30/05/2021

Artigo do mês #17 – maio 2021 | Análise dos “piores cenários possíveis” numa equipa de futebol de elite

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

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Autores: Novak, A. R., Impellizzeri, F. M., Trivedi, A., Coutts, A., & McCall, A.

País: Austrália

Data de publicação: 10-abril-2021

Título: Analysis of the worst-case scenarios in an elite football team: Towards a better understanding and application

Revista: Journal of Sports Sciences

Referência: Novak, A. R., Impellizzeri, F. M., Trivedi, A., Coutts, A., & McCall, A. (2021). Analysis of the worst-case scenarios in an elite football team: Towards a better understanding and application. Journal of Sports Sciences. https://doi.org/10.1080/02640414.2021.1902138

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 17 – maio de 2021.

 

Apresentação do problema

Ao avaliar as atividades realizadas por um jogador em contexto competitivo, no sentido de identificar determinantes físicas e fisiológicas da performance, é possível definir objetivos de treino na estruturação das sessões práticas (Impellizzeri et al., 2019). Porém, para entender as exigências fisiológicas impostas pela carga externa do treino, também é necessário dispor de medidas da carga interna. Em conjunto, ambas permitem monitorizar a ocorrência de respostas internas favoráveis (ou desfavoráveis). Mais recentemente, as medidas da carga externa de jogos competitivos têm sido utilizadas para melhorar a conceptualização de exercícios de treino específicos, como os jogos reduzidos/condicionados, visando replicar as atividades que são efetuadas em contexto de jogo (Delaney, Duthie et al., 2016; Furlan et al., 2015; Weaving et al., 2019). 

Apesar disso, ultimamente tem sido sugerido que as médias das atividades em jogo têm uma relevância limitada na preparação do jogador, pois a aplicação desses valores como referências no treino pode não determinar que os indivíduos sejam expostos aos períodos mais intensos que ocorrem, intermitentemente, no decurso de uma partida (Delaney et al., 2015). Essas atividades, doravante designadas como os “piores cenários possíveis” (worst-case scenarios), têm sido analisadas de diversas formas: períodos de esforços repetidos de alta intensidade, períodos mais longos com a bola em jogo, períodos curtos com durações fixas, ou utilizando uma técnica de análise da média do movimento ao longo de muitos períodos do jogo, recorrendo a diversas variáveis espaciotemporais (e.g., distância, velocidade média, corrida de alta intensidade, aceleração média, potência metabólica e colisões). 

Em todos os casos, o intento aparenta ser o mesmo: captar as atividades físicas mais intensas experienciadas durante um jogo competitivo, por forma a que um estímulo semelhante possa ser reproduzido pelos jogadores no treino, potenciando, consequentemente, respostas positivas (McCall et al., 2020). Os “piores cenários possíveis” podem ser influenciados por inúmeros fatores contextuais além daqueles que já foram estudados (i.e., posições de jogo ou entre partes do jogo), como o tempo de ocorrência dentro de uma parte do jogo, estatuto do jogador (titular vs. substituto), a quantidade de minutos que um jogador está em campo e a quantidade de trabalho efetuado pelo jogador no período precedente a um “pior cenário possível”. Estes fatores devem ser equacionados em conjunto, pois os autores acreditam que o conceito de “pior cenário possível” não só ainda não foi adequadamente definido, como não foi proposta qualquer estrutura teórica apropriada para testar a sua existência e utilidade (figura 2).

 

Figura 2. Os “piores cenários possíveis” e as atividades físicas mais exigentes experienciadas num jogo. Fará sentido? (fonte: statsport.com; imagem não publicada pelos autores).

 

O objetivo geral deste estudo foi investigar os “piores cenários possíveis” no futebol, definidos como janelas temporais em curso. Embora estudos anteriores tenham reportado diferenças entre posições dos jogadores e partes do jogo no râguebi (Delaney, Duttie et al, 2016; Weaving et al., 2019) e os profissionais utilizem o constructo para monitorizar variáveis de alta intensidade (corrida em alta velocidade e sprint), um primeiro propósito passou por quantificar a variabilidade dos “piores cenários possíveis” quando estas análises são implementadas. Para o efeito, foi levantada a hipótese que “os piores cenários possíveis” são altamente variáveis, influenciados por diversos fatores contextuais e de valor limitado para os técnicos na tarefa de conceptualizar estruturas de planeamento para o treino. Um segundo propósito passou por propor uma potencial estrutura teórica para melhor definir e investigar os “piores cenários possíveis”.

