Um relatório elaborado
pelo CIES Football Observatory (Poli,
Besson, & Ravenel, 2018) revelou que, de entre 35 ligas domésticas europeias,
a Primeira Liga portuguesa (Liga NOS) foi a que apresentou menor tempo útil de
jogo (51.5%) na época 2017/2018, um valor abaixo da média (55.6%), num conjunto
liderado pela principal liga sueca (59.6%) (tabela 1).
Tabela 1.
Percentagem do tempo útil de jogo por liga europeia (fonte: CIES Football Observatory).
Por si só, estes são dados
bastante preocupantes, não abonando nada a favor do entusiasmo e da atratividade
do nosso futebol. Desde logo, sugerem que os jogos estão sujeitos a muitas (e
longas) paragens (faltas, antijogo, etc.), sem a fluidez desejada pelos amantes
da modalidade enquanto fenómeno desportivo. Em bom português, evidencia uma
liga aborrecida, conducente a afastar não apenas os adeptos dos estádios do
país – o que já acontece –, mas também potenciais “consumidores” do futebol
português à distância, via televisão ou internet.
Mais graves, porém, parecem
ser as evidências apresentadas pelo estudo de da Silva, Abad, Macedo, Fortes e do
Nascimento (2018). Estes investigadores brasileiros compararam o equilíbrio
competitivo da principal liga brasileira com as ligas da Alemanha, Espanha,
França, Inglaterra, Itália e Portugal, analisando um período temporal de 13
épocas consecutivas (2003/2004 – 2015/2016). Com base na equação subjacente ao “Índice
C4 de Equilíbrio Competitivo” (C4 Index
of Competitive Balance), que mede a desigualdade entre os 4 primeiros
classificados da tabela final de cada época e as restantes equipas, mostraram
que a liga portuguesa foi a que obteve um índice superior (mediana = 155), ou
seja, cuja desigualdade foi a mais elevada da amostra (valores mais baixos, a
tender para os 100, refletem maior equilíbrio competitivo). As diferenças obtiveram
significado estatístico quando comparada com as ligas do Brasil, França e
Alemanha (figura 1).
Figura 1. Equilíbrio
competitivo nas principais ligas dos 7 países analisados (da Silva et al.,
2018).
Nota: valores mais elevados
refletem maior desequilíbrio competitivo.
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A tendência temporal verificada
pelos investigadores para a liga portuguesa demonstra que o desequilíbrio
competitivo (ou a desigualdade entre os 4 primeiros classificados e as restantes
equipas) tem vindo a aumentar significativamente ao longo do tempo, como
podemos comprovar pela reta de regressão que consta na figura 2.
Figura 2. Modelo de
regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga portuguesa
(da Silva et al., 2018).
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Na minha perspetiva, creio
que o problema resume questões do foro cultural e organizacional. Cultural,
porque a “clubite aguda” existente em Portugal, que retrata uma clara
preferência exacerbada por um dos ditos “três grandes” em detrimento do clube
da terra ou da região, como acontece em países como Espanha ou Inglaterra,
centraliza o interesse da maioria dos adeptos nos clubes já fortes, tornando-os
ainda mais dominadores. No âmbito organizacional, assiste-se a uma evidente
monopolização das decisões tomadas pelos “clubes grandes” em prol das suas
próprias agendas. Benefício traz benefício, lucro gera lucro e a bola de neve
continua a rolar.
Ao cabo da primeira volta
da liga portuguesa na presente época de 2018/2019, o 4.º classificado – Sporting
CP – leva 7 pontos de vantagem para o 5.º classificado (Belenenses SAD). Mais,
os pontos conquistados por FC Porto, SL Benfica, SC Braga e Sporting CP
representam 36% do total de pontos acumulados pelas 16 equipas. Estas mesmas 4
equipas vão disputar a final four da
Taça de Liga e as meias-finais da Taça de Portugal, o que nos elucida acerca da
(fraca) competitividade do nosso futebol profissional.
Por isso, são urgentes
medidas para equilibrar a balança da competitividade e dotar os “clubes pequenos”
de mais e melhores condições e recursos para fazer crescer o produto “futebol made in Portugal”. Talvez não seja
demais relembrar o modo como foram redistribuídos os direitos televisivos do
futebol em Inglaterra que, conjuntamente com outras medidas estruturais de
fundo, determinaram um decréscimo ligeiro (e progressivo) do desequilíbrio
competitivo na FA Premier League,
conforme consta na figura 3.
Figura 3. Modelo de
regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga inglesa (da
Silva et al., 2018).
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A realidade está à vista
de todos e dispensa os dados acima referidos para ser minimamente compreendida.
A consequência mais óbvia é o reduzido número de espetadores na maioria dos
jogos da Liga NOS. O paradigma vigente impõe a necessidade de reformular
procedimentos, afinar estratégias e repensar a estrutura do futebol português
para que a competitividade, o jogo e os seus principais intervenientes saiam
valorizados. A dúvida que subsiste é se necessidade de tal ordem não coloca em
causa as pretensões e a visão dos detentores da hegemonia que perdura há largas
décadas.
Referências
Poli, R., Besson,
R., & Ravenel, L. (2018). Football
analytics: the CIES Football Observatory 2017/18 season. Retrieved from http://www.football-observatory.com/IMG/pdf/cies_football_analytics_2018.pdf
Da Silva,
C. D., Abad, C. C. C., Macedo, P. A. P., Fortes, G. O. I., & do Nascimento,
W. W. G. (2018). Equilíbrio competitivo no futebol: um estudo
comparativo entre Brasil e as principais ligas europeias. Journal of
Physical Education, 29, e2945. doi: 0.4025/jphyseduc.v29i1.2945
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