Atualmente, a
investigação científica reconhece a teoria dos sistemas dinâmicos e a abordagem
baseada nos constrangimentos como correntes teóricas profícuas para o estudo e
desenvolvimento do futebol. De facto, o jogo pressupõe interações de cooperação
e oposição complexas, por diversas vezes ocorrendo em contextos imprevisíveis,
e cujo processo de treino deverá ser sempre equacionado em função da natureza
do fenómeno competitivo.
Não é novidade nenhuma a
enorme propensão de muitos dos nossos treinadores em elaborar situações de exercício
padronizadas, portanto, implicando circulações táticas estanques, com oposição nula ou reduzida (um ou dois defensores + guarda-redes ou somente diante do
guarda-redes), na esperança de que no jogo seguinte possam, no mínimo,
concretizar-se numa ocasião.
Tome-se, por exemplo, a
figura acima. O médio interior coloca a bola no extremo esquerdo, executa uma
desmarcação nas costas do recetor para, posteriormente, cruzar para a grande
área próximo da linha de fundo. Entretanto, o avançado entra ao primeiro poste,
enquanto o extremo realiza uma diagonal para explorar o espaço à entrada da
grande área ou na zona do segundo poste, tendo como opositores dois defensores
e o guarda-redes (GR).
Eventualmente, cria-se uma
variante do exercício como alternativa ao primeiro padrão.
O médio interior realiza
passe vertical para o avançado que entretanto “baixou” para receber a bola. O
avançado executa um passe diagonal de rotura para a subida do extremo no
corredor lateral, no intuito de cruzar para o interior da área. O médio
interior tem como objetivo procurar a finalização à entrada da área ou na zona
do segundo poste, o avançado mantém o deslocamento ao primeiro poste, conservando-se
a oposição de 2 defensores e o GR.
São meios de treino que,
a meu ver, condicionam as qualidades que melhor distinguem os grandes
jogadores: leitura do jogo e criatividade. Estes dois aspetos conjugados determinam,
de sobremaneira, a capacidade tática dos protagonistas, ou seja, a habilidade
de solucionar eficazmente problemas que emergem de contextos situacionais do
jogo. Contextos esses que, invariavelmente, são distintos e que, por isso,
exigem soluções também elas distintas e que não se encontram no leque de
alternativas proporcionadas pelos treinadores neste tipo de treino padronizado. A dinâmica do jogo, englobando relações de cooperação com os colegas de equipa e de oposição com os adversários, está em permanente mutação e este aspeto não pode nunca ser descurado, caso se pretenda melhorar efetivamente os desempenhos da equipa no global e dos jogadores individualmente.
Posto isto, parece-me que
o jogo per se deve ser o núcleo de
todo o processo treino e cuja diversidade de cenários criados resulte da
manipulação de constrangimentos impostos aos praticantes. Além disso, as
soluções para os problemas que decorrem dessas situações de treino devem, em
primeira instância, ser resolvidos pelos jogadores, segundo uma metodologia oscilando
entre aquilo que Duarte Araújo (citado por Fonseca & Garganta, 2006) diferencia
como descoberta guiada (i.e., conduzir
o jogador individualmente ou a equipa a atingir uma determinada referência) e ensino divergente (i.e., preparar um contexto para que o
jogador ou a equipa alcancem os objetivos por meios que podem divergir das expectativas
e dos conhecimentos iniciais do próprio treinador).
Referência
Fonseca, H., & Garganta,
J. (2006). Futebol de rua: um beco com saída. Do jogo espontâneo à prática
deliberada. Lisboa: Visão e contextos.
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