- O Sr. sabe como é?
- Desculpe, como é o quê?
- Viver sem nada para fazer?
- Não, nunca cheguei ao ponto de pensar nisso.
- Não queira chegar... ainda! Ter que viver um "faz-de-conta" permanente para nos sentirmos úteis, ou melhor, para nos lembrarmos que ainda estamos vivos.
- Não percebo. Está a falar do quê?
- Da velhice, jovem.
- É assim tão mau?
- Não direi mau. Talvez, difícil. Um dia, se Deus quiser, há-de lá chegar. Claro que depende de como cada pessoa encara a vida, ou o que resta dela. Alguns acordam a chorar, limitando-se a esperar pela morte; outros vivem uma rotina mecanizada pela incapacidade de mudar as suas acções; e outros, como eu, vivem o "faz-de-conta". Meu caro jovem, se eu pudesse trocar de corpo consigo, faria muita coisa que não fiz quando tinha a sua idade.
- Ai sim, como por exemplo?
- Olhe, deixaria de pensar tanto no trabalho e no meu futuro e partiria para outros destinos. Viajar tanto quanto pudesse. Em cada qual arranjaria qualquer coisa para me sustentar, porque quando um homem quer, ele é capaz... de tudo. Percebe-me?
- Sim. Pensaria mais no presente, sem planear o futuro, é isso?
- Mais ou menos, temos sempre que pensar no futuro, pensar em antecipação. Sabe, mais vale prevenir que remediar.
- Tem razão. Mas assim está a contrariar o que disse anteriormente.
- Não necessariamente.
- Então?
- Saber que amanhã dá um jogo de Futebol na televisão, não implica que já saibamos o resultado.
(Sorri!)
- Pois. Você tem um bom ponto de vista.
- O "faz-de-conta" obriga-nos a pensar muito na vida. Todos os dias é um filme novo, senão acordamos a chorar no dia seguinte e assim sucessivamente até que a morte nos abrace de vez.
O velho tem uma expressão serena e transparece sinceridade. As rugas encharcam-lhe uma feição que já viu e passou por muito. Excelente comunicador, fluente no discurso e seguro no pensamento.
- Não fique aí parado, jovem, Vá à sua vida. Aproveite o melhor possível. Um dia, se não lhe pregarem nenhuma partida, vai ter tempo para pensar o dia todo.
Despeço-me do velhote e agradeço os dois dedos de conversa. Dou meia-volta e sigo o meu caminho, não sem antes pensar na expressão "faz-de-conta". Um teatro? Uma personagem? Todos os dias uma nova peça, um novo palco?
Talvez, um dia.
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