30/09/2025

Artigo do mês #69 – setembro 2025 | Influência da presença do treinador e da estimulação verbal na intensidade do exercício e na performance tático-técnica no treino de futebol de formação

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.


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Autores: Jiménez, P. P., García-Aliaga, A., Vivar, G. M., & Sillero-Quintana, M.

País: Espanha

Data de publicação: 29-agosto-2025

Título: Influence of coach presence and verbal stimulation on exercise intensity and technical-tactical performance during soccer-specific training in youth players

Referência: Jiménez, P. P., García-Aliaga, A., Vivar, G. M., & Sillero-Quintana, M. (2025). Influence of coach presence and verbal stimulation on exercise intensity and technical-tactical performance during soccer-specific training in youth players. International Journal of Sports Science & Coaching, 1–11. Advance online publication. https://doi.org/10.1177/17479541251366278

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 69 – setembro de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um desporto sociomotor, dinâmico e imprevisível, com ações tático-técnicas acíclicas e intermitentes (Castellano, 2000; Oyón et al., 2016). As exigências variam conforme o nível competitivo, o modelo de jogo e a posição dos jogadores (Varley et al., 2018). Fisiologicamente, predomina o metabolismo aeróbio, embora os momentos decisivos dependam de esforços anaeróbios (Bangsbo, 2014; Mohr et al., 2003). Durante os jogos, os jogadores percorrem entre 10 e 13 km, com diferentes intensidades consoante a posição em campo. Os médios cobrem maior distância total, enquanto avançados e extremos acumulam mais ações em alta velocidade (Vigne et al., 2010; Andrzejewski et al., 2013). 

Para treinar estas exigências, os treinadores recorrem a jogos reduzidos (JRs), que recriam situações de jogo em espaços menores e com regras ajustadas. Estas tarefas promovem decisões rápidas, competências técnicas e adaptação a estímulos físicos e cognitivos variados (Fernández-Espínola et al., 2020; Alcalá et al., 2020; Ferreira-Ruiz et al., 2022). Os JRs são modelados por constrangimentos que influenciam a resposta dos jogadores e a eficácia do treino (Newell, 1986). Os principais fatores incluem:

 

·  Número de jogadores: menos jogadores aumentam a carga interna e favorecem ações individuais; mais jogadores promovem interações coletivas (Fernández-Espínola et al., 2020).

·    Dimensões do campo: espaços reduzidos geram maior densidade e transições rápidas; campos maiores permitem posses mais longas e corridas em alta velocidade (Ometto et al., 2018).

· Balizas e guarda-redes: a ausência de guarda-redes ou a utilização de balizas pequenas intensifica a resposta fisiológica e aumenta as ações ofensivas. Várias balizas em campo modificam o comportamento tático (Ferreira-Ruiz et al., 2022).

·  Regras do jogo: restrições como limite de toques ou número mínimo de passes elevam a carga cognitiva e induzem adaptações tático-técnicas específicas (Sarmento et al., 2018).

·  Regime de treino: a manipulação da duração, da recuperação e do tipo de esforço modula a carga fisiológica. A alternância entre métodos contínuos e intermitentes pode favorecer a adaptação ao esforço competitivo (Hill-Haas et al., 2009).

 

No seu conjunto, os JRs geram uma carga composta por exigências externas (locomotoras, mecânicas e metabólicas) e internas (psicofisiológicas) (Bourdon et al., 2017). A carga externa refere-se às exigências mecânicas e locomotoras do treino, como distância percorrida, sprints, acelerações e velocidade máxima, sendo atualmente monitorizada com fiabilidade através de sistemas GPS (Swinnen, 2016; Akenhead et al., 2016). A carga interna corresponde à resposta fisiológica e psicológica à carga externa, podendo variar mesmo perante estímulos idênticos, influenciada por fatores como o estado emocional (Impellizzeri et al., 2005; Bourdon et al., 2017). Para a medir, usam-se indicadores como a frequência cardíaca, a perceção subjetiva de esforço (PSE) e a concentração de lactato (Rampinini et al., 2007).

A intervenção verbal do treinador, ainda pouco estudada, pode influenciar a carga interna e externa no decurso de JRs (Falces-Prieto et al., 2015). Essa comunicação pode assumir várias formas, como instruções técnicas, reforço positivo sem correção ou orientações organizacionais (Díaz-García et al., 2021). A estimulação verbal, enquanto reforço positivo, revela-se especialmente eficaz para potenciar a aprendizagem tática e o envolvimento dos jogadores, sobretudo em contextos de alta intensidade (Hill-Haas et al., 2009; Sahli et al., 2022). 

O encorajamento verbal do treinador pode melhorar a motivação, a confiança e a atenção dos jogadores, promovendo uma maior ativação fisiológica associada ao desempenho motor (Khayati et al., 2024; Krahenbuhl, 1975). Também se associa a maior prazer e bem-estar durante a tarefa, possivelmente mediado pela libertação de oxitocina, hormona ligada ao compromisso e à motivação (Selmi et al., 2017; Pepping & Timmermans, 2012). A estimulação verbal revela-se, por isso, uma ferramenta eficaz para potenciar a carga interna, com efeitos positivos na execução técnica e na precisão das ações (Batista et al., 2019; Hammami et al., 2023). Contudo, não há estudos que tenham avaliado o impacto da presença do treinador e dos diferentes tipos de reforço verbal na intensidade e na performance tático-técnica durante JRs.

