Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios:
(1) publicado numa revista científica internacional com revisão de
pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema
que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Merayo,
A., Gallego, J. M., sans, O., Capdevila, L., Iranzo, A., Sugimoto, D., &
Rodas, G.
País: Espanha
Data de publicação: 17-agosto-2021
Título: Quantity
and quality of sleep in young players of a professional football club
Revista: Science and Medicine in
Football
Referência: Merayo,
A., Gallego, J. M., sans, O., Capdevila, L., Iranzo, A., Sugimoto, D., &
Rodas, G. (2021). Quantity and quality of sleep in young
players of a professional football club. Science and Medicine in Football. https://doi.org/10.1080/24733938.2021.1962541
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 22 – outubro de
2021.
Apresentação do problema
A adequação da quantidade e da qualidade do sono acarreta benefícios, contribuindo para otimizar as performances física e cognitiva e para manter o bem-estar emocional (Simpson et al., 2017; Wheaton et al., 2011). Nos últimos tempos, os atletas e os treinadores têm considerado o sono como um dos pilares da performance desportiva de alto nível, mas a verdade é que alguns atletas não cumprem as recomendações dos especialistas (Halson & Juliff, 2017; Malhotra, 2017). Há um corpo de evidências crescente que aponta que o sono tem um impacto positivo em fatores como as performances física e neurocognitiva, a incidência de lesões, a regulação do humor, a função imunitária e o peso corporal, mas também é uma das estratégias de recuperação mais efetivas devido aos seus efeitos fisiológicos de regeneração (Halson, 2008).
Por sua vez, diversos estudos têm demonstrado que a restrição parcial ou total de sono, tal como o sono de baixa qualidade, influenciam negativamente a performance desportiva, surgindo associados a perda de resistência (Fullagar et al., 2015; Simpson et al., 2017), redução da potência anaeróbia (Skein et al., 2011; Watson, 2017), decréscimos de precisão e tempo de reação em desportos como o basquetebol e o ténis (Suppiah et al., 2016; Watson, 2017) e ao aumento do risco de lesão em atletas (Milewski et al., 2014; von Rosen et al., 2017). A um nível cognitivo-emocional, dormir mal tem sido associado a reduções da capacidade de aprendizagem e das funções executivas, que são aspetos-chave para o desenvolvimento tático nas sessões de treino (Malhotra, 2017; Pallesen et al., 2017; Watson et al., 2017). A própria regulação do humor fica comprometida, concorrendo para um aumento de stress, sentimento de frustração, apatia, irritabilidade e diminuição da autoconfiança (Venter, 2012).
Apesar de todo o conhecimento acerca da importância do sono, os atletas tendem a apresentar déficits, em termos de quantidade e qualidade, comparativamente à população geral, considerando as variáveis idade e género (Halson & Juliff, 2017; Watson, 2017). As barreiras que a privação do sono gera são especialmente válidas para jovens atletas, pois têm de compatibilizar os desempenhos desportivos com o rendimento académico. Esta problemática é mais preocupante em adolescentes, uma vez que têm uma elevada propensão para o designado “atraso da fase de mudança” (Sateia, 2014), que consiste na tendência em ir para a cama tarde e a necessidade de levantar cedo para ir para a escola, resultando na privação de sono. Além de todos os efeitos negativos já mencionados que a restrição de sono provoca, sabe-se que prejudica ainda o aproveitamento académico e aumenta a tendência para o abandono escolar (Malhotra, 2017).
Posto isto, há a necessidade premente de investigar o
impacto negativo que a restrição de sono pode ter em adolescentes que combinam
a vida académica com o desporto competitivo. O objetivo do estudo consistiu em
avaliar a quantidade e a qualidade do sono em jovens futebolistas pertencentes aos
quadros de um clube profissional. Adicionalmente, os autores analisaram as
relações entre a quantidade e a qualidade do sono e os estados emocionais e o
aproveitamento escolar dos jogadores.
Métodos
Participantes: os participantes do
estudo foram classificados por género e faixa etária. A coorte envolveu 261
jogadores de futebol (201 do género masculino e 60 do género feminino) de todos os escalões
jovens de um clube profissional (até à equipa de reservas): o FC
Barcelona (figura 2). As idades dos participantes variaram entre os 7 e os 25
anos (média = 13.04; desvio-padrão = 3.16). Os indivíduos foram agrupados em
três faixas etárias, de acordo as recomendações da American National Sleep
Foundation para estudos envolvendo a análise do sono: 7–11, 12–15 e 16–25
anos. O estudo decorreu na época 2018/2019 e os dados foram tratados de forma
anónima, respeitando os procedimentos éticos e de proteção dos dados do clube.
