26/03/2021

Artigo do mês #15 – março 2021 | A cinética de recuperação após jogos reduzidos no futebol: A densidade de jogadores importa?

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

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Autores: Papanikolaou, K., Tsimeas, P., Anagnostou, A., Varypatis, A., Mourikis, C., Tzatzakis, T., Draganidis, D., Batsilas, D., Mersinias, T., Loules, G., Poulios, A., Deli, C. K., Batrakoulis, A., Chatzinikolaou, A., Mohr, M., Jamurtas, A. Z., & Fatouros, I. G.

País: Grécia

Data de publicação: 25-fevereiro-2021

Título: Recovery kinetics following small-sided games in competitive soccer players: Does player density size matter?

Revista: International Journal of Sports Physiology and Performance

Referência: Papanikolaou, K., Tsimeas, P., Anagnostou, A., Varypatis, A., Mourikis, C., Tzatzakis, T., Draganidis, D., Batsilas, D., Mersinias, T., Loules, G., Poulios, A., Deli, C. K., Batrakoulis, A., Chatzinikolaou, A., Mohr, M., Jamurtas, A. Z., & Fatouros, I. G. (2021). Recovery kinetics following small-sided games in competitive soccer players: Does player density size matter? International Journal of Sports Physiology and Performance. https://doi.org/10.1123/ijspp.2020-0380

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 15 – março de 2021.

 

Apresentação do problema

O jogo de futebol é um desporto intermitente caracterizado por ações abruptas de alta intensidade, alternadas com períodos de esforço de intensidade baixa a moderada (Bangsbo et al., 2006). Por este facto, é frequente a introdução de exercícios de alta intensidade com bola nos microciclos de treino. Nesta conjuntura, os jogos reduzidos são meios de treino bastante populares, sendo propostos para desenvolver a capacidade dos jogadores em realizar esforços de alta intensidade e para melhorar comportamentos técnicos e táticos específicos, mediante a execução de padrões de movimento em contextos que replicam as exigências do jogo competitivo (Rampinini et al., 2007). 

Os jogos reduzidos com menor número de jogadores parecem aumentar a carga fisiológica, proporcionando valores mais elevados na frequência cardíaca e na concentração sanguínea de lactato (Aguiar et al., 2013). Jogos com maiores áreas de jogo (>40x30m) ou menor densidade de jogadores (≥175 m2/jogador) induzem uma carga externa mais elevada (Casamichana & Castellano, 2010). Uma vez que estas tarefas incorporam ações repetidas de alta intensidade, com um elemento excêntrico vincado, têm sido associadas ao aparecimento de dano muscular induzido pelo exercício, à instalação de fadiga e ao declínio acentuado da performance (Fatouros et al., 2010; Tzatzakis et al., 2020). No entanto, apesar de estudos recentes terem demonstrado que a função neuromuscular e a performance ficam comprometidas (Madison et al., 2019; Sparkes et al., 2018), os respetivos procedimentos experimentais utilizaram medidas de performance e marcadores de dano muscular limitados e, também, num período muito restrito (≈ 24h) a seguir à prática de jogo reduzido. 

De acordo com os autores deste estudo, a cinética de recuperação do dano muscular induzido pelo exercício, da fadiga neuromuscular e de variáveis de performance após jogos reduzidos ainda não foi investigada. A informação sobre o tempo necessário para a recuperação completa após jogos reduzidos pode determinar a frequência ótima de utilização destas atividades no decurso de um microciclo semanal. Assim, esta investigação teve o propósito de avaliar a cinética de recuperação dos parâmetros acima especificados, na sequência da implementação de jogos reduzidos com diferentes densidades individuais.

 

Métodos

Amostra: 10 jogadores (idade: 21.7 ± 2.1 anos), de acordo com os seguintes critérios: nível competitivo (≥5 sessões de treino/semana e ≥1 jogo/semana), durante, pelo menos, 4 épocas desportivas e sem historial de doenças ou lesões musculoesqueléticas. 

