Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Wei, X., Shu, Y., Liu, J., Chmura, P., Randers, M. B.,
& Krustrup, P.
País: China
Data de publicação: 12-fevereiro-2024
Título: Analysing substitutions in
recent World Cups and European Championships in male and female elite football
– influence of new substitution rules
Referência: Wei, X., Shu, Y., Liu, J., Chmura, P., Randers, M. B.,
& Krustrup, P. (2024). Analysing substitutions in
recent World Cups and European Championships in male and female elite football
– influence of new substitution rules. Biology
of Sport, 41(3), 267–274. https://doi.org/10.1080/02640414.2024.2309814
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 52 – abril de
2024.
Apresentação do problema
Uma das adaptações estratégico-táticas mais comuns feitas pelos treinadores de futebol durante os jogos passa pela realização de substituições, que podem ser utilizadas para modificar o dispositivo tático, promover mudanças no estilo de jogo da equipa ou manter níveis elevados de performance física, de modo a alcançar as intenções da equipa técnica (Siegle & Lames, 2012; Reilly et al., 2008). Na realidade, a competência dos substitutos é frequentemente considerada como um indicador de qualidade de uma equipa (Gómez et al., 2016; Hills et al., 2018). Em 2020, a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) adotou a regra das 5 substituições para salvaguardar a condição física e a saúde dos jogadores de elite durante e após a pandemia de COVID-19, e essa regra tem sido mantida desde então. Com base nesta mudança de regra e no aumento da intensidade dos jogos de futebol (Barnes et al., 2014; Ekstrand et al., 2022), Nassis e colegas (2020, 2022) previram que os substitutos se tornariam ainda mais importantes no futebol do futuro, pelo que os treinadores devem ter esse fator em consideração. Neste contexto, é essencial estudar as características das substituições no futebol moderno.
Através da análise de movimento-tempo, Bradley et al.
(2014) e Carling et al. (2009) constataram que os substitutos correm mais em
alta intensidade, tanto em termos de corrida acumulada, como em períodos de
pico de intensidade. A nível situacional, Janusiak et al. (2024) verificaram
que a diferença na distância de sprint entre titulares e substitutos foi maior
no final do jogo, entre os 90 e os 95 minutos. Apesar de os substitutos
entrarem em campo com intensidades de corrida mais elevadas, a carga física
acumulada tende a ser consideravelmente menor do que a dos titulares devido ao
menor tempo de exposição ao esforço (Gualtieri et al., 2020; Sydney et al.,
2023). Mais recentemente, a investigação tem demonstrado que, sob a nova regra
das 5 substituições, as equipas têm um aumento geral no desempenho de corrida, reduzindo,
porém, a carga física global e a perceção subjetiva de esforço (Kobal et al.,
2022; López-Valenciano et al., 2023; Meyer & Klatt, 2023). Este aspeto é
particularmente importante em períodos congestionados de jogos (Tønnessen et
al., 2013), enfatizando a importância de se executar múltiplas substituições
(figura 2).
Figura 2. Múltiplas substituições sob a nova regra que estabelece
um máximo de 5 por jogo (fonte: https://www.express.co.uk/) (imagem não publicada pelos
autores).
Mediante a caracterização estratégico-tática das substituições, Del Corral et al. (2008) e Bradley et al. (2014) identificaram que, na LaLiga e na Premier League, as substituições ocorrem principalmente na segunda parte do jogo e mais frequentemente envolvendo médios. Os resultados mostraram ainda que as substituições na LaLiga ocorrem mais cedo do que na Premier League, e que os defensores são substituídos mais tarde em comparação com os atacantes (Del Corral et al., 2008). Especificamente, o tempo médio de jogo para os substitutos nas equipas da Ligue 1 francesa foi de 23 a 25 minutos (Carling et al., 2010), o que significa que as substituições ocorrem, em média, por volta dos 70 minutos. Além disso, os investigadores comprovaram que as equipas em desvantagem no marcador fazem substituições mais cedo no jogo por motivos estratégicos (Del Corral et al., 2008; Myers, 2012), apresentando maiores probabilidades de alterar o resultado ao realizar as 3 substituições antes dos minutos 58, 73 e 79, respetivamente (Myers, 2012). As substituições tardias são, por vezes, efetuadas para colocar em campo jogadores para os desempates por grandes penalidades, havendo alguma evidência que suporta esta prática (McGarry & Franks, 2000).
