensiva dos jogadores. Nos jogos com mudança de dispositivo tático houve mais entradas da equipa na zona de finalização e golos oponentes, e menos oportunidades de golo para a própria equipa e para a equipa adversária, relativamente aos jogos sem qualquer alteração do dispositivo tático (dimensão de efeito pequena). Apesar disso, a equipa marcou mais golos, criou mais ocasiões de golo e concedeu menos golos à equipa adversária nos 10-min seguintes à mudança de estrutura, relativamente aos 10-min anteriores, o que sugere uma influência positiva na performance coletiva.

 

·     Época 3 (2018/19)

Nesta época observaram-se 22 jogos com uma mudança de estrutura tática e 6 com duas ou mais alterações estruturais. Vinte e três modificações surgiram na segunda parte, em média, ao minuto 55:46 ± 17:45. Dezasseis mudanças foram, concomitantemente, ofensivas e defensivas, 8 ocorreram apenas na distribuição defensiva dos jogadores e 4 foram realizadas na fase ofensiva do jogo. A equipa analisada produziu mais entradas em zonas de finalização com alteração estrutural, em relação aos jogos sem modificação da distribuição dos jogadores pelo terreno de jogo (dimensão de efeito pequena). A mudança de dispositivo tático não afetou os parâmetros golos marcados, golos marcados pelos adversários, oportunidades criadas pelos adversários e entradas em zona de finalização dos adversários nos 10-min subsequentes à modificação estratégico-tática. Apenas a entrada em zonas de finalização e as oportunidades de golo foram positivamente influenciadas pela alteração da estrutura tática nos 10-min seguintes (dimensão de efeito média).

 

·     Totalidade das 3 épocas

Ao longo das 3 épocas, a equipa marcou mais golos, criou mais oportunidades de golo e entrou mais vezes na zona de finalização nos 10-min após a mudança de estrutura tática (vs. nos 10-min antes da mudança; dimensão de efeito média). Analogamente, a equipa concedeu menos golos, oportunidades de golo e entradas na zona de finalização ao redor da sua área de penálti nos 10-min seguintes à mudança de estrutura tática, em relação aos 10-min prévios à modificação estratégico-tática (dimensão de efeito pequena). Os dados sugerem que o sucesso das alterações de dispositivo tático variou em função do treinador responsável (época 1: dimensão de efeito = 0. 71; época 2: dimensão de efeito = 0.26; época 3: dimensão de efeito = 0.22).

 

Aplicações práticas

Na generalidade, a mudança de dispositivo tático levou a uma melhoria da performance competitiva da equipa analisada, sendo as oportunidades de golo criadas a variável mais potenciada. As evidências indicam que a mudança de dispositivo tático durante o jogo pode ajudar a melhorar a performance das equipas em competição. A alteração da distribuição dos jogadores pelo campo conduz, inevitavelmente, a uma nova orientação estratégico-tática da equipa, ocasionado nas equipas oponentes incertezas e desafios táticos, nas fases ofensiva e defensiva do jogo, que podem e devem ser aproveitados para benefício próprio. 

Se um treinador pretende alterar algo quando se depara com uma performance insuficiente dos seus jogadores, a mudança de dispositivo tático constitui um meio passível de influenciar a performance competitiva individual e/ou coletiva. Contudo, os efeitos produzidos pela mudança de estrutura tática variam de treinador para treinador. Por exemplo, no presente estudo o treinador da época 1 foi mais assertivo e eficaz nestas modificações estratégico-táticas, comparativamente aos treinadores das épocas 2 e 3, ainda que tenha sido aquele que menos vezes alterou o dispositivo tático. Por isso, é fundamental que as estruturas propostas – como pontos de partida para a implementação de dinâmicas adaptadas aos múltiplos contextos de jogo –, devam ser devidamente trabalhadas nas sessões de treino, preferencialmente equacionando as duas fases (organização ofensiva e organização defensiva) e os 2 momentos do jogo (transição ofensiva e transição defensiva). 

Há sempre um motivo, um cenário de jogo, associado à modificação do dispositivo tático. Enquanto os treinadores das épocas 1 e 2 alteraram a distribuição dos jogadores pelo terreno de jogo quando a equipa teve um desempenho abaixo do normal, o treinador da época 3 mudou mais frequentemente a estrutura tática (n = 28), independentemente da performance da equipa. Este treinador recorreu à mudança estrutural como fator estratégico-tático para criar incerteza e inadaptação nas equipas contrárias, pelo que o maior número de ajustes executados pode ter esbatido os respetivos efeitos na performance coletiva. Este tipo de análise pode auxiliar a detetar padrões na intervenção dos treinadores em jogo, o que permite antecipar opções estratégico-táticas adversárias e, com isso, promover uma melhor preparação da equipa para determinados cenários competitivos. Estar um passo à frente dos adversários em eventos em que o equilíbrio competitivo é nota dominante aproxima qualquer treinador, equipa ou clube do êxito.

 

Conclusão

Este estudo providencia uma nova perspetiva sobre os efeitos da mudança de dispositivo tático durante o jogo no futebol profissional. Houve alterações estratégico-táticas desta natureza em 43% dos jogos analisados na Bundesliga alemã. As mudanças estruturais foram utilizadas por treinadores distintos no mesmo clube, ainda que para diferentes propósitos e com grau de sucesso variado. Ao longo das 3 épocas mudar de dispositivo tático ajudou a equipa a superar uma performance mediana, ou abaixo do desejável, nos 10-min subsequentes à sua implementação. Os autores identificaram os diferentes cenários competitivos que desencadearam as alterações estruturais durante o jogo, sendo o treinador da época 1 (2021/22) o mais efetivo. As evidências demonstram a enorme importância da tomada de decisão dos treinadores no decurso de jogos oficiais no futebol profissional.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Frontiers in Psychology.