 

Métodos

Desenho do estudo e participantes: foi levado a cabo um estudo retrospetivo e transversal, utilizando dados de 26 jogadores profissionais de futebol (idade: 28 ± 4 anos; estatura: 182 ± 6 cm; massa corporal: 78.8 ± 6.2 kg). Estes jogadores competiram por uma equipa da Premier League, ao longo de 38 jornadas, na época 2018/2019. Os guarda-redes foram removidos da análise, bem como os jogadores que participaram em menos de 5 jogos, sendo incluídos 21 jogadores de 5 grupos posicionais na amostra: médios-centro (n = 7), defesas centrais (n = 5), médios ala/extremos (n = 2), defesas laterais (n = 4) e pontas de lança (n = 3). Todos os dados foram analisados de forma anónima. 

Recolha de dados, cálculos e procedimentos: as coordenadas posicionais dos jogadores foram obtidas em cada jogo, com uma frequência de 25 Hz, recorrendo ao sistema de rastreamento ótico TRACAB Gen4 (ChyronHego, New York, USA), que foi previamente validado (c.f. Linke et al., 2015). Para cada jogador, em cada jogo e para cada parte, o “pior cenário possível” (worst-case scenario: WCS) foi definido como o pico de distâncias total (WCSTD), em corrida de alta velocidade (≥ 5.5 m/s; WCSHSR) e em sprint (≥ 7.0 m/s; WCSSP), e calculado em janelas de 3 minutos. Foi realizada uma observação por cada jogador em cada parte dos jogos, resultando numa média de 33 ± 22 observações por jogador. Após identificado o “pior cenário possível”, os 3 minutos precedentes foram calculados e definidos como o pré-período. As variáveis contextuais analisadas foram o grupo posicional, estatuto do jogador (titular vs. substituto), parte do jogo (1.ª vs. 2.ª), atividade total não acoplada para cada parte (o “pior cenário possível” de cada parte foi subtraído da atividade total apurada nessa mesma parte do jogo), minutos desde o início de cada parte, minutos totais jogados em cada parte e atividade no pré-período. 

Análise estatística: todas as análises estatísticas foram realizadas no programa R. Os “piores cenários possíveis” foram analisados através de modelos de efeitos mistos (mixed effects models), um para cada variável dependente (WCSTD, WCSHSR e WCSSP), de acordo com a figura 3. As variáveis contínuas foram estandardizadas para facilitar as comparações entre variáveis com escalas diferentes. Todas as variáveis independentes foram incluídas nos três modelos. No caso da variável categórica “grupo posicional”, a categoria de referência foi “defesas centrais”, por ser o grupo com mais observações. Para cada variável independente foram calculados os coeficientes estimados e os intervalos de confiança a 95%. Os valores marginais e condicionais de R2 foram, também, calculados para avaliar a variância explicada pelos modelos, contendo ou não os efeitos aleatórios.

 

Figura 3. Desenho do modelo. Os efeitos fixos estão hipoteticamente associados ao “pior cenário possível” (Worst-Case Scenario: WCS). Os efeitos aleatórios indicam fontes de variância atribuídas às medidas repetidas recolhidas da amostra (Novak et al., 2021).

 

Principais resultados

 

·      “Pior cenário possível” para distância total (WCSTD)

O coeficiente de variação intraindividual para distância total foi de 6.2%. O efeito do grupo posicional foi forte, com os defesas centrais, laterais, pontas de lança e médios ala/extremos a apresentarem menores valores de WCSTD que os médios-centro. Valores mais elevados nesta métrica estiveram associados com ocorrências precoces na parte do jogo ou na partida, atividades não acopladas mais elevadas e para jogadores substitutos. A variância não explicada permaneceu elevada (R2 = 0.53; 53%).

 

·      “Pior cenário possível” para corrida de alta velocidade (WCSHSR)

O coeficiente de variação intraindividual para esta variável aumentou para 25.2%. O efeito do grupo posicional também atenuou, sendo que apenas os defesas centrais registaram menores valores de WCSHSR que os médios-centro. Valores mais elevados de atividades não acopladas na mesma parte do jogo estiveram associados a valores de WCSHSR mais elevados. Inversamente, uma menor quantidade de minutos jogados esteve relacionada com valores mais elevados de WCSHSR. A variância não explicada manteve-se igualmente elevada (R2 = 0.53; 53%).