No futebol masculino e feminino, os/as jogadores/as possuem diferentes capacidades e performances físicas (Sonesson et al., 2022; Pappalardo et al., 2021), sendo que as futebolistas tendem a experienciar fadiga mais cedo no jogo, comparativamente com os homens (Krustrup et al., 2005, 2010). Assim, os treinadores podem adotar estratégias de substituição distintas consoante o sexo dos jogadores. Até ao momento, não foi estudada a existência de diferenças entre o timing, o número ou a importância das substituições no futebol de elite masculino e feminino. No entanto, dados recentes sugerem que o futebol masculino é caracterizado por mais corridas de alta intensidade sob a regra de 5 substituições, o mesmo não se verificando no futebol feminino (Ayabe et al., 2022; López-Valenciano et al., 2023; Kobal et al., 2022). Por outro lado, os jogos em torneios internacionais tendem a ser fisicamente mais exigentes, também devido ao calendário mais congestionado (Modric et al., 2023). Neste caso, uma boa rotatividade do plantel é fundamental para o desempenho global da equipa, especialmente para os jogadores mais sobrecarregados (Kołodziejczyk et al., 2021). Portanto, justifica-se que seja realizada uma investigação específica sobre substituições em torneios internacionais.
Assim, os objetivos deste estudo foram analisar as
características das substituições e da marcação de golos nos Mundiais e
Europeus de futebol masculino e feminino nos últimos 10 anos, em relação a
diferentes regras, sexos, fases, torneios, tempo de jogo regular e desempates
por grandes penalidades.
Métodos
Amostra: foram analisados um total de 549 jogos e 3738 substituições englobando os Campeonatos do Mundo da FIFA femininos de 2015, 2019 e 2023, os Campeonatos do Mundo da FIFA masculinos de 2014, 2018 e 2022, os Campeonatos Europeus da UEFA femininos de 2013, 2017 e 2022, bem como os Campeonatos Europeus da UEFA masculinos de 2016 e 2020. A regra das 5 substituições foi aplicada em 39,1% e 37,3% do total de partidas examinadas para homens e mulheres, respetivamente. Os dados foram recolhidos dos sites oficiais da FIFA (www.fifa.com) e da UEFA (www.uefa.com) e transferidos para um ficheiro Excel.
Procedimentos: os dados dos substitutos (i.e., suplentes utilizados) para os diferentes resultados dos jogos (vitória, empate e derrota), fases (grupos e a eliminar), sexos (masculino e feminino) e regras de substituição (3 e 5) foram comparados e analisados separadamente. O tempo médio de substituição foi calculado como a soma total dos tempos de substituição para todos os substitutos dividida pelo número total de substituições. O tempo da primeira substituição foi registado quando o primeiro substituto entrou em campo. Ao comparar o tempo médio das substituições e o número médio de minutos de jogo para os substitutos, os dados dos prolongamentos (tempos extra) foram excluídos para evitar confusão (Liu et al., 2015, 2020). No entanto, os golos dos substitutos no tempo extra foram incluídos na caracterização dos golos. Adicionalmente, o resultado após o tempo de jogo regulamentar foi utilizado como o resultado do jogo. Os golos dos substitutos foram ainda categorizados como golos com ou sem impacto no resultado final, em função de o resultado do jogo ter ou não mudado com o golo do jogador que substituiu um companheiro de equipa. Relativamente aos jogos com prolongamento, os dados estatísticos foram apenas considerados no que se refere à participação dos substitutos no desempate por grandes penalidades.
