«Como maximizar a
performance dos jogadores nos jogos desportivos coletivos (JDC)?»
Esta é a pergunta que
todos os treinadores devem fazer continuamente ao longo das suas carreiras. As
práticas mudam, os métodos e as estratégias também e compete ao treinador ir
estando a par das últimas tendências e da investigação que é realizada na área das
Ciências do Desporto. Se há práticas que há décadas se encontram inalteráveis
são as que ocorrem durante os intervalos na maioria dos JDC (andebol, futebol,
râguebi, hóquei em campo, hóquei em patins, etc.). Os jogadores recolhem aos
balneários, ingerem alguns hidratos de carbono e água/bebidas isotónicas,
eventualmente recebem alguns cuidados médicos e, grosso modo, ouvem as indicações
estratégico-táticas e as dicas motivacionais dos treinadores.
Em 2003, quando fui
voluntário no World Congress on Science
and Football, na Faculdade de Motricidade Humana (Lisboa), tive a feliz oportunidade
de assistir a uma apresentação do investigador das Ilhas Faroé Magni Mohr, que
visava a importância de reaquecer no intervalo de um jogo de futebol. Nunca,
como praticante, me tinham mandado reaquecer antes de entrarmos para a segunda
parte. Recentemente, já em 2015, num artigo publicado na conceituada revista Sports Medicine, Mark Russell e
colaboradores fizeram uma síntese das evidências existentes sobre o tema e propuseram
algumas estratégias a implementar, no intuito de manter ou maximizar o
desempenho dos jogadores nas segundas partes.
O racional teórico deste
artigo de revisão reporta decréscimos em diversos aspetos da performance dos
jogadores e das equipas nas etapas iniciais da segunda parte. Por exemplo, 20%
dos futebolistas têm o seu período menos intenso de jogo nos 15 minutos subsequentes
ao intervalo (Mohr et al., 2005).
Para além disso, foi observado um aumento significativo do risco de lesão nos
primeiros 20 minutos da segunda parte. Segundo os investigadores, os efeitos nocivos
do intervalo no desempenho inicial dos jogadores na segunda parte devem-se a algumas
alterações fisiológicas, decorrentes da natureza passiva das práticas propostas
pelos treinadores. Assim, tende a verificar-se decréscimos nas temperaturas
muscular e do core, alterações no equilíbrio ácido-base e na resposta
glicémica.
De acordo com Russell et al. (2015), o intervalo concede uma
oportunidade adicional para os treinadores otimizarem a performance da equipa na
segunda parte. Contudo, para que isso suceda, não se pode restringir o tempo
disponível a instruções estratégico-táticas. Tomemos em consideração o modelo
proposto pelos autores (figura 1).
Figura 1. Modelo
teórico de estratégias sugeridas para um intervalo de 15 minutos (Russell et al., 2015; clique para ampliar). |
Este modelo compreende um período de 2 minutos para
regressar ao balneário/cabine da equipa. Os jogadores devem tentar manter a
temperatura corporal e, para isso, as estratégias passivas incluem vestir
casacos térmicos, colocar um cobertor sobre as pernas ou, se for possível,
aclimatizar o balneário para atenuar a perda de calor corporal. Três minutos,
no máximo, constituem o tempo do jogador, que pode incluir alguns cuidados
médicos. Em seguida, o treinador tem 2 minutos para instruções estratégico-táticas
à equipa e que pode envolver análise de vídeo. Outros 2 minutos podem ser
utilizados para conceder feedbacks individuais aos jogadores. Atenção, porque a
utilização de vídeos pode induzir respostas hormonais desejadas ou indesejadas.
Por exemplo, mostrar a execução correta de ações do jogador/equipa estimula o
aumento da concentração da testosterona; no entanto, a visualização de
jogadas/ações bem sucedidas dos jogadores adversários incrementa a resposta de
stress.
A 6 minutos do reinício da partida, os jogadores devem
preparar o seu equipamento e consumir uma pastilha de cafeína. A cafeína é um
estimulante do sistema nervoso central e, quando tomada ao intervalo, pode ser
eficaz para o desempenho desportivo subsequente. Ryan et al. (2013) observaram melhorias na performance de cycling, quando uma pastilha com 300 mg
de cafeína foi ministrada 5 minutos antes do exercício. Posteriormente, os
autores propõem 3 minutos de reaquecimento (estratégia ativa para manutenção da
temperatura corporal). O reaquecimento pode incluir exercícios de intensidade
moderada (agilidade, mobilidade, jogos reduzidos/condicionados) e breves
exercícios de alta intensidade para modificar favoravelmente o pole hormonal
antes da segunda parte. Para terminar o reaquecimento, Russell et al. (2015) sugerem a utilização de Post-Activation Potentiation, isto é,
alguns exercícios pliométricos para preparar a atividade contrátil dos músculos
mais solicitados no decurso do jogo. Finalmente, o intervalo deve incorporar a
ingestão de hidratos de carbono. Embora os efeitos de hidratos de carbono de
diferentes índices glicémicos ainda necessitem de ser investigados, é plausível
que hidratos de carbono de baixo índice glicémico prolonguem as concentrações
de glucose sanguínea que, normalmente, sofrem um declínio ao longo das segundas
partes das partidas.
Portanto, o intervalo deve ser encarado como uma
oportunidade para aplicar estratégias específicas que visem manter ou maximizar
a performance no decurso da segunda parte. Conforme foi referido pelos próprios
autores, o modelo proposto procura complementar, e não substituir, os
protocolos já existentes na maioria dos JDC. Ainda assim, pode ser adaptado em
função da idade dos praticantes, do nível de rendimento desportivo e das
condições de trabalho existentes num determinado clube.
Continuação de boas festas para todos!
Referências
Mohr, M., Krustrup, P., &
Bangsbo, J. (2005). Fatigue in soccer: A brief review. Journal of Sports Sciences, 23(6), 593-599.
Russell, M., West, D. J., Harper, L.
D., Cook, C. J., & Kilduff, L. P.
(2015). Half-time strategies to enhance second-half performance in team-sports
players: A review and recommendations. Sports
Medicine, 45(3), 353-364.
Ryan, E. J., Kim, C-H., Fickes, E. J., Williamson, M.,
Mullher, M. D., Barkley, J. E., Gunstad, J., & Glickman, E. L. (2013).
Caffeine gum and cycling performance: A timing study. Journal of Strength and Conditioning Research, 27(1), 259-264.