 

·      “Pior cenário possível” em sprint (WCSSP)

O coeficiente de variação intraindividual para a atividade em sprint alcançou o valor de 46.1%. Não houve diferenças significativas entre os grupos posicionais. Os valores mais elevados de WCSSP estiveram associados a valores mais elevados de produto total não acoplado e com uma ocorrência tardia na parte do jogo analisada. A variância não explicada reduziu ligeiramente (R2 = 0.40; 40%). 

As evidências refletem que estas variáveis são instáveis e difíceis de utilizar na prática, conforme ilustra a figura 4.

 

Figura 4. Variabilidade no tempo de ocorrência/timing dos “piores cenários possíveis” num jogo de futebol de elite. Os “piores cenários possíveis”, medidos por diferentes variáveis, não são necessariamente concorrentes (apenas jogadores que começaram e completaram uma parte inteira do jogo foram incluídos no gráfico) (Novak et al., 2021).

 

Estrutura teórica para definir e investigar os “piores cenários possíveis”

A elevada variabilidade na manifestação dos “piores cenários possíveis”, que, inclusivamente, podem ocorrer em diferentes fases do jogo, sugere que as reais exigências destes episódios podem variar consoante as circunstâncias nos quais ocorrem. Portanto, a utilização de valores de referência para induzir adaptações fisiológicas relevantes e adequadas no treino é, no mínimo, questionável. Por outro lado, mesmo que os “piores cenários possíveis” constituíssem uma métrica estável/regular, somente iria refletir a carga externa de uma única variável locomotora, sendo necessárias diversas interpretações univariadas. O problema é que um “pior caso possível” (ou outra qualquer definição para pico de exigências locomotoras) é, provavelmente, um constructo muito mais complexo, requerendo, assim, análises multivariadas. 

Os autores propuseram que um “pior cenário possível” resulta da combinação de vários fatores de carga externa e variáveis contextuais, com a variabilidade intraindividual a poder ser observada através de medidas de resposta interna em condições multivariadas. A figura 5 exibe o construto multifatorial de “pior cenário possível”, explicando alguns motivos para a variabilidade associada. A resposta interna observável deve ser selecionada em função da especificidade da atividade e do contexto. Por exemplo, a frequência cardíaca e a perceção subjetiva de esforço podem representar apropriadamente as exigências de atividades coletivas no terreno.

 

Figura 5. Estrutura teórica para definir e investigar os “piores cenários possíveis” como um constructo composto, determinado por várias combinações de fatores contextuais e de carga externa, e observável mediante medidas da carga interna (Novak et al., 2021).

 

Aplicações práticas

Os treinadores ou outros técnicos devem-se abster de recorrer aos “piores cenários possíveis” ou exigências pico para investigar variáveis locomotoras univariadas. 

Treinar ou estimular os jogadores para corresponderem positivamente a “piores cenários possíveis”, com base em performances anteriores ou valores médios, pode não os preparar convenientemente para um “pior cenário possível” num jogo futuro. 

É fundamental entender que um verdadeiro “pior cenário possível” é um constructo complexo e composto que, na realidade, constitui uma resposta interna extrema induzida pela combinação de diversos fatores de performance e contextuais. 

A equipa técnica deve estar ciente que um “pior cenário possível” não ocorre simultaneamente para todas as métricas (e.g., distância total, distância em corrida em alta velocidade ou distância em sprint) ou jogadores, o que permite dotar as suas expectativas para aprimorar o desempenho físico e a respetiva conceptualização do treino de maior representatividade.

 

Conclusão

No cômputo geral, quando analisado como uma métrica univariada, “o pior cenário possível” apresenta uma fraca consistência, em particular, estando na base da análise variáveis locomotoras que são frequentemente utilizadas pelos treinadores em desportos de equipa profissionais. Os valores de referência para, por exemplo, delimitar atividades de alta intensidade no treino são questionáveis. Ponderar cada “pior cenário possível” como um construto composto, que resulta de várias combinações de atividades físicas e fatores contextuais, e que pode ser monitorizado por parâmetros apropriados de carga interna, parece ser mais sensato. Finalmente, o conceito de “pior cenário possível” não foi previamente bem definido e a sua aplicabilidade no treino para promover adaptações fisiológicas favoráveis requer mais investigação.

