27/11/2023

Artigo do mês #47 – novembro 2023 | Efeitos de diferentes durações de recuperação nas medidas de carga externa e interna em jogos reduzidos de futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: de Dios-Álvarez, V., Padrón-Cabo, A., Lorenzo-Martínez, M., & Rey, E.

País: Espanha

Data de publicação: 11-outubro-2023

Título: Effects of different recovery duration on external and internal load measures during bouts of small-sided games

Referência: de Dios-Álvarez, V., Padrón-Cabo, A., Lorenzo-Martínez, M., & Rey, E. (2024). Effects of different recovery duration on external and internal load measures during bouts of small-sided games. Journal of Human Kinetics, 90, 1–8. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/169520

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 47 – novembro de 2023.

 

Apresentação do problema

Os jogos reduzidos constituem uma forma de exercício de treino comum, que tem ganho popularidade entre equipas de futebol amadoras e profissionais (Hill-Haas et al., 2011). Estes jogos representam uma solução útil para melhorar a eficácia do treino (Clemente et al., 2019), uma vez que estimulam a tomada de decisão e aspetos fisiológicos, físicos e técnicos (Sarmento et al., 2018). Além disso, este tipo de tarefa permite analisar como os jogadores gerem as suas relações espaciotemporais com os colegas de equipa e os oponentes, aquando da emergência de padrões de jogo em diferentes níveis de rendimento (Travassos et al., 2013). 

A manipulação de variáveis como o número de jogadores (Aguiar & Botelho, 2013), a dimensão do campo (Casamichana & Castellano, 2010), a presença de guarda-redes (Hulka et al., 2016), a inclusão de “jokers” (Sanchez-Sanchez et al., 2017), o número de contactos permitidos por jogador (Dellal et al., 2011), o resultado do jogo (Lorenzo-Martínez et al., 2020) e a duração da recuperação entre repetições (Köklü et al., 2015) pode influenciar as respostas fisiológicas (i.e., frequência cardíaca, FC; consumo de oxigénio; níveis de lactato sanguíneo; perceção subjetiva de esforço, PSE) durante os jogos reduzidos (Branquinho et al., 2021a). Por exemplo, a redução da dimensão do campo, ou o aumento do número de jogadores, podem conduzir a uma maior intensidade da tarefa e aumentar a exigência fisiológicas sobre os jogadores (Aguiar & Botelho, 2013; Casamichana & Castellano, 2010). 

Mais concretamente, a manipulação do tempo de recuperação também pode afetar as respostas fisiológicas dos jogadores, com períodos de recuperação mais curtos a induzir um aumento da fadiga e a diminuição do desempenho (Branquinho et al., 2020a). Aliás, a modificação deste fator pode ser globalmente caracterizada como contínua, onde o exercício é realizado sem pausas ou intervalos, ou fracionada, onde o exercício é repetido com períodos de descanso entre cada jogo (Branquinho et al., 2020b). No entanto, apesar da importância da duração da recuperação entre jogos reduzidos, pouca atenção tem sido dada ao impacto de diferentes períodos de recuperação nas cargas externa e interna ocasionadas nos futebolistas no decurso de jogos reduzidos (Branquinho et al., 2021b; Köklü et al., 2015). 

Branquinho et al. (2021b) avaliaram o impacto de diferentes tempos de recuperação durante jogos reduzidos 5v5 com guarda-redes (Gr). Os autores verificaram que tempos de recuperação curtos (30s) resultaram numa carga externa significativamente mais elevada em jogadores semiprofissionais, comparativamente a tempos de recuperação mais longos. Foram observados resultados semelhantes para a carga interna, com valores mais elevados em jogos reduzidos com tempos de recuperação mais curtos entre repetições. No entanto, McLean et al. (2016) não encontraram diferenças nas medidas de carga externa entre tempos de recuperação de 30s e 120s em futebolistas profissionais. Estes autores mostraram, sim, diferenças significativas na FC, com valores mais elevados nos intervalos de 30s, em relação aos de 120s. Estas evidências sugerem que períodos curtos de recuperação podem resultar numa carga interna mais pronunciada. 

Até à data, os autores sustentam que os efeitos da duração da recuperação entre jogos reduzidos com Gr apenas foram investigados numa ocasião (Branquinho et al., 2021b). Em virtude desta escassez de pesquisas, é necessária mais produção científica para determinar a duração de recuperação ideal no desempenho subsequente em jogos reduzidos. Assim, o objetivo do estudo passou por analisar o impacto de diferentes períodos de recuperação entre repetições de jogos reduzidos 4v4 com Gr em variáveis de carga externa e interna (Branquinho et al., 2021b; McLean et al., 2016).

