NOTA
PRÉVIA: O presente texto foi publicado no número mais recente da Revista AF Algarve (n.º 75, Outubro / Novembro 2013).
No futebol de formação, a aprendizagem do
jogo, nas suas dimensões técnica, tática e estratégica, não é um processo de
curto prazo. A aquisição e o aperfeiçoamento das ações técnicas, o
desenvolvimento do raciocínio tático e a vivência dos condicionalismos
estratégicos devem ocorrer por etapas, evitando as mais que habituais pressões
exteriores de “executar rápido, bem, aqui e agora”. A crença no imediatismo
gera usualmente insucesso; o insucesso conduz à saturação; a saturação culmina
na desistência e no abandono precoces do processo de treino e competição
(Stafford, 2005).
Uma vez que o jogo de futebol tem por base
uma estrutura de rendimento complexa, é natural que as crianças/jovens sejam
submetidos a situações de jogo ou competição exigentes dos pontos de vista
físico, cognitivo e emocional. Contudo, as exigências que são colocadas aos
miúdos devem ser muito bem equacionadas e geridas pelos treinadores. Um
contexto de pouca exigência não estimula o desenvolvimento das competências dos
jovens praticantes; por outro lado, um contexto de elevada exigência, sempre no
limite, tende a desrespeitar os processos biológicos de crescimento e maturação
dos indivíduos, levando à inevitável saturação. Deste modo, uma conveniente
periodização do treino por parte do treinador pode acautelar situações de
desistência e potenciar os efeitos formativos decorrentes da prática numa
perspetiva a médio/longo prazo.
Neste âmbito, é consensual entre
especialistas a existência de alguns cuidados a ter na seleção do padrão de
periodização a adotar no treino de crianças/jovens. Tomemos em consideração os
seguintes:
· O
modelo de periodização deve ser adaptado à vida escolar (Matveiev, 1982,
Tschiene, 1983, citados por Mota, 1988; Stafford, 2005), bem como à vida
familiar da criança/jovem (Stafford, 2005). A grande maioria dos jovens
praticantes de futebol no nosso país não está inserida em academias
profissionais de futebol. Para além disso, a percentagem de jogadores que
atingem o alto rendimento é irrisória. Enquanto agentes formadores de cidadãos,
os treinadores não devem ignorar esta realidade;
· O
que está em causa não é propriamente o rendimento, mas sim a criação dos
pressupostos desse rendimento (Mota, 1988; Stafford, 2005; Martin et al.,
2008); logo, a criança/jovem não precisa, ao longo do ciclo anual, de atingir
picos ou níveis otimizados de forma desportiva (Tschiene, 1983, Weineck, 1983 e
Carvalho, 1985, citados por Mota, 1988);
· No
período preparatório (pré-época), o objetivo do treino não é tentar o
desenvolvimento da forma desportiva que serve para vencer o campeonato, porque
o preço a pagar será uma perda de motivação por parte do jovem praticante (Tschiene,
1983, citado por Mota, 1988; Seirul-lo, 1998);
· A alta intensidade associada a exercícios específicos e/ou gerais, por motivos biológicos, pode ser nefasta nos níveis base de formação, visto o fator técnica ainda se apresentar pouco consolidado, surgindo a possibilidade de reter o erro. Nestes escalões, a base de um nível futuro elevado de rendimento deve ser lançada através da dominância do incremento do volume (tempo de treino), não por intermédio do aumento da intensidade (Tschiene, 1983, citado por Mota, 1988; Stafford, 2005; Martin et al., 2008);
· A alta intensidade associada a exercícios específicos e/ou gerais, por motivos biológicos, pode ser nefasta nos níveis base de formação, visto o fator técnica ainda se apresentar pouco consolidado, surgindo a possibilidade de reter o erro. Nestes escalões, a base de um nível futuro elevado de rendimento deve ser lançada através da dominância do incremento do volume (tempo de treino), não por intermédio do aumento da intensidade (Tschiene, 1983, citado por Mota, 1988; Stafford, 2005; Martin et al., 2008);
· O
macrociclo anual (época desportiva) pode ser subdivido numa periodização tripla
(três períodos), uma vez que oferece possibilidades de organização favoráveis
para um processamento variado do ciclo anual, o que vem ao encontro dos
interesses escolares das crianças/jovens (Lewin, 1978, Barbanti, 1979, Raposo,
1979, Berger, 1981 e Freitag, 1982, citados por Mota, 1988);
· É
benéfico alterar o tipo ou algumas particularidades da periodização de época
para época, de modo a fomentar a adaptação a novas estruturas de treino e a estímulos
diversificados, em consonância com as exigências e as necessidades próprias de
cada praticante e da competição (Stafford, 2005);
· Nos
períodos de férias escolares, deve-se propiciar intervalos profiláticos, que
providenciem a recuperação e a regeneração necessárias a jovens praticantes em
desenvolvimento (Tschiene, 1983, citado por Mota, 1988; Stafford, 2005). Posto
isto, será a frequência regular dos habituais torneios de Natal, Carnaval e
Páscoa realmente benéfica para o desenvolvimento integral das crianças/jovens?
Não serão estes torneios suplementares um fator de saturação para os jovens e
para as respetivas famílias?
Um modelo de periodização assente nestas
recomendações está especialmente ajustado às culturas ocidentais, até pela sua adequação
à realidade no que diz respeito à matriz de estrutura social vigente. Em
síntese, um modelo que se enquadre nos estilos de vida das crianças/jovens e
das respetivas famílias é um modelo mais centrado e adaptado ao praticante, o
que, em última instância, concorre para uma rentabilização e otimização do processo
de formação desportiva e cívica através desta nossa modalidade: o futebol.
Referências
Martin, D., Carl, K. & Lehnertz, K. (2008). Manual de teoria do treinamento esportivo.
São Paulo: Phorte Editora.
Mota, J. (1988). A periodização do treino com jovens. Horizonte, 4(23): 163-167.
Seirul-lo Vargas, F. (1998). Planificación a largo plazo en los deportes
colectivos. Apuntes del curso de Entrenamiento Deportivo. Canarias: Escuela
Canaria del Deporte.
Stafford, I.
(2005). Coaching for long-term athlete
development: To improve participation and performance in sport. Leeds:
Sports Coach UK.
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