 

P.S.:

1-  As que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Sports Sciences.

23/05/2021

O “meu” 11 da Liga NOS 2020/2021 (extra 4 primeiros classificados)

A Liga NOS 2020/2021 terminou no passado dia 19 de maio de 2021. Antes de a época ficar oficialmente concluída hoje, com a final da Taça de Portugal, entre SL Benfica e SC Braga, propus-me fazer um breve exercício: selecionar uma equipa, numa estrutura tática de base 1-4-3(2-1)-3, constituída por jogadores ainda com alguma margem de evolução (máximo 26/27 anos), suscetíveis de ser transferidos para clubes/campeonatos mais competitivos e que não fizeram parte do plantel dos 4 (quatro) primeiros classificados da prova: Sporting CP, FC Porto, SL Benfica e SC Braga. 

Decerto que discordarão comigo em algumas posições, até porque as revelações excedem o número de jogadores permitido, por lei, para iniciar um jogo de futebol. Sem grandes descrições ou justificações, a figura 1 exibe a minha escolha. Discriminei, ainda, algumas menções honrosas de jogadores que realizaram performances dignas de encher o olho.

 

Figura 1. O “meu” 11 da Liga NOS 2020/2021 (extra 4 primeiros classificados).

 

1) Guarda-redes: Léo Jardim (26 anos), Boavista FC

2) Lateral direito: Joel Pereira (24 anos), Gil Vicente FC

3) Defesa central: Fábio Cardoso (27 anos), CD Santa Clara

4) Defesa central: Tomás Ribeiro (22 anos), B Sad

5) Lateral esquerdo: Rúben Vinagre (22 anos), FC Famalicão

6) Médio defensivo: Stephen Eustáquio (24 anos), FC Paços de Ferreira

7) Extremo direito: Carlos Júnior (25 anos), CD Santa Clara

8) Médio de transição: Filipe Soares (22 anos), FC Moreirense

9) Ponta-de-lança: Beto (22 anos), Portimonense F. Sad

10) Médio ofensivo: Lincoln (22 anos), CD Santa Clara

11) Extremo esquerdo: Miguel Cardoso (26 anos), B Sad

 

Menções honrosas

Guarda-redes: Luiz Júnior (20 anos), FC Famalicão

Defesas: Jorge Fernandes (24 anos), Vitória SC; Reggie Cannon (22 anos), FC Boavista

Médios: Hidemasa Morita (26 anos), CD Santa Clara; Angel Gomes (20 anos), FC Boavista; Ryan Guald (25 anos), SC Farense

Avançados: Mario González (25 anos), CD Tondela; Ivo Rodrigues (26 anos), FC Famalicão

18/05/2021

15 primaveras de Linha de Passe

Às vezes, a vontade do Criador, das instâncias cármicas, ou o alinhamento dos astros, cravam uma data nas nossas memórias por eventos felizes, embora independentes, que nos acontecem ou realizamos. Há 15 anos, num impulso vespertino, servi-me do então velhinho Compaq para, nas águas-furtadas de uma casa senhorial da rua Sacadura Cabral, na Cruz Quebrada, criar o blogue Linha de Passe. 

A “Reflexão Inicial” deu o mote para mais ações de catarse emocional e registo autobiográfico, que, entretanto, se expandiram para áreas de interesse pessoal. Sim, há textos que atualmente não os escreveria, publicações de que me orgulho e outras que nem por isso. Reconheço que não acertei sempre nas minhas intenções, algumas ficaram por alcançar o que quer que fosse, mas todas elas ainda figuram neste espaço virtual que jamais imaginei que perdurasse por tanto tempo. Por si só, comemoro a persistência das 15 primaveras (figura 1), exclusivamente assente em motivação intrínseca. 

Figura 1. As 15 primaveras do blogue Linha de Passe (18-maio-2021).

 

Sete anos mais tarde, neste mesmo 18 de maio, iniciaria o namoro com a minha esposa e mãe dos meus três filhos. Se não foi de todo propositado, certamente não foi por acaso que sucedeu num período em que o Linha de Passe andava mais “apagado”. 

Não sei quantos mais dias 18 de maio aí virão, pelo que irei encher um copito de medronho do meu sogro e brindar a preceito. Que daqui a 15 anos possamos cá estar todos. Saúde!

