18/01/2019

Futebol profissional em Portugal: a antítese da competitividade

Um relatório elaborado pelo CIES Football Observatory (Poli, Besson, & Ravenel, 2018) revelou que, de entre 35 ligas domésticas europeias, a Primeira Liga portuguesa (Liga NOS) foi a que apresentou menor tempo útil de jogo (51.5%) na época 2017/2018, um valor abaixo da média (55.6%), num conjunto liderado pela principal liga sueca (59.6%) (tabela 1).

Tabela 1. Percentagem do tempo útil de jogo por liga europeia (fonte: CIES Football Observatory).

Por si só, estes são dados bastante preocupantes, não abonando nada a favor do entusiasmo e da atratividade do nosso futebol. Desde logo, sugerem que os jogos estão sujeitos a muitas (e longas) paragens (faltas, antijogo, etc.), sem a fluidez desejada pelos amantes da modalidade enquanto fenómeno desportivo. Em bom português, evidencia uma liga aborrecida, conducente a afastar não apenas os adeptos dos estádios do país – o que já acontece –, mas também potenciais “consumidores” do futebol português à distância, via televisão ou internet.

Mais graves, porém, parecem ser as evidências apresentadas pelo estudo de da Silva, Abad, Macedo, Fortes e do Nascimento (2018). Estes investigadores brasileiros compararam o equilíbrio competitivo da principal liga brasileira com as ligas da Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Portugal, analisando um período temporal de 13 épocas consecutivas (2003/2004 – 2015/2016). Com base na equação subjacente ao “Índice C4 de Equilíbrio Competitivo” (C4 Index of Competitive Balance), que mede a desigualdade entre os 4 primeiros classificados da tabela final de cada época e as restantes equipas, mostraram que a liga portuguesa foi a que obteve um índice superior (mediana = 155), ou seja, cuja desigualdade foi a mais elevada da amostra (valores mais baixos, a tender para os 100, refletem maior equilíbrio competitivo). As diferenças obtiveram significado estatístico quando comparada com as ligas do Brasil, França e Alemanha (figura 1).

Figura 1. Equilíbrio competitivo nas principais ligas dos 7 países analisados (da Silva et al., 2018).
Nota: valores mais elevados refletem maior desequilíbrio competitivo.

A tendência temporal verificada pelos investigadores para a liga portuguesa demonstra que o desequilíbrio competitivo (ou a desigualdade entre os 4 primeiros classificados e as restantes equipas) tem vindo a aumentar significativamente ao longo do tempo, como podemos comprovar pela reta de regressão que consta na figura 2.

Figura 2. Modelo de regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga portuguesa (da Silva et al., 2018).

Na minha perspetiva, creio que o problema resume questões do foro cultural e organizacional. Cultural, porque a “clubite aguda” existente em Portugal, que retrata uma clara preferência exacerbada por um dos ditos “três grandes” em detrimento do clube da terra ou da região, como acontece em países como Espanha ou Inglaterra, centraliza o interesse da maioria dos adeptos nos clubes já fortes, tornando-os ainda mais dominadores. No âmbito organizacional, assiste-se a uma evidente monopolização das decisões tomadas pelos “clubes grandes” em prol das suas próprias agendas. Benefício traz benefício, lucro gera lucro e a bola de neve continua a rolar.

Ao cabo da primeira volta da liga portuguesa na presente época de 2018/2019, o 4.º classificado – Sporting CP – leva 7 pontos de vantagem para o 5.º classificado (Belenenses SAD). Mais, os pontos conquistados por FC Porto, SL Benfica, SC Braga e Sporting CP representam 36% do total de pontos acumulados pelas 16 equipas. Estas mesmas 4 equipas vão disputar a final four da Taça de Liga e as meias-finais da Taça de Portugal, o que nos elucida acerca da (fraca) competitividade do nosso futebol profissional.

Por isso, são urgentes medidas para equilibrar a balança da competitividade e dotar os “clubes pequenos” de mais e melhores condições e recursos para fazer crescer o produto “futebol made in Portugal”. Talvez não seja demais relembrar o modo como foram redistribuídos os direitos televisivos do futebol em Inglaterra que, conjuntamente com outras medidas estruturais de fundo, determinaram um decréscimo ligeiro (e progressivo) do desequilíbrio competitivo na FA Premier League, conforme consta na figura 3.

Figura 3. Modelo de regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga inglesa (da Silva et al., 2018).

A realidade está à vista de todos e dispensa os dados acima referidos para ser minimamente compreendida. A consequência mais óbvia é o reduzido número de espetadores na maioria dos jogos da Liga NOS. O paradigma vigente impõe a necessidade de reformular procedimentos, afinar estratégias e repensar a estrutura do futebol português para que a competitividade, o jogo e os seus principais intervenientes saiam valorizados. A dúvida que subsiste é se necessidade de tal ordem não coloca em causa as pretensões e a visão dos detentores da hegemonia que perdura há largas décadas.

Referências
Poli, R., Besson, R., & Ravenel, L. (2018). Football analytics: the CIES Football Observatory 2017/18 season. Retrieved from http://www.football-observatory.com/IMG/pdf/cies_football_analytics_2018.pdf
Da Silva, C. D., Abad, C. C. C., Macedo, P. A. P., Fortes, G. O. I., & do Nascimento, W. W. G. (2018). Equilíbrio competitivo no futebol: um estudo comparativo entre Brasil e as principais ligas europeias. Journal of Physical Education, 29, e2945. doi: 0.4025/jphyseduc.v29i1.2945