Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios:
(1) publicado numa revista científica internacional com revisão de
pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema
que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Low, B., Rein, R., Raabe, D.,
Schwab, S., & Memmert, D.
País: Alemanha
Data de publicação: 13-maio-2021
Título: The porous high-press? An
experimental approach investigating tactical behaviours from two pressing
strategies in football
Revista: Journal of Sports Sciences
Referência: Low, B., Rein, R.,
Raabe, D., Schwab, S., & Memmert, D. (2021). The porous high-press? An
experimental approach investigating tactical behaviours from two pressing
strategies in football. Journal
of Sports Sciences. https://doi.org/10.1080/02640414.2021.1925424
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 18 – junho de
2021.
Apresentação do problema
A pressão (defensiva) no futebol pode ser descrita como o comportamento coletivo de uma equipa para (re)conquistar a posse de bola à equipa adversária. Esta estratégia defensiva, que ocorre particularmente em zonas mais avançadas do campo, tem sido popularizada por alguns clubes europeus de elite e a sua terminologia é reconhecida no âmbito do treino desportivo e compreendida pela massa adepta da modalidade.
A literatura existente sobre comportamentos de pressão encontra-se subdividida em dois grupos de estudos independentes: um associado aos estilos de jogo implementados por equipas profissionais; outro inerente à análise da recuperação da posse de bola, através de variáveis como a localização, a velocidade e o tipo de recuperação da bola. Em relação ao primeiro grupo, o estudo de Castellano e Pic (2019) utilizou uma análise de componentes principais para demonstrar que o estilo de jogo defensivo das equipas pode ser categorizado em defesa em pressão alta (high-press defending) ou defesa baixa ou profunda (deep-defending). Três outros estudos evidenciaram que a defesa em pressão alta pode ser caracterizada por mais recuperações de bola em zonas avançadas do campo (Fernandez-Navarro et al., 2018; Lago-Penãs et al., 2017), maiores distâncias entre o jogador de campo menos adiantado e a linha de baliza, tempos de posse de bola concedidos aos oponentes mais reduzidos, e menores distâncias entre o portador da bola e o defensor mais próximo (figura 2); ao invés, a estratégia defensiva em bloco baixo foi caraterizada por mais recuperações de bola próximo da própria baliza, menores distâncias entre o jogador de campo menos adiantado e a linha de baliza e maior duração de posse de bola concedida aos adversários (Fernandez-Navarro et al., 2020).
Figura 2. Exemplo de comportamentos coletivos associados a uma estratégia
defensiva de pressão alta (imagem não publicada pelos autores).
Os estudos anteriores encontram-se suportados num segundo conjunto de investigações que previamente havia concluído que as equipas visitadas, mais bem classificadas e em desvantagem no marcador tendem a recuperar a bola em zonas mais avançadas do campo (Almeida et al., 2014; Santos et al., 2017); equipas de topo e em desvantagem no marcador demoram menos tempo a recuperar a posse de bola (Vogelbein et al., 2014); e a recuperação da bola é mais frequente através de interceção (Barreira et al., 2013). Uma nota que ressalta da literatura atual é que, embora comportamentos específicos de pressão possam ser caracteristicamente associados a certas equipas (e.g., pressão alta exclusivamente utilizada por equipa de topo), todas as equipas recorrem, de facto, a uma variedade de comportamentos de pressão em contextos distintos.
Assim, é necessária mais investigação para aprofundar o
conhecimento de como estes comportamentos de pressão podem ser benéficos para
diversos tipos de equipas. Por outro lado, a maioria dos estudos baseou-se na
análise notacional de eventos de jogo relacionados com o pressing,
porém, pouco ainda se sabe acerca dos deslocamentos espaciotemporais dos
jogadores no decurso destas ações coletivas, tendo em consideração diferentes fases
do jogo (a atacar e a defender) e/ou níveis de análise (e.g., coletivo, grupal
ou diádico). Este estudo pretendeu investigar experimentalmente os
comportamentos táticos coletivos de jogadores, face a duas estratégias
diferentes de pressão: defesa em pressão alta e defesa baixa/profunda. Uma vez
que a pesquisa experimental é fundamental para desenvolver modelo teóricos
credíveis (Rein & Memmert, 2016), a experiência de campo utilizou o formato
11v11 para assegurar um design o mais representativo possível e que permita
generalizar os resultados para o contexto desportivo habitual (Brunswil, 1956;
Davids et al., 2006).