Protocolo e medidas: o estudo teve o seu início uma semana após o término do período competitivo. A investigação apresentou um design randomizado, crossover e de medidas repetidas, pressupondo 3 ensaios: (1) controlo (sem treino); (2) 4v4 (20x25m, 62.5m2/jogador); (3) 8v8 (70x65m, 284.4m2/jogador). Os participantes estavam familiarizados com os procedimentos experimentais e as suas medidas antropométricas e de performance já haviam sido recolhidas. As contrações isométricas máximas voluntárias (MVIC; extensores e flexores do joelho) dos membros dominante e não dominante foram determinadas à partida (baseline) e nas 3 horas seguintes (uma vez por hora) após o jogo reduzido, como medida de fadiga neuromuscular. O aparecimento retardado de dor muscular (DOMS), a atividade da creatina quinase (CK), a força isocinética concêntrica/excêntrica, o salto com contramovimento (CMJ) e o sprint 30 metros foram avaliados na baseline e, diariamente, durante as 72h de recuperação. O lactato sanguíneo (BLa) e a perceção subjetiva de esforço (RPE) foram medidos na baseline e após o jogo reduzido. A atividade locomotora em campo durante os jogos reduzidos (i.e., distância de corrida em alta intensidade, 14–21 km/h; distância de corrida de alta velocidade, >21 km/h; número de acelerações intensas, >2 m/s2; número de desacelerações intensas, >2 m/s2) e a frequência cardíaca (HR) foram monitorizados continuamente através de GPS. Entre ensaios, os participantes cumpriram um período de recuperação de 7 dias, composto por treinos diários leves (figura 2).

 

Figura 2. O fluxograma da experiência (Papanikolaou et al., 2021).

Legenda: CMJ, counter movement jump; DOMS, delayed-onset muscle soreness; DXA, dual-energy X-ray absorptiometry; IE, intermittent endurance; IR, intermittent recovery; MVIC, maximal voluntary isometric contraction; VO2max, maximal oxygen consumption.

 

Jogos reduzidos: estas atividades foram realizadas num campo de relva natural, em condições ambientais similares (20–24 ºC e 40–50% de humidade). O 4v4 foi disputado em 6 séries de 4 minutos, com 180 segundos de pausa, uma área de jogo individual de 62.5 m2/jogador e elevada densidade de jogadores. O 8v8 foi disputado em 3 séries de 8 minutos, com 90 segundos de pausa, 284.4 m2/jogador de área de jogo individual e baixa densidade de jogadores (figura 3). O objetivo dos jogos foi manter a posse de bola e os jogadores foram encorajados verbalmente, no sentido de assegurar uma participação ativa e com alta intensidade. Não foram utilizados guarda-redes e foi imposta a limitação de jogar a 2 toques por intervenção sobre a bola. Em cada sessão, após um aquecimento padrão de 20 minutos, 5 participantes foram monitorizados na situação de jogo, enquanto os jogadores substitutos foram utilizados para completar as relações numéricas pretendidas. Este procedimento foi cumprido duas vezes para ambos os ensaios (4v4 e 8v8), de modo a incluir os 10 elementos da amostra. Os jogadores foram distribuídos pelas equipas de forma equilibrada.

  

Figura 3. Jogos reduzidos 4v4 (20x25m; painel A) e 8v8 (70x65m; painel B), com o objetivo de manter a posse de bola (imagem não publicada pelos autores).

 

Análise estatística: Os dados foram apresentados como médias (e desvios-padrão). O teste Shapiro-Wilk foi usado para averiguar a normalidade dos dados. As diferenças entre grupos e intragrupos foram analisadas recorrendo a uma análise de variância de duas vias (condição vs. tempo) para medidas repetidas, com contrastes planeados para pontos temporais e incluindo o teste post hoc de Bonferroni. A significância estatística foi estabelecida para P < .05. O método Hedge g (corrigido para vieses) foi empregue para estimar as dimensões de efeito e os intervalos de confiança.

 

Principais resultados

 

·      Performance e respostas fisiológicas

Os 2 jogos reduzidos originaram valores comparáveis na distância total, velocidade média, acelerações e desacelerações intensas. No 8v8, os jogadores percorreram maiores distâncias de corrida em alta intensidade, de corrida em alta velocidade e em velocidade máxima do que no 4v4. Os parâmetros da carga interna frequência cardíaca média, frequência cardíaca pico e tempo >90% FCmáx foram superiores no 4v4. O lactato sanguíneo aumentou imediatamente após ambos os jogos reduzidos, obtendo valores mais elevados no 4v4. A perceção subjetiva de esforço foi superior no 8v8 comparativamente ao 4v4.

 

·      Dano muscular

O aparecimento retardado de dor muscular aumentou no 4v4 durante 72h e no 8v8 durante 24h, sendo mais pronunciada para os flexores do joelho em comparação com os músculos extensores. Em relação ao 8v8, foram registados valores mais elevados de CK no 4v4 às 48h e às 72h após o esforço. Independentemente da densidade de jogadores, os jogos reduzidos induzem danos musculares prolongados. Embora a magnitude seja inferior ao observado no jogo formal, o período de recuperação é similar ao verificado em contexto competitivo.