Figura 2. La Masia, a academia do FC Barcelona (fonte:
mundodeportivo.com; foto não publicada pelos autores).
Respostas aos questionários: os jogadores e os encarregados de educação de crianças com idade ≤ 12 anos responderam aos questionários através de uma plataforma digital online. Vinte e cinco jogadores que não dispunham de dispositivos eletrónicos responderam aos questionários em papel, sendo os dados posteriormente inseridos na plataforma online pelo investigador principal. O tempo necessário para preencher os três questionários variou entre 20–30 minutos. Todos os questionários foram preenchidos por todos os participantes no mesmo dia, sendo que o preenchimento do diário de sono continuou nos 4 dias seguintes (5 entradas por indivíduo no total).
Avaliação da qualidade do sono: o questionário Sleep Disturbance Scale in Children (SDSC) foi aplicado para avaliar a qualidade do sono dos participantes. Este questionário é composto por 27 itens, com questões relativas a 6 fatores: início e manutenção do sono, dores de crescimento, distúrbios de respiração no sono, distúrbios na transição do sono para o despertar, sonolência excessiva durante o dia e hiperidrose (suor excessivo) no sono. As respostas foram expressas em graus de concordância com diversas frases, numa escala Likert 5 pontos (1 = Nunca; 5 = Sempre), em que scores mais elevados indicam menor qualidade do sono.
Avaliação da quantidade de sono: a quantidade de sono foi medida através de um registo diário do sono, preenchido pelos participantes de manhã logo após acordar. Os participantes reportaram a hora estimada de início do sono, o número de vezes que acordaram durante a noite e, se tal sucedeu, o tempo e o motivo por que interromperam o sono. As horas de sono foram calculadas com base no tempo estimado do adormecer e do acordar, subtraindo a duração das interrupções noturnas, mais a duração da(s) sesta(s) diurna(s). As horas de sono foram convertidas para uma escala decimal. Os participantes preencheram o diário de sono na sua residência habitual.
Avaliação do bem-estar psicológico: foi medido através de dois indicadores. Primeiro, foi aplicado o Positive and Negative Affect Scale (PANAS, Watson, 1888), que consiste em 10 itens (5 de valência positiva e 5 de valência negativa) sobre como os jogadores se sentiram nas 3–4 semanas anteriores, medidos através de uma escala Likert 7 pontos. Segundo, foi proposta a Subjective Vitality Scale (SVS), ferramenta que tem sido validada para avaliar dinamicamente o bem-estar (García, 2019). Este questionário é composto por 7 itens, referentes ao entusiasmo e a sentimentos de vivacidade e energia, sendo as respostas anotadas numa escala Likert 7 pontos; valores mais altos correspondem a maior vitalidade.
Avaliação do desempenho académico: as classificações do primeiro trimestre do ano letivo (finalizado em dezembro) foram facultadas pelos participantes ou pelos encarregados de educação (familiares). Este trimestre correspondeu ao período de aplicação dos questionários. É de referir que o sistema de ensino espanhol atribui classificações até 10 pontos; valores inferiores a 5 são considerados negativos.
Análise
estatística: os dados foram descritos como média ± desvios-padrão,
para números absolutos ou percentagens. A normalidade dos parâmetros
quantitativos foi verificada através dos testes Omnibus D’Agostino-Pearson e
Kolmogorov-Smirnov. As variáveis sem distribuição normal foram normalizadas
para posterior análise. Os dados paramétricos foram comparados através de ANOVA
de uma via e testes post-hoc de Tukey. A relação entre as variáveis
quantitativas do estudo foi aferida através de correlações de Pearson. A
análise estatística foi executada nos softwares SPSS (v. 25.0) e SAS (v. 9.1.3)
e o nível de significância foi predefinido para p ≤ 0.05.
Principais
resultados
· Quantidade de sono
A análise
dos diários de sono mostrou que o número médio de horas de sono foi
significativamente inferior às recomendações internacionais da American National
Sleep Foundation: 9–11 horas para crianças/jovens entre os 6 e os 13 anos;
8–10 horas para adolescentes entre os 14 e os 17 anos; 7–9 horas para jovens
adultos entre os 18 e os 25 anos. Cerca de 70% dos participantes dormiram menos
do que recomendado. O número de horas reportado no questionário SDSC foi
significativamente mais baixo comparando com os diários dos participantes
(figura 3). Houve uma correlação negativa entre o número médio de horas de sono
e a idade dos participantes, o que demonstra que, à medida que a idade dos
jogadores avança, estes tendem a dormir menos horas.
