Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes
critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com
revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
- 15 -
Autores: Papanikolaou,
K., Tsimeas, P., Anagnostou, A., Varypatis, A., Mourikis, C., Tzatzakis, T., Draganidis,
D., Batsilas, D., Mersinias, T., Loules, G., Poulios, A., Deli, C. K., Batrakoulis,
A., Chatzinikolaou, A., Mohr, M., Jamurtas, A. Z., & Fatouros, I. G.
País: Grécia
Data de publicação: 25-fevereiro-2021
Revista: International Journal of
Sports Physiology and Performance
Referência: Papanikolaou, K.,
Tsimeas, P., Anagnostou, A., Varypatis, A., Mourikis, C., Tzatzakis, T.,
Draganidis, D., Batsilas, D., Mersinias, T., Loules, G., Poulios, A., Deli, C.
K., Batrakoulis, A., Chatzinikolaou, A., Mohr, M., Jamurtas, A. Z., &
Fatouros, I. G. (2021). Recovery kinetics following small-sided games in
competitive soccer players: Does player density size matter? International Journal
of Sports Physiology and Performance. https://doi.org/10.1123/ijspp.2020-0380
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 15 – março de
2021.
Apresentação do problema
O jogo de futebol é um desporto intermitente caracterizado por ações abruptas de alta intensidade, alternadas com períodos de esforço de intensidade baixa a moderada (Bangsbo et al., 2006). Por este facto, é frequente a introdução de exercícios de alta intensidade com bola nos microciclos de treino. Nesta conjuntura, os jogos reduzidos são meios de treino bastante populares, sendo propostos para desenvolver a capacidade dos jogadores em realizar esforços de alta intensidade e para melhorar comportamentos técnicos e táticos específicos, mediante a execução de padrões de movimento em contextos que replicam as exigências do jogo competitivo (Rampinini et al., 2007).
Os jogos reduzidos com menor número de jogadores parecem aumentar a carga fisiológica, proporcionando valores mais elevados na frequência cardíaca e na concentração sanguínea de lactato (Aguiar et al., 2013). Jogos com maiores áreas de jogo (>40x30m) ou menor densidade de jogadores (≥175 m2/jogador) induzem uma carga externa mais elevada (Casamichana & Castellano, 2010). Uma vez que estas tarefas incorporam ações repetidas de alta intensidade, com um elemento excêntrico vincado, têm sido associadas ao aparecimento de dano muscular induzido pelo exercício, à instalação de fadiga e ao declínio acentuado da performance (Fatouros et al., 2010; Tzatzakis et al., 2020). No entanto, apesar de estudos recentes terem demonstrado que a função neuromuscular e a performance ficam comprometidas (Madison et al., 2019; Sparkes et al., 2018), os respetivos procedimentos experimentais utilizaram medidas de performance e marcadores de dano muscular limitados e, também, num período muito restrito (≈ 24h) a seguir à prática de jogo reduzido.
De acordo com os autores deste estudo, a cinética de
recuperação do dano muscular induzido pelo exercício, da fadiga neuromuscular e
de variáveis de performance após jogos reduzidos ainda não foi investigada. A
informação sobre o tempo necessário para a recuperação completa após jogos
reduzidos pode determinar a frequência ótima de utilização destas atividades no
decurso de um microciclo semanal. Assim, esta investigação teve o propósito de
avaliar a cinética de recuperação dos parâmetros acima especificados, na
sequência da implementação de jogos reduzidos com diferentes densidades
individuais.
Métodos
Amostra: 10 jogadores (idade: 21.7 ± 2.1 anos), de acordo com os seguintes critérios: nível competitivo (≥5 sessões de treino/semana e ≥1 jogo/semana), durante, pelo menos, 4 épocas desportivas e sem historial de doenças ou lesões musculoesqueléticas.
Protocolo e medidas: o
estudo teve o seu início uma semana após o término do período competitivo. A
investigação apresentou um design randomizado, crossover e de medidas
repetidas, pressupondo 3 ensaios: (1) controlo (sem treino); (2)
4v4 (20x25m, 62.5m2/jogador); (3) 8v8 (70x65m, 284.4m2/jogador).
