Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Rosten, M., Aune, T. K., & Dalen, T.
País: Noruega
Data de
publicação: 29-maio-2025
Título: The impact of touch restrictions in small-sided games on
soccer players’ passing, receiving, and ball-touch temporal intervals
Referência: Rosten, M., Aune, T. K., & Dalen, T. (2025). The impact of touch restrictions in
small-sided games on soccer players’ passing, receiving, and ball-touch
temporal intervals. Journal of Human Kinetics, 98, 1–10. Advance
online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/196142
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 66 – junho de
2025.
Apresentação do problema
No futebol, os jogos reduzidos (JRs) são amplamente reconhecidos como um pilar da metodologia de treino, valorizados pela sua capacidade de replicar as exigências específicas dos jogos competitivos (Aguiar et al., 2012; Clemente et al., 2012). Com menos jogadores e menores dimensões do campo face ao formato convencional, os JRs são uma forma eficiente de desenvolver competências em múltiplas vertentes (Michailidis, 2013).
Neste contexto, os JRs com diferentes restrições de toque
revelam-se meios de treino valiosos, ao combinar estímulo físico acrescido com
elevado realismo competitivo (figura 2). Contudo, os estudos mostram que a
limitação a um único toque pode comprometer a execução de ações técnicas
essenciais, como a receção seguida de passe, o que reduz a representatividade
da tarefa e pode violar o princípio da especificidade (Dellal et al., 2012a;
Casamichana et al., 2014).
Figura 2. A limitação de toques no treino de futebol (fonte: soccercoachingpro.com;
imagem não publicada pelos autores).
Ser capaz de executar ações técnicas em alta velocidade é
de grande importância no futebol; quando os jogadores conseguem passar a bola
de forma rápida e eficaz, a equipa tende a dominar o jogo, mesmo sob forte
pressão adversária. A capacidade de realizar ações técnicas no menor tempo
possível é considerada uma das qualidades mais determinantes para a
competitividade de um jogador (Wang, 2013). Embora investigações anteriores
tenham clarificado o papel do posicionamento dos jogadores na dinâmica do jogo
– especialmente no que diz respeito às distâncias percorridas e à frequência
das ações técnicas (Dellal et al., 2010, 2012b) –, continua a existir uma lacuna
no conhecimento sobre os efeitos da posição na intensidade e ritmo das ações
com bola. Assim, o objetivo geral deste estudo foi analisar de que forma as
ações técnicas dos jogadores são influenciadas por diferentes limitações no
contacto com a bola em JRs de futebol (Gr+4v4+Gr).
Métodos
· Participantes
O estudo incluiu 12
jogadores de futebol masculinos da categoria júnior (Sub-19), com idade média
de 17,9 anos (± 0,8). Em termos físicos, apresentavam uma estatura média de
180,2 cm (± 4,9) e uma massa corporal média de 72,8 kg (± 8,9). Todos
integravam a mesma equipa júnior da primeira divisão, atuando em diferentes
posições, e tinham uma média de 9,7 anos (± 1,7) de experiência em treino
organizado de futebol.
· Desenho e procedimentos
A experiência foi
conduzida na pré-época e teve como objetivo analisar os efeitos de diferentes limitações
de toque em JRs Gr+4v4+Gr na proficiência do passe (quantidade, direção e
sucesso), eficácia da receção (frequência e direção) e intervalo temporal entre
o primeiro e segundo toque, indicador da velocidade de controlo da bola. O
campo foi dividido em 3 zonas – defensiva, central e ofensiva –, o que permite uma
análise mais detalhada das dinâmicas posicionais (figura 3).
Figura 3. Organização da relação numérica e das características
espaciais da tarefa proposta (imagem não publicada pelos autores).