16/05/2021

RBFF – Revista Brasileira de Futsal e Futebol (Vol. 12/2020) | A criticalidade no futebol: Efeitos da localização do jogo na UEFA Champions League

No passado dia 12 de maio foi publicado o n.º 49 do volume 12 da Revista Brasileira de Futsal e Futebol, incluindo um artigo totalmente produzido no ISMAT – Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (figura 1). A título pessoal, e apesar de não ser o principal autor, trata-se de uma publicação especial por dois motivos: em primeiro lugar, porque resulta de um trabalho levado a cabo por um aluno – Tiago Carmo – que orientei na Unidade Curricular (UC) Projeto, do 3.º Ano da Licenciatura em Educação Física e Desporto, no ano letivo 2018/2019; depois, porque é o primeiro artigo científico em que participo escrito na minha língua materna: o português.

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo (fonte: rbff.com.br).

 

O tema abordado é a criticalidade no jogo de futebol e foi equacionado através do cruzamento de duas linhas de investigação exploradas pela comunidade científica nos últimos anos: os efeitos de variáveis contextuais/situacionais na performance de jogadores e equipas de futebol e a análise temporal do golo na modalidade. Sabemos que a criticalidade no jogo de futebol, ou a identificação dos momentos críticos, é um assunto extremamente complexo, pelo que este foi um primeiro passo para adquirirmos alguma noção sobre o timing da ocorrência de eventos críticos (golos) que mudam por completo o estatuto competitivo das equipas em confronto (figura 2).

 

Figura 2. O golo inaugural é um evento crítico no futebol e de grande relevância para o desfecho de uma quantidade assinalável de jogos (fonte: arsenalpics.com).

 

Além deste trabalho, já foram produzidas mais três investigações que, no entanto, ainda não saíram da gaveta por manifesta falta de tempo. Temos, também, três alunos a finalizar outros três estudos no presente ano letivo. Portanto, conseguimos reunir uma quantidade de dados e evidências interessantes, pelo que é crível que num futuro próximo possam ser submetidos mais ficheiros neste âmbito. Por enquanto, fiquemo-nos com o resumo do artigo publicado pelo Tiago Carmo, por mim e pelo regente da UC Projeto, o professor Ricardo Gonçalves:

 

Resumo

Introdução: O estudo dos efeitos de variáveis situacionais/contextuais na performance de equipas de futebol é um tópico em voga na literatura científica, contudo, a sua presumível associação com a análise temporal dos golos marcados tem sido um tema pouco explorado. A relação destas duas linhas de investigação pode elucidar-nos acerca dos momentos críticos do jogo. Objetivos: (1) examinar os efeitos das variáveis localização do jogo e resultado corrente do jogo nos períodos temporais do jogo (6 períodos de 15-min) em que os golos ocorreram; (2) a partir da distinção de “golo crítico” e “golo não crítico”, perceber se os momentos críticos são influenciados pela localização do jogo. Métodos: foram recolhidos dados de 859 golos marcados nas fases de grupos da UEFA Champions League, nas épocas 2016/2017, 2017/2018 e 2018/2019, sendo a inferência estatística cumprida através de Regressão Logística Multinomial. Resultados: na generalidade, foram concretizados mais golos no 6.º período do jogo (76-90 minutos), contrastando com o que sucedeu no 1.º período (1-15 minutos), porém, a variável localização do jogo não parece associar-se à probabilidade de concretização de golo nos períodos de jogo definidos. Apesar disso, jogar na condição de visitado (“casa”) aumentou a probabilidade de marcar golos não críticos no 5.º período (61-75 minutos) e no 6.º período, tendo o 1.º período como referência. Independentemente da localização do jogo, os treinadores devem adotar estratégias ofensivas desde o 1.º período, de forma marcar o golo inaugural (evento crítico) e, assim, aumentar substancialmente a probabilidade de obtenção da vitória.

 

Palavras-chave: golo, momentos críticos, variáveis situacionais, resultado corrente do jogo, desportos de equipa.


O artigo pode ser descarregado gratuitamente no link facultado na referência seguinte. Finalmente, não posso deixar de congratular o Tiago Carmo, não apenas por ver o seu trabalho publicado, mas sobretudo pela conclusão do curso de Licenciatura.