Métodos
Participantes: participou no estudo um total de 69 futebolistas Sub-17 (idade: 16.2 ± 0.8 anos; estatura: 178.5 ± 7.7 cm; massa corporal: 66.4 ± 9.7 kg), sendo provenientes de três clubes. No período do estudo, todos os indivíduos, do género masculino e com uma experiência de treino de 10.1 ± 2.4 anos, treinavam um mínimo de três vezes por semana, com um jogo oficial ao fim de semana. Os participantes de cada clube realizaram uma de três sessões experimentais.
Procedimentos: a experiência foi
conduzida num campo de relva artificial (105 x 68 m), preservando as regras
oficiais do futebol. Os jogadores de cada clube foram divididos em duas equipas
equilibradas pelo respetivo treinador principal, respeitando as posições
específicas de cada um. Foi adotado um design cruzado (crossover),
contrabalançado para as duas condições: estratégias defensivas de pressão alta
e de bloco baixo. Para cada condição, cada equipa realizou 6 ensaios de medidas
repetidas (6x6), enquanto a outra equipa desempenhava, concomitantemente,
funções ofensivas, resultando num total de 72 ensaios (36 ensaios por
condição). A equipa defensora utilizou uma estrutura tática de base de 4-4-2 e a
atacante iniciava cada situação disposta num 4-2-3-1. Como constrangimentos da
tarefa, as equipas começaram cada ensaio em posições predeterminadas no campo
(figura 3), de acordo com instruções associadas a cada condição: “recuperar a
bola através de pressão alta” ou “recuperar a bola a partir de um bloco baixo”.
A equipa atacante tinha como objetivo marcar golo. Assim que o jogo
desenrolava, os participantes eram livres de se mover no terreno em função do
contexto situacional e o ensaio terminava com golo marcado, recuperação da
posse de bola pela equipa defensora, ou paragem natural do jogo (e.g.,
fora-de-jogo, falta da equipa defensora, bola fora). Após cada tentativa, os
jogadores regressavam às suas posições iniciais para reatar a experiência. A
ordem da estratégia defensiva utilizada foi aleatória para prevenir o “efeito
de ordem” e os papeis defensivo e ofensivo das equipas foram alternados para
evitar que a acumulação de fadiga, resultante de ter ou não a posse de bola,
variasse em demasia.
Figura 3. As posições iniciais dos jogadores antes de cada ensaio:
(a) equipa defensora em bloco baixo; (b) equipa defensora em pressão alta; (c)
equipa atacante (azul) e equipa defensora (vermelho) em bloco baixo; (d) equipa
atacante (azul) e equipa defensora (vermelho) em pressão alta (Low et al.,
2021).
Recolha e processamento dos dados: os dados posicionais dos jogadores recolhidos através do sistema de posicionamento local Kinexon, que foi previamente validado e testado para a fiabilidade (Hoppe et al., 2018). Os jogadores utilizaram um colete com o dispositivo transmissor e a bola também foi rastreada através de um chip a uma frequência de 25 Hz. A análise foi complementada pela gravação das três sessões experimentais. Os dados foram posteriormente processados em variáveis táticas coletivas em quatro níveis distintos de análise:
1) Nível do jogo: distância entre equipas (i.e., distância entre os
centroides das equipas; centroide: média das posições dos jogadores de campo);
duração (em segundos) de cada ensaio.