Testaram-se 3 condições: (1) máximo de 2 toques; (2) máximo de 3 toques; (3) jogo livre (sem restrições). Realizaram-se 30 jogos (10 por condição), distribuídos por 8 sessões. Cada jogo teve 4 minutos, com pausas equivalentes, e foi precedido por 20 minutos de aquecimento técnico. As equipas foram formadas aleatoriamente, as regras comunicadas antes de cada jogo, e nenhuma instrução foi dada durante a ação.
O campo manteve dimensões
constantes (30 x 20 m), com zonas de 10 m assinaladas por cones (Rampinini et
al., 2007). Todos os jogos ocorreram num espaço interior, de forma a garantir
condições ambientais estandardizadas. As ações dos guarda-redes (Gr) foram
excluídas da análise. Para evitar viés de ordem ou fadiga, a sequência das
condições foi contrabalançada entre sessões. As partidas foram gravadas por
duas câmaras: uma fixa (Canon LEGRIA HF R36), colocada a 5,2 m de altura atrás
de uma baliza, e uma câmara móvel (Sony HDR-XR155E) que possibilitou a análise
detalhada das ações técnicas registadas.
· Análise e variáveis
A análise foi efetuada com o software Kinovea (v.0.8.15), respeitando critérios predefinidos para o passe, a receção e o intervalo entre toques. De acordo com Owen et al. (2004): (1) o passe correspondeu à transmissão intencional da bola entre companheiros de equipa, por ações técnicas como passes rasteiros, altos, em balão, de calcanhar, em vólei ou de diferentes distâncias, realizados com o pé, coxa ou peito; (2) a receção foi considerada quando o jogador controlou e manteve a posse da bola. Situações em que o jogador não executou toque subsequente não foram classificadas como receção.
Para analisar a direção
dos passes e das receções, adotou-se o sistema de Thomas et al. (2009): ações
frontais, diagonais e recuadas. O tempo entre o primeiro e o segundo toque
foi medido com uma precisão de 0,04 segundos, que serviu como indicador da
velocidade de controlo da bola. Foram analisadas tanto a duração média por
jogada como o tempo mínimo registado. O campo foi dividido em 3 zonas
(defensiva, central e ofensiva), por forma a investigar variações temporais
consoante a localização do jogador no momento da receção.
· Análise estatística
Com n = 12, α = 0,05 e 1 - β = 0,80, a análise de potência efetuada no G*Power 3.1.9.7 indicou um efeito mínimo detetável de d = 0,54 para medidas repetidas intraindivíduos (Faul et al., 2007). A normalidade foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. Seguiu-se uma ANOVA de medidas repetidas unifatorial, com correções de Bonferroni. Quando a esfericidade foi violada, reportaram-se os valores ajustados segundo Greenhouse-Geisser.
Para analisar a interação
entre o tempo entre toques e a zona do campo, aplicou-se uma ANOVA de medidas
repetidas bifatorial com correções de Bonferroni. O tamanho do efeito (d
de Cohen) foi calculado a partir da diferença entre médias marginais estimadas,
dividida pelo desvio padrão, sendo interpretado segundo Cohen (1988): trivial
< 0,2; pequeno ≥ 0,2; moderado ≥ 0,5; elevado ≥ 0,8. Os dados foram
apresentados em média ± desvio padrão. O nível de significância foi definido em
p < 0,05, e a análise estatística foi realizada no SPSS 29.0.2.0 para
Windows.
Principais resultados
A análise focou-se no
número de toques por posse, na velocidade de controlo da bola e nas ações de
passe e receção, em função de 3 condições experimentais (2 toques, 3 toques e
jogo livre) de JRs (Gr+4v4+Gr). Os dados evidenciaram variações relevantes no
tempo de decisão e execução dos jogadores, assim como diferenças consoante a
zona do campo em que as ações ocorreram.
· Toques
O número médio de toques
por posse de bola por jogador foi significativamente inferior nos JRs com
limite de 2 toques, em comparação com os de 3 toques e com o jogo livre (1,54 ±
0,07 vs. 1,74 ± 0,13 e 2,39 ± 0,47, respetivamente).