Este estudo visou analisar essa influência em jovens jogadores de futebol, considerando estímulos verbais centrados no encorajamento e em instruções táticas. Partiu-se da hipótese de que a presença do treinador e o seu apoio verbal aumentam a intensidade do exercício e o desempenho, através de maior motivação e compromisso com a tarefa (Hill-Haas et al., 2009; Sahli et al., 2022).

 

Métodos

 

·     Participantes

O cálculo amostral (G*Power v.3.0.10) indicou 20 participantes. Foram recrutados 20 jogadores Sub-16 da Primeira Divisão Regional de Madrid, excluindo 2 guarda-redes. Por lesão, a amostra final integrou 16 jogadores de campo (15,28 ± 0,48 anos; 175,13 ± 5,02 cm; 61,5 ± 5,93 kg), com 2 treinos semanais de 90 minutos e um jogo oficial. Os critérios de inclusão exigiram ≥4 anos de prática federada e ausência de lesões recentes. Todos entregaram consentimento informado dos encarregados de educação. O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética da Universidade Politécnica de Madrid, conforme a Declaração de Helsínquia (2013).

 

·     Materiais

Foram utilizados dispositivos GPS Catapult Vector S7 (10 Hz; acelerómetro a 400 Hz) para medir as exigências físicas, validados para desportos coletivos (Johnston et al., 2014). Os dados foram extraídos via Openfield Field Console 3.9 e Openfield Cloud 4.7 (Catapult Sports, Austrália). As sessões foram filmadas com uma câmara digital COOAU SPC 06 (4K/30FPS; Guangdong, China) para análise técnico-tática.

 

·     Procedimentos

O estudo decorreu durante 4 sessões de treino (terças e quintas às 18h00), em ambiente controlado, para evitar variações circadianas (Drust et al., 2005). Nas duas primeiras sessões, além de informações sobre objetivos e procedimentos metodológicos, promoveu-se a familiarização com os materiais e as tarefas 4v4. 

No terceiro momento de treino, os 16 jogadores foram distribuídos aleatoriamente em 4 equipas, realizando 2 jogos sob 3 condições: ausência de treinador (Absence of a Coach – AC), presença do treinador (Presence of a Coach – PC) e estimulação verbal (verbal stimulation of the coach – VS). A ordem e composição das equipas foram aleatórias para evitar efeitos de aprendizagem. Todos os jogos duraram 3 minutos, com 3 minutos de pausa entre eles. 

Na quarta sessão, os jogadores foram divididos aleatoriamente em grupo controlo e grupo experimental. Testaram-se duas novas condições: estimulação verbal ofensiva (verbal stimulation with tactical-technical offensive instructions – VS_OF) e estimulação verbal defensiva (verbal stimulation with tactical-technical defensive instructions – VS_DF), com contrabalanço da ordem de aplicação (ver figura 2).

 

Figura 2. Desenho do protocolo. Notas: ausência de treinador (Absence of a Coach – AC), presença de treinador (Presence of a Coach – PC), estimulação verbal (Verbal Stimulation – VS), estimulação verbal ofensiva (Verbal Stimulation with tactical-technical offensive instructions – VS_OF), estimulação verbal com instruções técnico-táticas defensivas (Verbal Stimulation with tactical-technical defensive instructions – VS_DF) (Jiménez et al., 2025).

 

Todos os jogos foram filmados e analisados com notação manual (Kelly & Drust, 2009). As ações foram classificadas em 4 categorias (passes, remates, duelos defensivos, interceções) e avaliadas quanto à eficácia (sucesso/insucesso). As fiabilidades intra e interobservador foram verificadas por nova análise independente realizada após 3 meses.

 

·     Protocolo da prática

Os JRs seguiram o formato 4v4 sem guarda-redes, com duas balizas centrais e campo de 36x23 m (103,5 m2/jogador). Aplicaram-se todas as regras do futebol, exceto o fora de jogo. Dez bolas foram distribuídas ao redor do campo para maximizar o tempo útil (Casamichana & Castellano, 2015). A câmara foi colocada na metade oposta para captar todas as ações. Os GPS foram colocados 15 minutos antes da recolha, inseridos em coletes com bolso dorsal. Os dados foram exportados via software Catapult.

 

·     Variáveis

As variáveis independentes corresponderam às diferentes condições sob as quais decorreram os JRs, centradas na presença do treinador e no tipo de estimulação verbal. As variáveis dependentes incluíram indicadores de desempenho físico e tático-técnico. As Tabelas 1 e 2 apresentam as definições operacionais utilizadas neste estudo, de acordo com a literatura de referência.

 

Tabela 1. Variáveis independentes (condições experimentais) do estudo (adaptado de Jiménez et al., 2025).