2) Nível coletivo (para equipas defensora e atacante): distância para o
oponente mais próximo; distância diádica; comprimento da equipa; largura da
equipa; rácio comprimento : largura); controlo do espaço ganho no terço
ofensivo.
3) Nível grupal: distâncias entrelinhas para a equipa defensora.
4) Nível individual: área de jogo individual (i.e., região espacial mais próxima de um dado jogador comparativamente a todos os outros, computada através de diagramas de Voronoi) para quatro jogadores atacantes do corredor central (médios centro, médio ofensivo e ponta de lança).
A análise de rede para a ação de passe complementou o
estudo das variáveis anteriores, no sentido de perceber a dinâmica de
circulação da bola face a cada uma das estratégias defensivas implementadas.
Análise
estatística: para cada ensaio a mediana foi calculada para cada
variável. Os valores foram analisados estatisticamente mediante modelos de
regressão linear mistos no software R. A variável estratégia
defensiva foi investigada como efeito fixo e a equipa como efeito
aleatório. Os valores da categoria defesa baixa/profunda foram utilizados como
referências para todas as variáveis dependentes. O nível de significância
adotado foi de 5% (p ≤ 0.05), com intervalos de confiança a 95%. As
diferenças nas dimensões de efeito foram expressas em valores estandardizados
de Cohen’s d.
Principais
resultados
Dos 72 ensaios,
69 (96%) resultaram em perda da posse de bola para a equipa atacante e 3 (4%)
em tentativas de golo (duas fora e uma defendida pelo guarda-redes). Nenhum
golo foi marcado na experiência. Em baixo constam os principais resultados por
nível de análise ou observação complementar.
· Nível de jogo
A
estratégia defensiva de pressão alta determinou menores distâncias entre os
centroides das equipas (efeito moderado) e, em média, durações mais curtas dos
ensaios (efeito pequeno).
· Nível coletivo (equipa)
· Nível grupal
Todas as distâncias intersectoriais (setores defensivo –
intermédio; intermédio – ofensivo; defensivo – ofensivo) foram maiores adotando
uma estratégia defensiva de pressão alta, em relação à estratégia de bloco
baixo (efeitos grande, grande e muito grande, respetivamente). Especificando a
análise em todas as relações diádicas (i.e., entre dois jogadores), nas equipas
atacantes, os defesas tiveram maiores distâncias para o oponente mais próximo
quando defrontaram equipas em bloco baixo, reduzindo significativamente os
valores perante uma abordagem de pressão alta (efeitos moderados). Contudo, os
médios centro (efeito moderado) e o ponta de lança (efeito pequeno) tiveram
mais espaço para os adversários mais próximos quando confrontaram uma equipa em
pressão alta.
· Nível individual
As áreas de jogo individuais do médio ofensivo (efeito
grande) e do ponta de lança (efeito moderado) foram maiores a jogar contra uma
equipa defensora em pressão alta, em comparação com bloco baixo.
· Análise de rede para a ação de passe
Contra uma equipa em bloco baixo, as equipas atacantes
realizaram mais passes no terço intermédio e os defesas centrais obtiveram
maires valores de distribuição da bola. Quando confrontando uma equipa com
estratégia de pressão alta, foram realizados mais passes no terço defensivo,
com maior envolvimento dos guarda-redes e sendo os médios centro os elementos
com valores mais altos de distribuição da bola. As equipas atacantes também
realizaram mais passes penetrantes a jogar contra uma estratégia defensiva de
pressão alta.
Aplicações práticas
No cômputo geral, com uma estratégia de bloco baixo tende a haver maior distância entre as equipas e menores distâncias intersectoriais (princípio da concentração) em relação à estratégia de pressão alta. Uma vez que as duas estratégias defensivas acarretam comportamentos táticos bastante distintos, os treinadores devem optar por bloco baixo ou pressão alta em função da seguinte questão: a que jogadores oponentes é oportuno dar mais espaço? A estratégia de bloco baixo promove maiores distâncias para os defesas e médio defensivo adversários, porém, os médios ofensivos e os pontas de lança estão marcados mais em cima (i.e., com menores distâncias interpessoais). A estratégia de pressão alta reduz as distâncias para os defesas adversários, mas concede mais espaço aos médios ofensivos e aos pontas de lança.