 

·      Fadiga neuromuscular

No 4v4, as contrações isométricas máximas voluntárias de ambos os membros (dominante e não dominante) decresceram 1h pós-esforço nos extensores do joelho, enquanto nos flexores do joelho decresceram após 1h e 2h, normalizando em seguida. No 8v8, as contrações máximas dos extensores do joelho dos 2 membros (dominante e não dominante) diminuíram após 1h, 2h e 3h. Nos flexores do joelho, foram constatados decréscimos após 1h e 2h (dominante e não dominante), e 3h (membro não dominante). Houve uma redução mais acentuada nos flexores do joelho (≈7–12%) do que nos extensores do joelho, provavelmente devido ao perfil de contração excêntrica verificado em inúmeras ações específicas da modalidade, como rematar, saltar e desarmar (Mohr et al., 2016).

 

·      Força isocinética

No 4v4, a força concêntrica dos extensores do joelho diminuiu após 24h (membro inferiore dominante), embora nos flexores do joelho esse decréscimo tenha sido observado em ambos os membros. A força excêntrica dos extensores e flexores do joelho, de ambos os membros inferiores, demonstraram um padrão de decréscimo similar em 24h, recuperando totalmente em 72h. No 8v8, a força concêntrica dos extensores do joelho ficou comprometida até às 48h e nos flexores do joelho até às 24h pós-ensaio (ambos os membros). A força excêntrica dos músculos agonistas e antagonistas da coxa sofreu um decréscimo às 24h, às 48h e às 72h, nos 2 membros inferiores. Os dados sugerem que a força excêntrica dos flexores do joelho é um dos indicadores de performance mais sensíveis da cinética de recuperação subsequente ao treino com jogos reduzidos.

 

·      Tempo de sprint 0–30m e salto com contramovimento

O tempo de sprint de 30 metros aumentou após 24h (4v4 e 8v8), 48h (4v4 e 8v8) e às 72h apenas para o grupo 8v8. No 4v4, a altura do salto com contramovimento somente diminuiu após 24h, porém, no 8v8, decresceu imediatamente após o exercício, às 24h e às 48h.

 

Aplicações práticas

Os jogos reduzidos induzem dano muscular que, independentemente da densidade de jogadores, se pode prolongar até às 72h pós-esforço, o que é surpreendente tendo em consideração que cada jogo reduzido foi disputado com um tempo útil de 24 minutos. Estes resultados sugerem que, a seguir a jogos reduzidos exigentes, conteúdos que acarretem altas intensidades podem não ser adequados na própria sessão de treino, nem nos 2 dias subsequentes. A fadiga central pode, até certa parte, explicar a deterioração da performance a curto-prazo, por via de alterações agudas no controlo motor neuronal (Thomas et al., 2017). 

A densidade de jogadores proposta (área de jogo individual) é um fator importante. Ainda que o 4v4 seja mais intenso, com base na monitorização de parâmetros da carga interna, o 8v8 tende a originar cinéticas de recuperação da performance mais prolongadas (72h para a força isocinética e velocidade, e 48h para a força explosiva – salto com contramovimento). No caso do 4v4, o decremento da performance física foi mais curto, sendo alcançados valores iniciais (baseline) em pontos temporais prévios (48h para a força isocinética e velocidade, e 24h para o salto com contramovimento). De facto, o declínio na força, no salto com contramovimento e na velocidade foi mais acentuado no 8v8. 

Jogos reduzidos de baixa densidade (e.g., 8v8, 70x65m: 284.4 m2/jogador) não devem ser propostos mais de 3 vezes por semana, isto caso a equipa técnica pretenda que os jogadores recuperem totalmente do esforço antes de uma próxima sessão de treino, evitando a acumulação de fadiga. Por sua vez, jogos reduzidos com alta densidade (e.g., 4v4, 20x25m: 62.5 m2/jogador) podem ser propostos mais frequentemente e até 2 dias antes do jogo competitivo. Uma vez que uma recuperação ótima é essencial para desempenhos de êxito e para a prevenção de lesões, alternar a tipologia de jogos reduzidos e/ou reduzir o respetivo volume podem ser estratégias profícuas para encurtar o período de recuperação dos jogadores.

 

Conclusão

O treino coletivo mediante jogos reduzidos induz dano muscular, fadiga neuromuscular de curto prazo, bem como uma cinética de recuperação lenta associada às capacidades de produzir força isocinética (membros inferiores), força explosiva (salto), e na performance em sprint. O tempo necessário para alcançar uma recuperação completa é mais elevado em jogos reduzidos de baixa densidade, podendo prolongar-se das 24h às 72h. Os profissionais do treino de futebol devem considerar as evidências ora apresentadas na conceptualização de microciclos semanais, já que a maximização do rendimento coletivo depende da cinética de recuperação de cada elemento que compõe a equipa.

 

P.S.:

1-  As que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Physiology and Performance.

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