06/04/2019

Futebol “heavy metal” por Jürgen Klopp

A equipa principal do Liverpool FC é, ao cabo de 34 jornadas da FA Premier League 2018/2019, um dos principais favoritos a conquistar o troféu, seguindo com dois pontos a mais em relação ao atual campeão Manchester City FC que, no entanto, tem menos um jogo realizado. Apesar das inúmeras críticas por ainda não ter vencido qualquer troféu ao serviço dos “Reds” em três épocas e meia, Jürgen Klopp devolveu ao clube a capacidade competitiva de outrora. Por exemplo, perdeu a final da UEFA Champions League 2017/2018 para o Real Madrid CF e, em 2015/2016, perdeu as finais da UEFA Europa League para o Sevilla FC e da Taça da Liga inglesa para o Manchester City FC.

Em termos genéricos, o estilo de futebol “heavy metal”, assim designado pelo treinador alemão Jürgen Klopp aquando da passagem bem-sucedida pelo Borussia Dortmund, engloba três predicados fundamentais: velocidade, paixão e excitação. No fundo, estas qualidades encaixam perfeitamente naquilo que o futebol inglês é pródigo – entusiasmo – e as contratações realizadas por Klopp têm contribuído, de sobremaneira, para que a sua ideia de jogo seja implementada, independentemente da competição em disputa (figura 1).

Figura 1. Klopp e o seu futebol "heavy metal" (fonte: pinterest.com).

A filosofia do técnico faz jus à escola alemã, na qual o pragmatismo é um aspeto basilar. A interpretação dos objetivos fundamentais do jogo é literal: com bola, é para atacar a baliza e marcar golo; sem bola, a equipa tenta recuperá-la o mais rápido possível ou, em última instância, protege a própria baliza para evitar o golo. Neste âmbito, esta visão “heavy metal” corrobora a linha de pensamento do professor Castelo (2004), a qual postulava a tendência de as duas fases clássicas do jogo (ataque e defesa) se fundirem numa só, o ataque: atacar a baliza para marcar golo ou atacar a bola de forma a recuperá-la.

Assim, em processo ofensivo, os métodos de ataque rápido e contra-ataque predominam na mente de Klopp, consubstanciados no pretexto de aproveitar, célere e efetivamente, a maior desorganização e desorientação das equipas adversárias nos instantes que medeiam a perda da posse de bola. Não é por acaso que Pep Guardiola considera o Liverpool como a melhor equipa do mundo a jogar em… ataque rápido. No setor ofensivo conta com três jogadores dotados de elevada mobilidade, velocidade e criatividade (Mané, Firmino e Salah). Jogam sem referenciais posicionais estanques, sendo as permutas posicionais e as combinações táticas ofensivas uma constante, agudizando os problemas de marcação e de controlo do espaço por parte dos adversários. Os setores defensivo e intermédio são, regra geral, práticos e dinâmicos nas suas ações, não apresentando dificuldades em mover rapidamente a bola para os seus “desequilibradores” na frente de ataque. O ritmo frenético das equipas de Klopp faziam lembrar o tema “Battery” dos Metallica, embora recentemente este Liverpool seja mais proficiente a determinar os momentos e as zonas para acelerar para a baliza adversária. A isto, certamente, não estarão alheias as observações e as análises elaboradas a outras equipas e que resultaram numa evolução qualitativa dos processos de Klopp em organização ofensiva. A música é outra (talvez uma “One” da mesma banda), pressupondo a alternância de períodos frenéticos de progressão para a baliza adversária e outros mais calmos (melódicos) de procura de condições mais propícias para romper a organização defensiva dos oponentes (conforme demonstra o vídeo seguinte).



Ao invés, sem bola, o momento de transição defensiva (ataque-defesa) é explorado pelo Liverpool para contrariar um eventual contra-ataque ou ataque rápido da equipa oponente, tendo-se popularizado os termos “gegenpressing” ou “counterpressing” (i.e., forte pressão para neutralizar o contra-ataque adversário; figura 2). Após perda de bola, a velocidade e a agressividade associadas às ações dos jogadores no centro de jogo visam, não apenas recuperar novamente a posse, como fechar linhas de passe imediatas no espaço envolvente que permitam desenvolver o contra-ataque por zonas menos congestionadas e perigosas para o Liverpool. É um método muito desgastante em termos físicos e que implica uma coordenação interpessoal muito aprimorada para ser eficaz. Devido ao número de lesões musculo tendinosas ocorridas em épocas anteriores, facto que levou Klopp a ser bastante criticado em Inglaterra, o manager adotou uma abordagem mais madura e inteligente: agora, a equipa é mais criteriosa nos timings selecionados para aplicar este “gegenpressing”, não o fazendo desmedidamente ao longo do jogo. Por norma, a linha defensiva posiciona-se em zonas mais próximas da linha do meio-campo para retirar profundidade ao processo ofensivo oponente e aumentar a concentração de defensores no centro de jogo e nas suas imediações. Se, porventura, os oponentes optarem por um jogo mais direto, o Liverpool possui no seu setor defensivo jogadores competentes para resolver situações de bolas altas e/ou colocadas em profundidade.

Figura 2. Exemplo do "counterpressing" do Liverpool FC em processo defensivo.

Acima de tudo, trata-se de uma proposta de jogo muito interessante e que prima por ser diferente de outros estilos mais populares entre os treinadores de futebol, aqueles que surgem habitualmente (ou, se preferirem, excessivamente) conotados com o sucesso no futebol de elite. Como é óbvio, esta abordagem possui lacunas que o treinador alemão tem tentado debelar, tal como outras nuances que tem procurado potenciar. Por força da sua aplicação em contexto competitivo, tem-nos mostrado que é possível alcançar patamares elevados de rendimento por vias alternativas que não pelo método ofensivo posicional. Ao contrário do que sucedeu na Alemanha, até poderá nunca conquistar nenhum título em Liverpool, mas duvido que Jürgen Klopp e o seu “heavy metal football” não sejam mais tarde recordados pelos exigentes adeptos “Reds”.


Referência
Castelo, J. (2004). Futebol – Organização dinâmica do jogo. Cruz Quebrada: FMH edições.

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