· Velocidade de controlo da bola
O intervalo médio entre o
primeiro e o segundo toque foi mais curto nas zonas próximas da baliza
adversária. A menor duração entre toques foi observada, de forma consistente, no
terço ofensivo, seguida pela zona intermediária e, por fim, pela zona
defensiva. Esta tendência manteve-se estável em todas as condições de jogo (2
toques, 3 toques e livre).
· Passes e receções
Nos jogos com limite de 2
toques, registou-se um número superior de passes face ao jogo livre. Ainda
assim, o jogo livre apresentou mais receções totais e mais receções orientadas
para a frente. Adicionalmente, os jogadores realizaram significativamente mais
passes ao primeiro toque nos jogos com 2 toques do que nos jogos livres e nos
de 3 toques. Também nos jogos com 3 toques se verificaram mais passes ao
primeiro toque do que no jogo livre. As taxas de sucesso dos passes foram
semelhantes entre as 3 condições (75,42%, 75,46% e 74,61%, respetivamente).
Aplicações práticas
Criar contextos de treino
que aproximem os jogadores das exigências do jogo formal é um desafio
constante. Este estudo mostra que as restrições ao número de toques nos JRs
aumentam a frequência de passes e favorecem a tomada de decisão sob pressão.
Com base nos principais resultados, apresentam-se 5 recomendações práticas que
podem ser facilmente integradas na organização das tarefas de treino.
1. Promover a eficiência temporal em zonas ofensivas: a menor duração entre toques registada nas zonas ofensivas realça a importância de treinar a tomada de decisão e a execução rápida em setores avançados do campo. Os treinadores devem privilegiar tarefas que envolvam receções e ações rápidas próximas da baliza adversária e encorajar os jogadores a acelerar os seus processos táticos-técnicos sob elevada pressão defensiva adversária.
2. Propor diferentes posições de jogo para desenvolver competências técnicas transversais: como verificado, a zona do campo influencia o tempo entre toques, o que reforça a utilidade da alternância posicional em treino. Ao vivenciar diversos contextos espaciais e funcionais, os jogadores desenvolvem um leque mais abrangente de soluções, com ganhos em adaptabilidade e leitura do jogo.
3. Evitar confiar exclusivamente na limitação de toques para estimular o controlo de bola: a ausência de diferenças no tempo entre toques nas 3 condições testadas (2 toques, 3 toques e livre) sugere que a velocidade de controlo não depende diretamente do limite de toques. Assim, os treinadores devem criar contextos de pressão realista nos JRs e não esperar que a simples limitação do número de toques modifique, por si só, o ritmo técnico dos jogadores.
4. Utilizar a limitação de toques para aumentar a frequência de passes: a limitação do número de toques (2 ou 3) obriga os jogadores a recorrer mais ao passe como forma de progressão, o que potencia um estilo de jogo mais apoiado e dinâmico. Quando o objetivo passa por aumentar o número de passes e fomentar a circulação rápida da bola, estas restrições revelam-se eficazes.
5. Recorrer ao jogo livre para estimular a proficiência
na receção: o jogo sem restrições fomenta um número mais elevado de
receções, em particular receções orientadas para a frente. Para melhorar esta
competência, recomenda-se o uso do jogo livre, que proporciona mais
oportunidades de contacto com a bola e favorece a adaptação ao ritmo do jogo.
Conclusão
O presente estudo demonstra que a limitação do número
de toques em JRs 4v4 aumenta a frequência de passes sem afetar negativamente a
sua eficácia. Por outro lado, o jogo livre promove um maior número de receções
por sequência ofensiva. Embora o limite de toque não influencie diretamente o
tempo entre toques consecutivos, a zona do campo condiciona esse intervalo,
mais curto no setor ofensivo. Estes resultados reforçam a importância de
ajustar os constrangimentos e as posições no treino, com vista a melhorar a
proficiência no passe e a tomada de decisão sob elevada pressão defensiva dos
oponentes.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista Journal of Human Kinetics.