Cá na terra, o sobejamente
conhecido Ti Toino Jorge contornou habilmente as escassas probabilidades de
longevidade que, face às vicissitudes da sua vida, sempre lhe foram atribuídas.
Na minha humilde perspetiva é, aos 91 anos de idade, um ancião dos tempos
modernos, um catedrático da universidade da vida. Certo dia teve a subtileza de
admitir que o segredo, se assim se pode designar, para a sua longevidade foi o
desafio constante. Dizia que “temos de nos desafiar” porque “parar é morrer”. Serviu
de mote para esta nova publicação: o resultado de um desafio a mim mesmo.
O desafio consubstanciou três
vertentes fundamentais: (1) envolver
uma amostra da principal competição desportiva do mundo, excetuando os Jogos Olímpicos:
o Campeonato Mundial de Futebol da FIFA; (2)
publicar numa revista internacional com revisão de pares; (3) efetuar sozinho todos os procedimentos desde o projeto de
investigação até à revisão das provas, caso fosse aceite para publicação. Tudo
isto resumiu-se numa simples questão: “serei capaz?”. No passado dia 6 de maio
de 2019, a publicação online na revista britânica Science and Medicine in Football confirmou que sim (figura 1).
Figura 1. Capa oficial da revista "Science and Medicine in Football". (fonte: Routledge - Taylor & Francis Group) |
Nem tudo foi um mar de
rosas. Por exemplo, na primeira opção de submissão não passou do editor, por
considerar que a amostra de sequências ofensivas não permitia a generalização
dos dados. Depois de 6 ou 7 meses de trabalho termos um produto final que, à
partida, é barrado pelo editor de uma revista, sem sequer ser alvo de revisão
por pares, é inglório e demasiado frustrante. Perseverança, resiliência e determinação.
O próximo passo foi ainda mais desafiante, pois subi a fasquia. Felizmente, foi
bem acolhido por ambos os revisores, a quem devo uma palavra de agradecimento
pela pertinência das correções/sugestões propostas. Os agradecimentos são
extensíveis ao amigo Tiago Salvador, sempre disponível para recolher dados e/ou
aferir as fiabilidades intra e interoperador. Fiz questão de deixar esta
gratidão patente no artigo final, tal como uma dedicatória a um (pequeno)
ser humano que mudou a minha visão do mundo para melhor: o meu filho Carlos
Jorge de Almeida.
A investigação em si
permitiu identificar algumas tendências ofensivas do futebol moderno, em
particular de equipas de elite bem-sucedidas. A capacidade de impor ritmos mais
elevados de circulação de bola e de envolvimento coletivo parece ser
determinante para romper organizações defensivas cada vez mais sofisticadas. A
mera percentagem de posse de bola, carente de objetividade ou propósito, não
aparenta estar relacionada com o sucesso numa competição como o Mundial da FIFA.
A posse de qualidade, cujo objetivo é criar condições mais propícias para
finalizar em golo, sobressaiu como uma tendência relevante das equipas que
seguiram para os oitavos-de-final da prova. A variabilidade de soluções táticas ofensivas
e a importância dos esquemas táticos, ainda que estes últimos não tenham
diferenciado equipas eliminadas de equipa apuradas para a fase seguinte da
competição (figura 2), foram também alvo de discussão.
De seguida, apresento-vos
o “abstract” (resumo) do artigo que foi produzido sob a chancela do Centro de
Investigação em Desporto e Educação Física (CIDEF) do Instituto Superior Manuel
Teixeira Gomes (ISMAT), em Portimão.
Abstract
This
study aimed to compare the offensive sequences that resulted in goals in the
group stage of the 2018 FIFA World Cup according to teams’ status: eliminated
versus qualified for the knockout phase. Successful offensive sequences
performed in the group stage by eliminated (n = 39) and qualified teams (n =
83) were notated post-event using an adapted version of the Offensive Sequences
Characterisation System, which includes simple and composite performance
indicators. Magnitude-based inferences revealed that performances indicators
Passes/Duration, Passes/Ball touches, Players/Duration and Passes/Players were
key to differentiate eliminated and qualified teams. Performance profiles
emerging from qualified teams suggest the ability to impose a faster game pace
(of ball passing and collective involvement) is more relevant to offensive
effectiveness in elite football than the mere amount of sport-specific actions
performed. Although offensive sequences with more passes, ball touches and
duration had a possible positive effect on reaching the knockout phase, the
offensive behaviours of qualified teams highlighted the importance of ‘quality
possession’. Indeed, offensive sequences involving more players (teamwork) and
favouring ball passing instead of individual ball retention seem to facilitate
the emergence of goal-scoring events. Considering these findings, professional
coaches are encouraged to design playing-form activities aiming to promote
team-based offensive strategies, including task constraints to increase the
game pace and the frequency of ‘penetrating passes’ into vital playing areas.
Keywords: football, notational analysis, team performance,
technical component, contextual variables
Reference
Almeida, C. H. (2019). Comparison of successful offensive sequences in the group
stage of 2018 FIFA World Cup: eliminated vs. qualified teams. Science and Medicine
in Football. doi: 10.1080/24733938.2019.1613557
(free eprint here)
Como tudo encerra uma
lição de vida, estes cerca de 11 meses mostraram-me que, embora seja crucial
desafiarmos e superarmos as nossas dúvidas ou barreiras pessoais, o trabalho de
equipa é altamente recomendado. Se é verdade que sozinhos podemos chegar mais
depressa, acompanhados chegaremos provavelmente mais longe.
Torço para que seja uma
leitura aprazível para o leitor ou, para todos os que fazem do futebol e/ou do
desporto um modo de vida, que inclua informação útil para a sua atividade
profissional.
Até breve!
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