Tabela 2. Variáveis dependentes (indicadores de desempenho) do estudo (adaptado de Jiménez et al., 2025).

·     Análise estatística

A análise foi realizada no SPSS 19.0. As fiabilidades intra e interobservador foram avaliadas com o coeficiente Kappa de Cohen (1988), enquadrado de acordo com os critérios de Landis e Koch (1977). Como os dados não apresentaram distribuição normal (teste de Shapiro-Wilk) nem esfericidade (teste de Mauchly), recorreu-se a testes não paramétricos. No primeiro caso experimental (AC, PC, VS), aplicaram-se os testes de Friedman e de Wilcoxon para comparações entre condições. No segundo caso (VS_OF vs. controlo; VS_DF vs. controlo), usou-se o teste de Mann-Whitney U. O tamanho do efeito foi calculado com o Hedges’ g (Hedges, 1981), interpretado como pequeno (0,2), médio (0,5) ou grande (≥ 0,8) (Cohen, 1988).

 

Principais resultados

Esta secção apresenta os principais efeitos das diferentes condições experimentais sobre o desempenho físico e tático-técnico dos jogadores durante os JRs. Os resultados estão organizados em 3 subsecções: desempenho físico, desempenho tático-tático e comparações entre as condições com estimulação verbal e o grupo de controlo.

 

·     Desempenho físico

A presença do treinador, sobretudo com encorajamento verbal (VS), influenciou de forma positiva a PSE, que foi significativamente mais elevada face à condição sem treinador (AC). Nas restantes variáveis físicas, observaram-se tendências favoráveis nas condições com estimulação verbal (VS_OF e VS_DF), com destaque para o aumento da distância total percorrida e das ações em alta velocidade na condição defensiva (VS_DF), ainda que nem todos os efeitos tenham sido estatisticamente significativos.

 

·     Desempenho tático-técnico

A estimulação verbal demonstrou efeitos positivos na qualidade e frequência das ações tático-técnicas. A condição defensiva (VS_DF) originou melhorias no número total de passes e de passes bem-sucedidos, sem comprometer o equilíbrio defensivo. Por sua vez, a condição ofensiva (VS_OF) gerou ligeiras melhorias na eficácia dos passes, embora com menor impacto global nas restantes variáveis táticas.

 

·     Comparações com o grupo de controlo

Tanto a estimulação verbal ofensiva como a defensiva mostraram efeitos superiores ao grupo de controlo em diversas variáveis técnicas, com a condição defensiva (VS_DF) a apresentar ganhos mais robustos e consistentes. Os efeitos positivos da condição ofensiva (VS_OF) foram mais moderados e, em alguns indicadores físicos, inferiores aos do grupo de controlo.

 

Aplicações práticas

A análise dos efeitos da presença e da estimulação verbal do treinador em contextos de treino com JRs permite retirar 4 implicações práticas com relevância direta para o planeamento, gestão da carga e otimização do desempenho de jovens futebolistas:

 

1. Valorizar a presença do treinador como fator de mobilização do empenho: a simples perceção de que o treinador observa pode aumentar o esforço percebido pelos jogadores, mesmo sem alterações objetivas na carga externa. Este efeito sugere que a localização e visibilidade do treinador devem ser ponderadas no desenho das tarefas, sobretudo quando se pretende reforçar a implicação cognitiva e emocional das crianças e dos jovens. 

2. Aplicar instruções defensivas para intensificar a carga física: a estimulação verbal com foco defensivo gerou aumentos significativos na distância percorrida e nas exigências externas, constituindo uma estratégia eficaz quando o objetivo passa pelo desenvolvimento da condição física. Indicações como “pressionar alto” ou “fechar linhas de passe” promovem deslocamentos amplos e uma maior ocupação do espaço de jogo – comportamentos associados a tarefas de elevada intensidade. 

3. Reconhecer os efeitos colaterais positivos das instruções tático-técnicas: embora a estimulação verbal ofensiva vise a eficácia atacante, o foco defensivo proporcionou melhorias mais evidentes no número e na eficácia dos passes. Este efeito pode resultar de um estado de alerta superior, induzido pelas exigências defensivas. Assim, as instruções táticas não afetam apenas os comportamentos diretamente visados, mas também influenciam ações ofensivas decorrentes da resposta à pressão adversária. 

4. Equilibrar a estimulação verbal com a autonomia decisional dos jogadores: ainda que as instruções tático-técnicas produzam ganhos físicos e tático-técnicos, uma verbalização excessiva pode comprometer a tomada de decisão em idades críticas para o desenvolvimento tático. Deve existir espaço para a leitura do contexto, para a iniciativa e para o erro. Caso contrário, o treino corre o risco de restringir competências decisórias que urge estimular.

 

Conclusão

A presença do treinador, mesmo sem intervenção verbal, aumenta significativamente o esforço percebido pelos jogadores em JRs 4v4. Já a estimulação verbal focada no desempenho defensivo melhora não só a carga externa, mas também a eficácia ofensiva na ação de passe. Por fim, instruções ofensivas promovem ligeiras melhorias na fluidez ofensiva, sobretudo no número total de passes realizados.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.

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