Os participantes estavam familiarizados com os procedimentos experimentais e as
suas medidas antropométricas e de performance já haviam sido recolhidas. As contrações
isométricas máximas voluntárias (MVIC; extensores e flexores do joelho) dos
membros dominante e não dominante foram determinadas à partida (baseline)
e nas 3 horas seguintes (uma vez por hora) após o jogo reduzido, como medida de
fadiga neuromuscular. O aparecimento retardado de dor muscular (DOMS), a
atividade da creatina quinase (CK), a força isocinética
concêntrica/excêntrica, o salto com contramovimento (CMJ) e o sprint
30 metros foram avaliados na baseline e, diariamente, durante as 72h
de recuperação. O lactato sanguíneo (BLa) e a perceção subjetiva de
esforço (RPE) foram medidos na baseline e após o jogo reduzido. A atividade
locomotora em campo durante os jogos reduzidos (i.e., distância de
corrida em alta intensidade, 14–21 km/h; distância de corrida de alta
velocidade, >21 km/h; número de acelerações intensas, >2 m/s2;
número de desacelerações intensas, >2 m/s2) e a frequência
cardíaca (HR) foram monitorizados continuamente através de GPS. Entre
ensaios, os participantes cumpriram um período de recuperação de 7 dias, composto
por treinos diários leves (figura 2).
Figura 2. O fluxograma da experiência (Papanikolaou et al., 2021).
Legenda: CMJ, counter movement jump; DOMS, delayed-onset
muscle soreness; DXA, dual-energy X-ray absorptiometry; IE, intermittent
endurance; IR, intermittent recovery; MVIC, maximal voluntary
isometric contraction; VO2max, maximal oxygen consumption.
Jogos reduzidos: estas
atividades foram realizadas num campo de relva natural, em condições ambientais
similares (20–24 ºC e 40–50% de humidade). O 4v4 foi disputado em 6 séries de 4
minutos, com 180 segundos de pausa, uma área de jogo individual de 62.5 m2/jogador
e elevada densidade de jogadores. O 8v8 foi disputado em 3 séries de 8 minutos,
com 90 segundos de pausa, 284.4 m2/jogador de área de jogo
individual e baixa densidade de jogadores (figura 3). O objetivo dos jogos foi
manter a posse de bola e os jogadores foram encorajados verbalmente, no sentido
de assegurar uma participação ativa e com alta intensidade. Não foram
utilizados guarda-redes e foi imposta a limitação de jogar a 2 toques por
intervenção sobre a bola. Em cada sessão, após um aquecimento padrão de 20
minutos, 5 participantes foram monitorizados na situação de jogo, enquanto os
jogadores substitutos foram utilizados para completar as relações numéricas
pretendidas. Este procedimento foi cumprido duas vezes para ambos os ensaios
(4v4 e 8v8), de modo a incluir os 10 elementos da amostra. Os jogadores foram
distribuídos pelas equipas de forma equilibrada.
Figura 3. Jogos reduzidos 4v4 (20x25m; painel A) e 8v8 (70x65m; painel B), com o objetivo de manter a posse de bola (imagem não publicada pelos autores).
Análise estatística: Os
dados foram apresentados como médias (e desvios-padrão). O teste Shapiro-Wilk
foi usado para averiguar a normalidade dos dados. As diferenças entre grupos e
intragrupos foram analisadas recorrendo a uma análise de variância de duas vias
(condição vs. tempo) para medidas repetidas, com contrastes planeados para
pontos temporais e incluindo o teste post hoc de Bonferroni. A
significância estatística foi estabelecida para P < .05. O método
Hedge g (corrigido para vieses) foi empregue para estimar as dimensões
de efeito e os intervalos de confiança.
· Performance e respostas fisiológicas
Os 2
jogos reduzidos originaram valores comparáveis na distância total, velocidade
média, acelerações e desacelerações intensas. No 8v8, os jogadores percorreram
maiores distâncias de corrida em alta intensidade, de corrida em alta
velocidade e em velocidade máxima do que no 4v4. Os parâmetros da carga interna
frequência cardíaca média, frequência cardíaca pico e tempo >90% FCmáx
foram superiores no 4v4. O lactato sanguíneo aumentou imediatamente após ambos os
jogos reduzidos, obtendo valores mais elevados no 4v4. A perceção subjetiva de
esforço foi superior no 8v8 comparativamente ao 4v4.
· Dano muscular
O aparecimento
retardado de dor muscular aumentou no 4v4 durante 72h e no 8v8 durante
24h, sendo mais pronunciada para os flexores do joelho em comparação com os
músculos extensores. Em relação ao 8v8, foram registados valores mais elevados
de CK no 4v4 às 48h e às 72h após o esforço.
Independentemente da densidade de jogadores, os jogos reduzidos induzem danos
musculares prolongados. Embora a magnitude seja inferior ao observado no jogo
formal, o período de recuperação é similar ao verificado em contexto competitivo.
