26/12/2015

O intervalo nos jogos desportivos coletivos: Estratégias para maximizar a performance na segunda parte

«Como maximizar a performance dos jogadores nos jogos desportivos coletivos (JDC)?»

Esta é a pergunta que todos os treinadores devem fazer continuamente ao longo das suas carreiras. As práticas mudam, os métodos e as estratégias também e compete ao treinador ir estando a par das últimas tendências e da investigação que é realizada na área das Ciências do Desporto. Se há práticas que há décadas se encontram inalteráveis são as que ocorrem durante os intervalos na maioria dos JDC (andebol, futebol, râguebi, hóquei em campo, hóquei em patins, etc.). Os jogadores recolhem aos balneários, ingerem alguns hidratos de carbono e água/bebidas isotónicas, eventualmente recebem alguns cuidados médicos e, grosso modo, ouvem as indicações estratégico-táticas e as dicas motivacionais dos treinadores.

Em 2003, quando fui voluntário no World Congress on Science and Football, na Faculdade de Motricidade Humana (Lisboa), tive a feliz oportunidade de assistir a uma apresentação do investigador das Ilhas Faroé Magni Mohr, que visava a importância de reaquecer no intervalo de um jogo de futebol. Nunca, como praticante, me tinham mandado reaquecer antes de entrarmos para a segunda parte. Recentemente, já em 2015, num artigo publicado na conceituada revista Sports Medicine, Mark Russell e colaboradores fizeram uma síntese das evidências existentes sobre o tema e propuseram algumas estratégias a implementar, no intuito de manter ou maximizar o desempenho dos jogadores nas segundas partes.

O racional teórico deste artigo de revisão reporta decréscimos em diversos aspetos da performance dos jogadores e das equipas nas etapas iniciais da segunda parte. Por exemplo, 20% dos futebolistas têm o seu período menos intenso de jogo nos 15 minutos subsequentes ao intervalo (Mohr et al., 2005). Para além disso, foi observado um aumento significativo do risco de lesão nos primeiros 20 minutos da segunda parte. Segundo os investigadores, os efeitos nocivos do intervalo no desempenho inicial dos jogadores na segunda parte devem-se a algumas alterações fisiológicas, decorrentes da natureza passiva das práticas propostas pelos treinadores. Assim, tende a verificar-se decréscimos nas temperaturas muscular e do core, alterações no equilíbrio ácido-base e na resposta glicémica.

De acordo com Russell et al. (2015), o intervalo concede uma oportunidade adicional para os treinadores otimizarem a performance da equipa na segunda parte. Contudo, para que isso suceda, não se pode restringir o tempo disponível a instruções estratégico-táticas. Tomemos em consideração o modelo proposto pelos autores (figura 1).

Figura 1. Modelo teórico de estratégias sugeridas para um intervalo de 15 minutos
(Russell et al., 2015; clique para ampliar).


Este modelo compreende um período de 2 minutos para regressar ao balneário/cabine da equipa. Os jogadores devem tentar manter a temperatura corporal e, para isso, as estratégias passivas incluem vestir casacos térmicos, colocar um cobertor sobre as pernas ou, se for possível, aclimatizar o balneário para atenuar a perda de calor corporal. Três minutos, no máximo, constituem o tempo do jogador, que pode incluir alguns cuidados médicos. Em seguida, o treinador tem 2 minutos para instruções estratégico-táticas à equipa e que pode envolver análise de vídeo. Outros 2 minutos podem ser utilizados para conceder feedbacks individuais aos jogadores. Atenção, porque a utilização de vídeos pode induzir respostas hormonais desejadas ou indesejadas. Por exemplo, mostrar a execução correta de ações do jogador/equipa estimula o aumento da concentração da testosterona; no entanto, a visualização de jogadas/ações bem sucedidas dos jogadores adversários incrementa a resposta de stress.

A 6 minutos do reinício da partida, os jogadores devem preparar o seu equipamento e consumir uma pastilha de cafeína. A cafeína é um estimulante do sistema nervoso central e, quando tomada ao intervalo, pode ser eficaz para o desempenho desportivo subsequente. Ryan et al. (2013) observaram melhorias na performance de cycling, quando uma pastilha com 300 mg de cafeína foi ministrada 5 minutos antes do exercício. Posteriormente, os autores propõem 3 minutos de reaquecimento (estratégia ativa para manutenção da temperatura corporal). O reaquecimento pode incluir exercícios de intensidade moderada (agilidade, mobilidade, jogos reduzidos/condicionados) e breves exercícios de alta intensidade para modificar favoravelmente o pole hormonal antes da segunda parte. Para terminar o reaquecimento, Russell et al. (2015) sugerem a utilização de Post-Activation Potentiation, isto é, alguns exercícios pliométricos para preparar a atividade contrátil dos músculos mais solicitados no decurso do jogo. Finalmente, o intervalo deve incorporar a ingestão de hidratos de carbono. Embora os efeitos de hidratos de carbono de diferentes índices glicémicos ainda necessitem de ser investigados, é plausível que hidratos de carbono de baixo índice glicémico prolonguem as concentrações de glucose sanguínea que, normalmente, sofrem um declínio ao longo das segundas partes das partidas.

Portanto, o intervalo deve ser encarado como uma oportunidade para aplicar estratégias específicas que visem manter ou maximizar a performance no decurso da segunda parte. Conforme foi referido pelos próprios autores, o modelo proposto procura complementar, e não substituir, os protocolos já existentes na maioria dos JDC. Ainda assim, pode ser adaptado em função da idade dos praticantes, do nível de rendimento desportivo e das condições de trabalho existentes num determinado clube.

Continuação de boas festas para todos!

Referências
Mohr, M., Krustrup, P., & Bangsbo, J. (2005). Fatigue in soccer: A brief review. Journal of Sports Sciences, 23(6), 593-599.
Russell, M., West, D. J., Harper, L. D., Cook, C. J., & Kilduff, L. P. (2015). Half-time strategies to enhance second-half performance in team-sports players: A review and recommendations. Sports Medicine, 45(3), 353-364.
Ryan, E. J., Kim, C-H., Fickes, E. J., Williamson, M., Mullher, M. D., Barkley, J. E., Gunstad, J., & Glickman, E. L. (2013). Caffeine gum and cycling performance: A timing study. Journal of Strength and Conditioning Research, 27(1), 259-264.

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