02/03/2011

Gonçalo M. Tavares: Um Nobel Professor?

Gonçalo M. Tavares é um escritor português contemporâneo. Apesar de ter apenas 41 anos, conta já com alguns prémios nacionais e internacionais. Conheci-o enquanto professor da cadeira de Epistemologia da Motricidade Humana na faculdade (FMH). Os seus métodos de ensino fugiam bastante do convencional. Nada de exames e leituras irreflectidas. Em cada semana tinhamos de apresentar um trabalho original, fosse uma pintura, um texto ou um filme, sobre uma temática em que o "corpo" estivesse presente (por exemplo, utopia e corpo).

Foto: Gonçalo M. Tavares

Nas suas aulas sentiamos-nos livres, longe das amarras de um programa a cumprir em x tempo. O que aprendi? Não sei ao certo, talvez muito ou, se calhar, nada, mas pude reflectir e, acima de tudo, ser criativo. Na altura, liamos um livro seu: "O Senhor Valéry" (Caminho, 2002). Lembro-me particularmente da seguinte passagem:


O senhor Valéry conhecia pessoas arrogantes e não gostava delas.

Para o senhor Valéry arrogante era a pessoa que se julgava melhor que a sua tarefa: quer esta fosse servir à mesa, escrever, ou pintar um quadro.

O senhor Valéry explicava:

Conheço pessoas que andam na rua como se fizessem um favor ao acto de andar. É perigoso julgarmo-nos maiores que a nossa tarefa – explicava o senhor Valéry.

- Se a nossa tarefa for fixar um prego na parede...

(...)

-...e se nos julgarmos mais inteligentes que essa tarefa, corremos o risco de falhar o prego, acertando em cheio no nosso próprio dedo.

- Deste modo – concluía o senhor Valéry – eu considero-me, em qualquer situação, ao mesmo nível da tarefa. Nem sou o seu chefe, nem o seu empregado. Eu e a minha tarefa somos coisas com igual inteligência que num determinado momento partilham o Destino. E é só.


Compreendi a razão do senhor Valéry e atestei o brilhantismo do estranho Gonçalo M. Tavares, aquele que, mais tarde, José Saramago vaticinou como o próximo português Nobel da Literatura.

6 comentários:

João Figueira disse...

Tal como tu Carlos, também sinto que disfrutei dos métodos... e ao recordar, fica até alguma nostalgia daquela "liberdade", não duvidando que aprendi de facto.

Assola-me alguma pena por não saber onde param alguns dos trabalhos que individualmente realizei naquela altura... Eis um dos problemas de apenas os ter mantido em formato digital. Guardaste os teus?

Para além d' "O Senhor Valery", li e tenho "O Senhor Juarroz" (Caminho, 2004) e "O Senhor Walser" (Caminho, 2006). Entretanto, 'O bairro' tem crescido bastante :) ...

Acrescentei ainda à minha pequena biblioteca, "O homem ou é tonto ou é mulher" (Campo das Letras, 2002), "Jerusalém" (Caminho, 2005 - Prémio José Saramago 2005 e Prémio LEr/Millenium-Bcp), um romance que não nos deixa parar de pensar, e "Água, Cão, Cavalo, Cabeça" (Caminho, 2006).

É com algum orgulho, admito, que, quando por algum motivo surge o nome Gonçalo M. Tavares ao "barulho", por que motivo seja, não hesito em referir que "foi meu Professor na faculdade"!

Um "nobel abraço" para ti amigo!

Carlos Humberto Almeida disse...

Grande João,

Os trabalhos que fiz em suporte digital ainda os tenho; os outros não.

Do professor, tenho ainda o "Jerusalém" e o "Senhor Brecht". Quero adquirir e ler "Uma Viagem à Índia", porque dizem que é mesmo muito bom.

Subscrevo o teu penúltimo parágrafo na íntegra, partilhando o orgulho por ter sido seu aluno.

Não sei se continua a leccionar, julgo que não, mas é uma enorme perda para os novos (e acelerados) cursos de Bolonha. Parar para pensar, reflectir e criar é algo que pouco se estimula actualmente no nosso sistema de ensino.

Grato pelos teus comentários que enriquecem sempre este "canto virtual".

Abraço amigo,

Carlos Almeida

João Figueira disse...

Atenção ao título amigo... "Tavares"!
;) Abraço! Boa época de Carnaval!

Carlos Humberto Almeida disse...

Obrigado pela correcção, amigo. Não reparei no mais óbvio.

Bom Carnaval pela ilha! ;)

Anónimo disse...

O professor ainda dá aulas sim... e as aulas dele seguem a mesma linha ainda. Esta semana por exemplo, tenho que entregar um trabalho sobre corpo e utopia... O que me está a fazer pensar bastante.

Também concordo com vocês, tenho muito orgulho por ser aluna dele e sei que estas aulas vão ficar sempre na memória

Carlos Humberto Almeida disse...

Fico muito satisfeito por saber isso. Aproveita, sê criativa e diverte-te. :)

Cumprimentos,

CA