24/02/2008

A insatisfação do Eu como fenómeno cultural


A concepção do corpo - a ideia que nós apresentamos no nosso corpo - é demasiado influenciada pelos ideais de beleza e de corpo vigentes na sociedade. A morfologia, para além duma realidade objectiva antropométrica, é também a imagem corporal descrita nas representações mentais, normalmente subjectivas, da aparência física e da experiência corporal (Cash & Pruzinsky, 1990).

O público em geral é constantemente bombardeado com imagens normativas que definem os ideais de beleza, de saúde e de fitness. Num estudo levado a cabo por Fragoso et al., em 2002, na Faculdade de Motricidade Humana, foram comparadas as dimensões da Barbie e do Ken com as dos alunos daquela instituição (78 alunos e 86 alunas). Curiosamente, foi concluído que "as representações de dimorfismo que fazemos a partir destes bonecos é errónea, porque apresenta o Ken mais musculado que a realidade masculina e a Barbie mais linear que a realidade feminina". As variáveis antropométricas utilizadas no estudo (diâmetros, perímetros e comprimentos morfológicos), comprovam que "nem a população do sexo masculino tem a robustez óssea semelhante à do Ken, nem a população do sexo feminino tem a fragilidade óssea tão grande como apresentada pela Barbie".

Os resultados são esclarecedores: estes simples "modelos de inspiração morfológica", sobre o qual existem milhares de sítios na internet, passam ao público infanto-juvenil uma imagem (errada) de grande linearidade e fragilidade segmentar, sobretudo para o sexo feminino. A representação do corpo fica deturpada pela concepção de corpo transmitida pela sociedade, numa determinada época, e actualmente tende a alimentar a insatisfação que surge em relação ao nosso corpo. A principal autora do estudo supra-citado acrescenta ainda que: "Isto é especialmente verdade nas mulheres, para quem a distância entre o possível e as imagens oferecidas é realmente desconcertante".

Deste modo, importa fazer chegar à população em geral a informação correcta sobre a realidade morfológica humana, para que não se confundam ideais de beleza com ideais de saúde física.

09/02/2008

Especialização: estratégia a longo prazo?

Nós - seres humanos - não somos a espécie mais rápida, não somos os mais fortes, não temos garras e não voamos, mas somos uns exímios estrategas. A estratégia da nossa espécie vai ao encontro da adaptabilidade, sem dúvida a nossa melhor característica.

No ensino de qualquer modalidade desportiva tende-se, por hábito, a promover a especialização desde idades muito jovens, relegando para segundo plano a variabilidade. Por exemplo, na modalidade futebol, quantos de nós treinadores não definimos posições para cada jogador, logo a partir do escalão Escolas (Sub-11)? De uma forma simples, estamos a promover a especialização do jovem numa determinada posição no terreno de jogo (guarda-redes, lateral direito, médio-centro, avançado, etc.). Será essa estratégia a mais correcta? Estaremos nós - agentes desportivos - a estimular a capacidade que melhor distingue a nossa espécie: a adaptabilidade?

Pelo contrário, estamos a induzir uma aproximação ao padrões correctos do movimento, de forma a produzir, a curto prazo, boas performances desportivas dos jovens ou das equipas. Em jogos desportivos colectivos, no que à matéria de treino de jovens diz respeito, nós não formamos equipas, nós formamos jogadores. Assim, ao partir do princípio de especialização de um jovem numa determinada posição, estamos a condicionar a variabilidade, isto é, a capacidade de adaptação.

Por muito que um especialista possa decidir um jogo, como num pontapé livre no futebol, perguntem a qualquer treinador qual o tipo de jogadores que prefere. A resposta não fugirá muito da seguinte: jogadores "polivalentes" ou "todo-o-terreno", aqueles que, perante diversas situações contextuais do jogo, conseguem decidir a melhor solução e executá-la através de acções táctico-técnicas eficazes. Então, quanto maior for o número de experiências motoras que um jovem vivenciar durante a sua formação, maior a possibilidade de ganhos intelectuais e motores (aprendizagem) associados à modalidade que praticam. Os resultados (essencialmente os de cariz desportivo) não serão imediatos, pelo que é necessário muita coragem e determinação para implementar um processo de formação desta natureza.

O desenvolvimento surge na oportunidade de invenção, de exploração criativa, pelo que não devemos condicionar essa oportunidade, antes potenciá-la. Até ao momento, pouco ou nada se tem apostado na variabilidade como estratégia, pois raros são os que pensam em "perder no presente, para ganhar muito no futuro".

01/02/2008

Dialectos de um sentimento estranho

- Já começaste? - a pergunta que resume todo o período de início de uma acção, seja ela qual for.
- Comecei? Não... é estranho. Estou a meio gás, entre o começar e o começado.
- Oh, não sejas assim. Continua que vais bem. - disse-me acenando com um sorriso cheio de confiança.
- Estou a falar a sério, nem comecei, nem deixei de começar. - afirmo, visivelmente confuso com o assunto em causa.
- Qual é o teu problema? - indaga-me com tom de inconformismo na firme voz.
- Nenhum! Simplesmente, não estou a perceber nada disto.
- Era suposto perceberes? - aí vêm as perguntas de cariz avaliativo, pensei.
- Era. Ou não? - procuro dar a volta "à coisa".
- Nada disso. Nem tudo na vida se resume a "ciência" ou "hipóteses confirmadas". Há questões que não podemos procurar a certeza, apenas temos que aprender ou saber lidar com as incertezas. É por isso que a vida é tão gira, não achas? - sorrindo em busca de confirmação da minha parte.
- Sim. - "luz verde".
- Gostava de me sentir assim. - acrescenta, deixando-me perplexo com a sua sinceridade.
- Acredita que não é muito fácil. - complemento com intuito de demover um sentimento estranho.
- Não é suposto ser fácil. Aliás, coisas fáceis tornam-se monótonas e enfadonhas.
- Pois... !
- Hoje sinto-me em estado de "screen saver". - rindo da própria expressão. - Preciso de um "sentimento estranho"... - confessa.
- Queres ficar com o meu?
- Quero!

Um acordo impossível, numa conversa sobre um "sentimento estranho". Há momentos que valem mesmo a pena, por muito ridículos que à primeira vista possam parecer.