· Fadiga neuromuscular
No 4v4, as contrações isométricas máximas voluntárias de
ambos os membros (dominante e não dominante) decresceram 1h pós-esforço nos
extensores do joelho, enquanto nos flexores do joelho decresceram após 1h e 2h,
normalizando em seguida. No 8v8, as contrações máximas dos extensores do joelho
dos 2 membros (dominante e não dominante) diminuíram após 1h, 2h e 3h. Nos
flexores do joelho, foram constatados decréscimos após 1h e 2h (dominante e não
dominante), e 3h (membro não dominante). Houve uma redução mais acentuada nos
flexores do joelho (≈7–12%) do que nos extensores do joelho, provavelmente
devido ao perfil de contração excêntrica verificado em inúmeras ações específicas
da modalidade, como rematar, saltar e desarmar (Mohr et al., 2016).
· Força isocinética
No 4v4, a força concêntrica dos extensores do joelho
diminuiu após 24h (membro inferiore dominante), embora nos flexores do joelho
esse decréscimo tenha sido observado em ambos os membros. A força excêntrica
dos extensores e flexores do joelho, de ambos os membros inferiores,
demonstraram um padrão de decréscimo similar em 24h, recuperando totalmente em
72h. No 8v8, a força concêntrica dos extensores do joelho ficou comprometida
até às 48h e nos flexores do joelho até às 24h pós-ensaio (ambos os membros). A força
excêntrica dos músculos agonistas e antagonistas da coxa sofreu um decréscimo às
24h, às 48h e às 72h, nos 2 membros inferiores. Os dados sugerem que a
força excêntrica dos flexores do joelho é um dos indicadores de performance mais
sensíveis da cinética de recuperação subsequente ao treino com jogos reduzidos.
· Tempo de sprint 0–30m e salto com contramovimento
O tempo de sprint de 30 metros aumentou após 24h (4v4 e
8v8), 48h (4v4 e 8v8) e às 72h apenas para o grupo 8v8. No 4v4, a altura do
salto com contramovimento somente diminuiu após 24h, porém, no 8v8, decresceu
imediatamente após o exercício, às 24h e às 48h.
Aplicações práticas
Os jogos reduzidos induzem dano muscular que, independentemente da densidade de jogadores, se pode prolongar até às 72h pós-esforço, o que é surpreendente tendo em consideração que cada jogo reduzido foi disputado com um tempo útil de 24 minutos. Estes resultados sugerem que, a seguir a jogos reduzidos exigentes, conteúdos que acarretem altas intensidades podem não ser adequados na própria sessão de treino, nem nos 2 dias subsequentes. A fadiga central pode, até certa parte, explicar a deterioração da performance a curto-prazo, por via de alterações agudas no controlo motor neuronal (Thomas et al., 2017).
A densidade de jogadores proposta (área de jogo individual) é um fator importante. Ainda que o 4v4 seja mais intenso, com base na monitorização de parâmetros da carga interna, o 8v8 tende a originar cinéticas de recuperação da performance mais prolongadas (72h para a força isocinética e velocidade, e 48h para a força explosiva – salto com contramovimento). No caso do 4v4, o decremento da performance física foi mais curto, sendo alcançados valores iniciais (baseline) em pontos temporais prévios (48h para a força isocinética e velocidade, e 24h para o salto com contramovimento). De facto, o declínio na força, no salto com contramovimento e na velocidade foi mais acentuado no 8v8.
Jogos
reduzidos de baixa densidade (e.g., 8v8, 70x65m: 284.4 m2/jogador)
não devem ser propostos mais de 3 vezes por semana, isto caso a equipa técnica
pretenda que os jogadores recuperem totalmente do esforço antes de uma próxima
sessão de treino, evitando a acumulação de fadiga. Por sua vez, jogos reduzidos
com alta densidade (e.g., 4v4, 20x25m: 62.5 m2/jogador) podem ser
propostos mais frequentemente e até 2 dias antes do jogo competitivo. Uma vez
que uma recuperação ótima é essencial para desempenhos de êxito e para a
prevenção de lesões, alternar a tipologia de jogos reduzidos e/ou reduzir o
respetivo volume podem ser estratégias profícuas para encurtar o período de
recuperação dos jogadores.
Conclusão
O treino
coletivo mediante jogos reduzidos induz dano muscular, fadiga neuromuscular de curto
prazo, bem como uma cinética de recuperação lenta associada às capacidades de
produzir força isocinética (membros inferiores), força explosiva (salto), e na
performance em sprint. O tempo necessário para alcançar uma recuperação
completa é mais elevado em jogos reduzidos de baixa densidade, podendo
prolongar-se das 24h às 72h. Os profissionais do treino de futebol devem
considerar as evidências ora apresentadas na conceptualização de microciclos semanais,
já que a maximização do rendimento coletivo depende da cinética de recuperação
de cada elemento que compõe a equipa.
P.S.:
1-
As que
constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e,
presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;
2-
Para melhor compreender as
ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3-
As citações efetuadas
nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor
encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International
Journal of Sports Physiology and Performance.