 

Métodos

Participantes: 16 jogadores semiprofissionais do género masculino (idade: 24.8 ± 6.8 anos; estatura: 179.1 ± 6.1 cm; massa corporal: 74.6 ± 7.5 kg), de duas equipas militantes na 3.ª divisão espanhola. No global, os participantes tinham 19.4 ± 4.0 anos de treino sistemático no futebol e cumpriam um regime de treino com 4 sessões semanais, de 90 minutos e 1 jogo oficial ao fim de semana. 

Procedimentos: os jogadores participaram em 3 sessões de treino de jogos reduzidos com diferentes períodos de recuperação entre eles: sessão 1 (recuperação longa, 4-min), sessão 2 (recuperação média, 2-min) e sessão 3 (recuperação curta, 1-min). Cada sessão consistiu em jogos reduzidos Gr+4v4+Gr, com 4 repetições de 4 minutos cada, após um aquecimento estandardizado de 20-min. O protocolo experimental foi realizado no decurso do período competitivo, com mais de 72 horas antes ou depois do último jogo e com um intervalo mínimo de 48 horas entre as sessões. Todas as sessões decorreram às 21:00 em relvado artificial, num campo de 30x25m (94 m2/jogador, excluindo os Gr; figura 2) e sem chuva. Os jogadores foram distribuídos em equipas equilibradas, compostas por defesas, médios e avançados, não se alterando ao longo da experiência. Os participantes estavam a par das regras dos jogos, que incluíam o recomeço a partir do Gr e a ausência da regra do fora de jogo. Os jogos reduzidos foram realizados com encorajamento do treinador e do preparador físico.

 

Figura 2. Formato de jogo reduzido proposto no estudo: Gr+4v4+Gr (30x25m) (imagem não publicada pelos autores).

 

Recolha dos dados: os dados inerentes à carga externa dos jogadores durante os jogos reduzidos foram recolhidos mediante um dispositivo portátil de GPS de 10 Hz (Playertek, Catapult Innovations, Melbourne, Austrália). As variáveis de corrida obtidas do GPS foram a distância total percorrida (m) e a distância percorrida (m) em 4 níveis diferentes de velocidade (Lorenzo-Martínez et al., 2020): corrida de baixa intensidade (0–6.9 km/h), corrida de média intensidade (7.0–12.9 km/h), corrida de alta intensidade (13.0–17.9 km/h) e sprint (≥18.0 km/h). Foram ainda obtidos o número total de acelerações e desacelerações (Akenhead et al., 2013) e outras medidas globais de carga, como o power score (w/kg; baseado nos níveis de velocidade alcançados e nas taxas de aceleração ao longo da sessão), a carga individual (baseada na taxa instantânea de mudança das medidas triaxiais do acelerómetro; Bredt et al., 2020), rácio esforço:repouso (representa a percentagem do tempo que um jogador corre acima de 5.4 km/h) e a potência metabólica elevada (traduz o número de esforços que excedem os 20 w/kg). A carga interna dos jogadores foi quantificada através da escala de Foster de 0 a 10, de forma a registar o esforço percebido imediatamente após cada repetição de jogo reduzido (Foster et al., 2001). Cada jogador avaliou o seu esforço individualmente. Todos os participantes estavam familiarizados com a escala de PSE, pois já a haviam utilizado em treino. 

Análise estatística: todas as análises estatísticas foram realizadas através do software estatístico R, versão 4.2.1 (R Core Team, 2020).  Os resultados foram apresentados como médias e desvios-padrão. Os efeitos dos diferentes tempos de recuperação entre jogos reduzidos nas variáveis de carga externa foram comparados através de um modelo linear misto, utilizando o pacote R “lme4” (Bates et al., 2015). A identidade do jogador foi modelada como efeito aleatório. O quadrado eta parcial foi calculado como uma medida de dimensão do efeito, de acordo com os seguintes valores de corte: pequeno (≥ 0.01), médio (≥ 0.059) e grande (≥ 0.138) (Cohen, 1988). Além disso, após a verificação das assunções de homogeneidade e normalidade, foi realizada uma comparação de pares através do teste de Bonferroni. Para comparações de pares significativas, foram calculadas as dimensões de efeito, utilizando os critérios de Cohen (1988): trivial (d < 0.2), pequeno (0.2 ≤ d < 0.5), médio (0.5 ≤ d < 0.8) e grande (d > 0.8). A homogeneidade das variâncias foi examinada usando o teste de Levene. Para todas as análises, o nível de significância foi estabelecido em p < 0.05.

