16/12/2007

O "faz-de-conta"!

- O Sr. sabe como é?

- Desculpe, como é o quê?

- Viver sem nada para fazer?

- Não, nunca cheguei ao ponto de pensar nisso.

- Não queira chegar... ainda! Ter que viver um "faz-de-conta" permanente para nos sentirmos úteis, ou melhor, para nos lembrarmos que ainda estamos vivos.

- Não percebo. Está a falar do quê?

- Da velhice, jovem.

- É assim tão mau?

- Não direi mau. Talvez, difícil. Um dia, se Deus quiser, há-de lá chegar. Claro que depende de como cada pessoa encara a vida, ou o que resta dela. Alguns acordam a chorar, limitando-se a esperar pela morte; outros vivem uma rotina mecanizada pela incapacidade de mudar as suas acções; e outros, como eu, vivem o "faz-de-conta". Meu caro jovem, se eu pudesse trocar de corpo consigo, faria muita coisa que não fiz quando tinha a sua idade.

- Ai sim, como por exemplo?

- Olhe, deixaria de pensar tanto no trabalho e no meu futuro e partiria para outros destinos. Viajar tanto quanto pudesse. Em cada qual arranjaria qualquer coisa para me sustentar, porque quando um homem quer, ele é capaz... de tudo. Percebe-me?

- Sim. Pensaria mais no presente, sem planear o futuro, é isso?

- Mais ou menos, temos sempre que pensar no futuro, pensar em antecipação. Sabe, mais vale prevenir que remediar.

- Tem razão. Mas assim está a contrariar o que disse anteriormente.

- Não necessariamente.

- Então?

- Saber que amanhã dá um jogo de Futebol na televisão, não implica que já saibamos o resultado.

(Sorri!)
- Pois. Você tem um bom ponto de vista.

- O "faz-de-conta" obriga-nos a pensar muito na vida. Todos os dias é um filme novo, senão acordamos a chorar no dia seguinte e assim sucessivamente até que a morte nos abrace de vez.

O velho tem uma expressão serena e transparece sinceridade. As rugas encharcam-lhe uma feição que já viu e passou por muito. Excelente comunicador, fluente no discurso e seguro no pensamento.

- Não fique aí parado, jovem, Vá à sua vida. Aproveite o melhor possível. Um dia, se não lhe pregarem nenhuma partida, vai ter tempo para pensar o dia todo.

Despeço-me do velhote e agradeço os dois dedos de conversa. Dou meia-volta e sigo o meu caminho, não sem antes pensar na expressão "faz-de-conta". Um teatro? Uma personagem? Todos os dias uma nova peça, um novo palco?

Talvez, um dia.

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