Análise estatística: os
dados foram analisados através do software SPSS 26.0 (IBM, Chicago, EUA). A
normalidade foi verificada através de testes de Kolmogorov-Smirnov. Os dados foram
apresentados como médias e desvios padrão. As diferenças de tempo e número de
substituições entre os diferentes resultados, sexos, fases, regras, impacto no
jogo e torneios foram dissecadas mediante os testes não paramétricos U de
Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, com comparações post hoc de Dunn. Os
testes de qui-quadrado foram aplicados para analisar diferenças nas proporções
de golos entre suplentes utilizados e titulares, bem como entre homens e
mulheres. O nível de significância foi estabelecido em p < 0,05.
Principais resultados
· Tempo médio das substituições
O tempo médio das
substituições foi significativamente superior com a regra das 5 substituições, comparativamente
à regra das 3 substituições (70,6 vs. 69,2 minutos). Contudo, não foram
encontradas diferenças significativas entre sexos, fases e torneios.
· Tempo da primeira substituição
Não foram detetadas diferenças significativas no tempo da
primeira substituição para as variáveis sexo, regras e torneios. Apesar disso,
o tempo da primeira substituição foi significativamente diferente entre as
fases dos torneios, ocorrendo mais tarde na fase a eliminar (59,8 minutos) face
à fase de grupos (57,2 minutos).
· Número de substituições
Com a inclusão da regra
das 5 substituições foram realizadas mais 48% de trocas de jogadores em
competição (4,3 vs. 2,9). No futebol masculino também houve mais substituições
comparativamente ao futebol feminino (3,5 vs. 3,2), embora não tenham sido
observadas diferenças significativas entre as diferentes fases dos torneios e
entre os torneios analisados.
· Características das substituições em relação ao resultado
do jogo
Considerando o resultado do jogo, foi verificada uma
diferença significativa no tempo da primeira substituição (figura 3), com as
equipas vencedoras e as que empataram a fazerem a primeira substituição mais
tarde em comparação com as equipas derrotadas (59,3 e 60,2 vs. 55,3 minutos,
respetivamente). Quanto ao número de substituições, os testes estatísticos não
revelaram diferenças significativas em função dos resultados dos jogos.
Figura 3. Caracterização das substituições em relação ao resultado
do jogo (Wei et al., 2024).
· Comparação dos golos marcados por titulares e substitutos
A percentagem de golos marcados por suplentes nos Campeonatos Europeus e Mundiais dos últimos 10 anos foi de 13,4%, não sendo observadas diferenças significativas entre sexos (masculino: 14,8% vs. feminino: 11,7%), regras de 5 e 3 substituições (14,7% vs. 12,5%, respetivamente), fases do torneio (13,5% vs. 13,0%) e torneios (13,2% vs. 13,6%). A taxa de sucesso dos jogadores suplentes em desempates por grandes penalidades foi significativamente menor comparativamente aos jogadores titulares (61,4% vs. 73,9%, respetivamente).
Não houve diferenças
significativas entre o futebol masculino e feminino ao nível da contribuição
para golos por parte de suplentes em função de diferentes fases dos torneios,
regras e impacto no jogo (figura 4). Porém, identificou-se uma tendência para
mais golos marcados por suplentes no futebol masculino durante as fases a
eliminar (31,0% vs. 19,0%), com uma tendência para um impacto maior nos
resultados (54,0% vs. 41,3%), em comparação com o futebol feminino.
Figura 4. Distribuição de golos entre jogadores titulares e
substitutos durante os Campeonatos do Mundo e Europeus de 2013 a 2023, no
futebol masculino e feminino (Wei et al., 2024).