 

Principais resultados

A tabela 1 exibe a estatística descritiva das variáveis de carga externa e interna consideradas no estudo, enfatizando, também, as diferenças significativas entre os jogos reduzidos com diferentes períodos de recuperação. 

 

Tabela 1. Diferenças nas variáveis de carga externa e de carga interna dos jogadores, em função da duração dos períodos de recuperação entre os jogos reduzidos (média ± desvio-padrão) (adaptado de de Dios-Álvarez et al., 2023).

Legenda: JR 1-min: jogos reduzidos com períodos de recuperação de 1 minuto; JR 2-min: jogos reduzidos com períodos de recuperação de 2 minutos; JR 4-min: jogos reduzidos com períodos de recuperação de 4 minutos. ^ Diferença significativa entre JR 1-min e JR 2-min. # Diferença significativa entre JR 1-min e JR 4-min.

 

·     Carga externa

Os resultados mostraram um decréscimo significativo do número total de acelerações nos jogos reduzidos com 1-min de pausa, comparativamente aos jogos reduzidos com 2-min de pausa (dimensão de efeito média) e com 4-min de pausa (dimensão de efeito grande). De modo idêntico, também houve um decréscimo significativo do número total de desacelerações nos jogos reduzidos com períodos de recuperação mais curtos (1-min), em relação aos períodos de recuperação de 2-min (dimensão de efeito média) e de 4-min (dimensão de efeito grande). Contudo, entre os diversos períodos de recuperação, não foram identificadas diferenças significativas para a distância total percorrida, para as distâncias percorridas em diferentes níveis de intensidade, para as medidas de potência metabólica e para o rácio esforço-repouso. 

No caso dos jogos reduzidos com 1-min de recuperação, os valores médios foram ligeiramente mais elevados nas distâncias percorridas a andar e em alta intensidade. Nas situações jogadas com períodos de recuperação de 2-min, as médias foram ligeiramente mais elevadas nas seguintes variáveis: distância total, distâncias percorridas em intensidades baixa e moderada, carga individual e rácio esforço-repouso. A velocidade máxima atingida e o power score foram, no cômputo geral, similares.

 

·     Carga interna

Os jogos reduzidos com períodos de recuperação de 2-min demonstraram valores médios significativamente mais elevados que os jogos com 1-min de recuperação (dimensão de efeito grande).

 

Aplicações práticas

Os resultados obtidos permitiram formular 4 sugestões práticas passíveis de serem implementadas por treinadores de futebol em contexto de treino:

 

1. Jogos reduzidos para treinar em regime de força específica: indiretamente, os resultados comprovam que jogos reduzidos com um número de jogadores (≤ 5 elementos) e áreas de jogo individuais mais reduzidos (< 100 m2/jogador) são indicados para trabalhar em regime de força específica, já que exigem, predominantemente, mais esforços explosivos.

 

2. Intervalo ótimo de recuperação para ações explosivas: os treinadores devem propor períodos de recuperação mais longos (i.e., em torno dos 4-min) entre repetições de jogos reduzidos para aumentar a capacidade dos jogadores em executar ações explosivas de alta intensidade, como acelerações e desacelerações. Períodos mais longos favorecem a ressíntese de fosfocreatina, um fator crucial para a produção de energia em atividades intermitentes e, especialmente, para ações de alta intensidade.

 

3. Intervalos curtos de recuperação em jogos reduzidos: a redução do período de recuperação para intervalos curtos (1-min) tem um efeito negativo na performance física. Em termos gerais, períodos de pausa muito curtos resultam em menores distâncias percorridas em intensidades moderadas e numa performance neuromuscular menos conseguida.

 

4. Tomar em consideração os objetivos específicos para a sessão de treino: quando a performance física objetivada nos jogos reduzidos implica mais atividades curtas de alta intensidade, os treinadores devem optar por períodos de recuperação mais longos (3 ou 4-min); contudo, quando a intenção passa por alcançar distâncias totais e de alta intensidade mais elevadas, um período de recuperação mais curto (2-min) parece ser apropriado. A escolha da duração da recuperação deve estar alinhada com os objetivos específicos da sessão de treino.

 

Conclusão

Este estudo destaca a importância da gestão do tempo de recuperação durante jogos reduzidos para melhorar as cargas externa e interna de jogadores de futebol. Os resultados indicam que futebolistas semiprofissionais tendem a executar mais acelerações e desacelerações quando os períodos de recuperação entre jogos reduzidos são mais longos (4-min). Para além disso, e quiçá paradoxalmente, a redução do tempo de recuperação entre repetições induziu valores mais baixos no esforço percebido pelos jogadores, em particular nas pausas de 1-min.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.

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