Em termos individuais, os médios ofensivos e os pontas de lança que defrontam equipas em bloco baixo tendem a ler áreas de jogo individuais inferiores à amplitude habitualmente verificada num jogo de futebol (de 78.97 ± 15.05 a 93.87 ± 16.25 m2/jogador; Fradua et al., 2013), enquanto os médios centro dispõem de áreas superiores a esta estimativa. Quando em oposição a equipas que recorrem a pressão alta, os jogadores destas posições tendem a dispor de valores similares ou até mais elevados. Os treinadores podem, por isso, aumentar a representatividade das tarefas de jogo propostas em treino, com base nas posições específicas dos jogadores e da presumível estratégia defensiva adotada pela equipa adversária no jogo competitivo seguinte. Assim, manipular constrangimentos inerentes às estratégias defensivas nas sessões de treino pode determinar simulações mais realistas das circunstâncias esperadas em competição face a oponentes de valia distinta, já que a pressão alta é predominantemente usada por equipas mais fortes e o bloco baixo por equipas com menos argumentos.
As equipas que implementaram a pressão alta concederam
mais passes penetrantes às equipas contrárias, em particular direcionados para
os médios centro e médio ofensivo, contribuindo para que estes jogadores
registassem valores mais elevados de distribuição da bola na análise de rede
das ações de passe. Os passes penetrantes aumentam significativamente as
probabilidades de marcar golo (Tenga et al., 2010b, 2010c), especialmente
contra defesas organizadas, pelo que o uso extensivo de pressão alta pode ser contraproducente
se for concedido espaço para a realização de passes penetrantes pelos
adversários para setores mais adiantados. Em síntese, a pressão alta promove a
disrupção do ataque oponente mais rapidamente, mas também permite a realização
de mais passes penetrantes, possivelmente devido a maior dispersão dos
jogadores e maiores distâncias intersectoriais, tornando-a uma estratégia
defensiva arriscada (ver vídeo exemplo; não publicado pelos autores).
Nos
diversos ensaios apenas houve um remate à baliza e não foi marcado qualquer
golo. Deste modo, as duas estratégias defensivas, quando desempenhadas com
sucesso, limitam a dominância espacial dos atacantes no seu terço ofensivo,
prevenindo a obtenção do golo. Não parece de todo correto afirmar que há
estratégias melhores do que outras, quando ambas apresentam aspetos positivos e
negativos que devem ser ponderados, em função das características dos oponentes
e do contexto do jogo a disputar.
Conclusão
O presente estudo revelou diferentes características de
comportamentos táticos como consequência da adoção de estratégias defensivas de
bloco baixo ou de pressão alta. Os efeitos significativos observados a defender
em pressão alta incluem: menor distância entre equipas; diferentes nuances nos
comportamentos de marcação; maior dispersão, proporcionada por aumento do
comprimento da equipa e das distâncias intersectoriais. Os efeitos resultantes
para os oponentes (atacantes) incluem: menor tempo de posse de bola; maiores
áreas individuais para médios ofensivos e pontas de lança; maior comprimento da
equipa e maior número de passes penetrantes realizados. Equacionando o
equilíbrio entre os aspetos positivos e negativos verificados, é recomendado
que a estratégia de pressão alta seja utilizada com moderação. Visto que o
estudo foi realizado com jogadores Sub-17, organizados em duas estruturas
táticas de base (4-4-2 e 4-2-3-1), a generalização dos resultados para o
futebol profissional, para outros escalões etários e para equipas dispostas
noutras estruturas táticas deve ser exercitada com cautela.
P.S.:
1-
As que
constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e,
presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;
2-
Para melhor compreender as
ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3-
As citações efetuadas
nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor
encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal
of Sports Sciences.
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