Os suplentes que marcaram
golo entraram em campo mais tarde nos jogos masculinos do que nos jogos femininos
(66,3 vs. 60,3 minutos), e durante a fase a eliminar em comparação com a fase
de grupos (61,4 vs. 71,9), enquanto não houve diferenças entre regras, torneios
e impacto no resultado do jogo. Os jogadores suplentes que marcaram golos entraram
em campo 18,1 minutos antes do golo, sem diferenças para as regras, sexos,
fases, torneios e impacto no resultado final.
Aplicações práticas
Na sequência dos
resultados apresentados, foram elaboradas 5 sugestões práticas para que as
equipas técnicas possam rentabilizar a realização de substituições ao nível do
futebol de elite:
1. Efetuar substituições estratégicas e devidamente
ponderadas: os treinadores devem utilizar estrategicamente
as substituições, especialmente nas segundas partes dos jogos, de modo a maximizar
o desempenho e manter a frescura da equipa. Ponderar devidamente as
substituições é mais relevante em jogos de alta intensidade, como aqueles que
ditam a eliminação direta de uma das equipas.
2. Atentar à contribuição que os suplentes utilizados podem ter na marcação de golos: as equipas técnicas devem reconhecer a contribuição significativa dos jogadores substitutos na marcação de golos, com cerca de 50% dos seus golos a influenciar diretamente os resultados dos jogos em Campeonatos Europeus e Mundiais. Planear apropriadamente as substituições pode ter um impacto positivo nos resultados de alguns jogos.
3. Jogadores substitutos têm uma menor eficácia nos desempates através de grandes penalidades: na preparação de desempates através de grandes penalidades, os treinadores devem equacionar cuidadosamente a seleção de jogadores para a especificidade destes eventos. Os suplentes utilizados tendem a ter uma taxa de erro mais alta devido a fatores como a falta de experiência ou pressão psicológica aumentada. Estar a par destas tendências ajuda a tomar decisões informadas para selecionar jogadores para momentos cruciais.
4. Garantir uma preparação mental específica para os
suplentes utilizados, no caso de entrarem em períodos críticos do jogo: é fundamental estar ciente das exigências mentais de
certos períodos (ou eventos) dos jogos, como os prolongamentos e os desempates
por grandes penalidades, para assegurar uma preparação mental adequada para os suplentes
a utilizar, já que poderão experienciar pressão e ansiedade aumentadas. Por
muito competentes que os jogadores possam ser do ponto de vista tático-técnico,
se não forem resilientes mental e emocionalmente não conseguirão mostrar o
desempenho esperado.
5. Adaptar o tipo de substituição às fases de torneios
internacionais: é conveniente analisar e compreender as tendências
estatísticas dos substitutos marcadores de golos. Geralmente, entram mais tarde
nas fases a eliminar, visto que as equipas técnicas procuram introduzir
jogadores frescos para melhorar o desempenho coletivo no período de
prolongamento. Em caso de a equipa estar em desvantagem no marcador, será
prudente tentar inverter a tendência do resultado promovendo substituições mais
cedo.
Conclusão
Os autores observaram um aumento assinalável do número de
substituições e do tempo médio de jogo dos substitutos com a introdução da
regra das 5 substituições. A fração de golos marcados por suplentes utilizados
alcançou um valor próximo dos 15%. Também se verificou que os substitutos
marcadores de golo entraram mais tarde nos jogos a eliminar, em comparação com
a fase de grupos. Atualmente, são realizadas mais substituições no futebol
masculino do que no feminino. Curiosamente, a taxa de sucesso nos desempates
por grandes penalidades foi significativamente menor nos substitutos
relativamente aos titulares, tanto em torneios internacionais masculinos como
femininos. O presente estudo providencia informações valiosas sobre as
características das substituições nos torneios internacionais de elite de
futebol masculino e feminino. Em termos práticos, os treinadores podem utilizar
estas informações para tomar melhores decisões sobre quando e como promover substituições,
colocando em campo os jogadores certos para as circunstâncias contextuais em causa,
elevando, assim, a probabilidade de obter melhores resultados em competição.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista Biology of Sport.