Referência

Carmo, T., Almeida, C. H., & Gonçalves, R. (2021). A criticalidade no futebol: Efeitos da localização do jogo na UEFA Champions League. RBFF – Revista Brasileira de Futsal e Futebol, 12(49), 376–385. (link)

07/05/2021

Um “frame” do clássico: SL Benfica 1 x 1 FC Porto (6-maio-2021)

Analisar “frames” é muito fácil e confortável. Estamos sentadinhos em frente a um computador, com todo o tempo do mundo para o fazer e, não raras vezes, negligenciando aquilo que é a dinâmica do jogo no momento. Por isso, são análises perigosas e que podem gerar interpretações erróneas dos comportamentos específicos individuais e coletivos. 

Neste espaço, reconhecendo as limitações deste procedimento, o objetivo não passa por denegrir a imagem de nenhum jogador ou treinador, mas demonstrar que, na generalidade, quando há golos é porque o mérito de quem ataca resulta da exploração de oportunidades de ação proporcionadas por lacunas de quem está a defender. O erro faz parte do jogo. 

Se olharmos para a figura 1, e considerarmos aquelas que são as bases coletivas do jogo - no caso, os princípios culturais defensivos -, descortinamos erros gritantes (e sucessivos) da equipa do SL Benfica nos instantes que precedem o golo do empate do FC Porto.

 

Figura 1. Análise do posicionamento defensivo da equipa do SL Benfica nos instantes prévios ao golo do FC Porto (fonte: vsports.pt).

 

Posto isto, permitam-me redigir três observações: (1) sim, a equipa do SL Benfica melhorou nos últimos jogos, talvez não o suficiente para merecer outra posição além do 3.º lugar na Liga NOS; (2) no terço ofensivo, a leitura de jogo e a capacidade de ação de alguns jogadores não têm correspondido às exigências que são colocadas por adversários mais capazes; (3) conforme ilustrado na imagem, os comportamentos coletivos em momentos chave do processo defensivo não são suficientemente regulares para garantir maior segurança na proteção da baliza. 

Tudo acontece por alguma razão e a pandemia jamais poderá justificar a época que o SL Benfica está a fazer. Pensar o contrário é tentar "tapar o sol com uma peneira" e incorrer no risco de sofrer mais desaires no futuro.

06/05/2021

28-abril-2021: O dia dos gémeos

O tempo já não anda, nem corre, voa! Há oito dias que me leva num rodopio até à letargia. A Patrícia diz, com o seu jeito assertivo, que estou em modo “barata tonta” e é verdade: na minha cabeça figura um milhão de peças para encaixar no puzzle que é a nossa existência. 

No dia 28 de abril de 2021, na passada quarta-feira, nasceram os nossos gémeos, Alexandre e Guilherme, às 11h38 e 11h39, respetivamente (figura 1). A velocidade do parto foi inversamente proporcional ao tempo necessário para processar as mudanças familiares. Não tem mal, o mais importante é que os pequenos e a mãe continuem bem de saúde. Tudo o resto se compõe, como este débil conjunto de palavras que jamais fará jus à relevância do acontecimento. Em suma, um dos dias mais felizes da minha vida, no qual se criaram duas linhas de passe que teremos, como equipa, de manter “abertas” para a vida.

 

Figura 1. Os nossos recém-nascidos Guilherme e Alexandre.

Entretanto, houve o dia da mãe (2 de maio de 2021). Os meus três filhos, ainda à cata da noção dos dias, seguiram o meu (mau) exemplo de não o assinalar a preceito. E porque a desenvoltura da escrita não me permite redigir algo condizente com o que realmente sinto, sirvo-me das palavras de um dos melhores escritores portugueses contemporâneos para homenagear as três mulheres, todas elas mães, da minha vida – Patrícia, Ana Paula e Ana Catarina –, deixando um primeiro conselho que valha a pena para o Alexandre e para o Guilherme.

 

Sabes quem se lembra desses anos e os guarda no peito como um coração mais importante do que o próprio coração? É a tua mãe. (…) Era a tua mãe que gravava dentro da alma tudo o que testemunhava, e ela vai continuar a guardar essas memórias até morrer. As mães são as fiéis depositárias da nossa infância, dos primeiros anos. As tuas memórias mais importantes, mais formadoras, não são tuas, são dela. E quando a tua mãe morrer, levará consigo a tua infância, perderás os primeiros anos da tua vida. Por isso, trata-a bem.

(Afonso Cruz, in Flores, p. 80)