Figura 3. Número médio de horas de sono apurado pelo questionário
SDSC e pelo diário de sono, por faixa etária. a e b: diferenças
significativas para o grupo 7–11 anos (p < 0.001) (Merayo et al.,
2021).
Para todas as faixas etárias, os autores verificaram que
os resultados médios de qualidade do sono excederam os 39 pontos, valor de
corte para a suspeição de desordens de sono (i.e., problemas relativos à
qualidade e quantidade de sono) (Bruni et al., 1996). A este nível, quanto mais
elevados forem os resultados apurados no questionário SDSC, pior é a qualidade
do sono. Os valores obtidos para participantes com idades ≥ 12 anos foram
significativamente superiores ao constatado para a faixa etária 7–11 anos,
indicando pior qualidade de sono em jogadores mais velhos (figura 4). Ademais,
menos horas a dormir está correlacionado com pior qualidade do sono, o que foi
mais notório nos jogadores mais velhos.
Figura 4. Resultados da qualidade do sono obtidos através do
questionário SDSC para os diferentes grupos etários. a: diferenças
significativas para o grupo 7–11 anos (p < 0.001) (Merayo et al.,
2021).
· Associação entre bem-estar e quantidade e qualidade do
sono
Não foi encontrada uma relação entre mais horas e melhor
qualidade de sono com humor positivo ou perceção de bem-estar reportados pelos
participantes.
· Associação entre desempenho académico e quantidade e
qualidade do sono
No global, jogadores que tiveram maior quantidade e
melhor qualidade de sono obtiveram um melhor aproveitamento escolar (i.e.,
classificação média das diversas disciplinas).
Aplicações práticas
É importante que os clubes e as equipas técnicas garantam que crianças e jovens jogadores adquiram e mantenham bons hábitos de sono, pois trata-se de uma rotina diária que concorre para a manifestação de uma mentalidade mais positiva e competitiva.
Houve uma relação evidente entre quantidade e qualidade do sono nas diversas faixas etárias investigadas. Uma vez que dormir é fundamental para o desenvolvimento físico e mental de indivíduos com idade < 18 anos, os clubes devem promover ações de sensibilização/formação para crianças/jovens, encarregados de educação e tutores, por forma a que boas rotinas de sono sejam implementadas em casa ou no centro/academia de treino.
Internamente,
os clubes/escolas de futebol devem criar, ou adotar, e utilizar ferramentas e
técnicas que permitam otimizar o sono e o descanso das suas crianças/jovens. O
recurso a manuais de higiene do sono, diários de sono e vídeos educativos pode
ser bastante útil para incrementar a quantidade e a qualidade do sono em jovens
que aliam a vida académica às exigências competitivas do desporto federado. A contratação
de um “conselheiro de sono” pode ser benéfica para o diagnóstico e para o
desenvolvimento de estratégias específicas para melhorar o perfil de sono de
atletas com distúrbios neste âmbito.
Conclusão
As crianças e os jovens jogadores pertencentes a um clube profissional eclético dormiram menos do que o recomendado pelas linhas de orientação internacionais, o que teve um impacto negativo no desempenho escolar. Aparentemente, o sono é uma variável com uma influência considerável no aproveitamento académico, mas que também pode abranger a dimensão física. No futuro seria importante perceber se a otimização da quantidade e da qualidade do sono melhora o bem-estar psicológico e as classificações escolares.
Este estudo constituiu um primeiro passo para alertar
crianças/jovens, familiares e profissionais do treino para a importância de se
cuidar da quantidade e da qualidade do sono no contexto do desporto
infantojuvenil. Algumas medidas foram propostas no sentido de se obter uma
perspetiva geral sobre como os jogadores dormem e, com isso, ser possível
desenvolver estratégias para mitigar os efeitos negativos da restrição do sono em idades jovens. Por último, são necessários mais estudos para melhor
compreender os padrões de sono inerentes a performances desportivas de
excelência e para examinar a viabilidade e a adesão aos hábitos de sono
recomendados para crianças e jovens desportistas.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista Science and Medicine in Football.
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