24/10/2014

A gestão dos ritmos de jogo no futebol

Hoje em dia, a expressão «ritmo de jogo» é amplamente utilizada no futebol. Ainda que frequentemente não seja empregue com critério, surge associada à velocidade de circulação da bola, à velocidade de deslocamento dos jogadores, à velocidade de progressão/recuperação posicional da equipa no terreno de jogo e, claro está, à sobejamente conhecida intensidade de jogo.

O ritmo de jogo em si, por ser mais complexo, não é sinónimo de nenhum dos parâmetros supramencionados. Uma equipa pode circular rápido a bola e a velocidade de deslocamento dos seus jogadores ser baixa, por exemplo, numa situação de superioridade numérica. Nesta mesma lógica, uma equipa pode circular rápido a bola no meio-campo defensivo, no intuito de manter a posse de bola, e praticamente não haver progressão do coletivo no espaço de jogo. Portanto, o ritmo de jogo é um estado temporário de um sistema (jogo) que congrega duas equipas e que reúne a interação de variáveis de índole tática, técnica, fisiológica e, até mesmo, psicológica.

Imagem: Luka Modric, um jogador exemplar na gestão dos ritmos de jogo.
(fonte: bleacherreport.com).

Para efeitos práticos, o treinador deve preparar a sua equipa para gerir da melhor maneira os ritmos de jogo: «Quando, como e por quê acelerar? Diminuir o ritmo com que objetivo?». Para que isto suceda, os jogadores devem exercitar relações de cooperação e oposição no treino, através de jogos reduzidos/condicionados e formas jogadas, com a particularidade de serem estimulados a agir/decidir com inteligência. Na minha perspetiva, agir/decidir inteligentemente pressupõe: (i) nunca esquecer os objetivos primordiais do jogo (marcar golo na baliza adversária e evitar que o adversário introduza a bola na nossa baliza); (ii) perceber com celeridade o que o envolvimento oferece/possibilita (ler o jogo); (iii) dar qualidade às relações estruturais e funcionais pretendidas pelo treinador; (iv) compreender a natureza e as circunstâncias inerentes à competição em curso (campeonato, taça, eliminatória a duas mãos, etc.); e, (v) respeitar sempre a equipa adversária e o público presente no campo/estádio.

Finalizo com a demonstração prática daquilo que, para mim, é uma gestão inteligente dos ritmos de jogo:


Aos 71 minutos (a 9 do final do tempo regulamentar), a equipa branca vencia por uma diferença de golos confortável, num jogo de campeonato distrital de juvenis. Após a recuperação da posse no meio-campo defensivo, a bola é colocada no guarda-redes no sentido de abrandar o ritmo de jogo. O guarda-redes opta por variar o centro de jogo e coloca a bola no lateral esquerdo; este último é forçado a atuar de imediato, perante a pressão defensiva do adversário e fá-lo com um passe correto ao primeiro toque. Gera-se uma potencial situação de combinação tática direta e dá-se uma aceleração considerável do ritmo de jogo pelo corredor esquerdo. O processo ofensivo termina em golo.

O controlo do jogo passa por isto: saber alterar os ritmos de jogo, em função dos constrangimentos impostos pela equipa adversária, mas tendo sempre como referência o objetivo da modalidade: o golo.

09/10/2014

Porque estão os esquerdinos sobrerrepresentados em certos desportos?

Há uns dias, numa busca casual, deparei-me com um artigo apelativo de dois investigadores turcos. Akpinar e Bicer (2014) fizeram uma extensa revisão da literatura acerca da lateralidade no desporto e procuraram identificar os motivos pelos quais os indivíduos esquerdinos (ou canhotos) estão sobrerrepresentados em certas modalidades.

Em primeira instância, os autores constataram que a incidência de indivíduos canhotos nas modalidades desportivas de interação (i.e., jogos desportivos coletivos) tende a ser frequentemente superior à incidência de canhotos na população geral. Por exemplo, 13% dos jogadores da NBA, na época 2013/2014, eram canhotos; em média, 28.5% dos jogadores de equipas de andebol são canhotos; o Arsenal, na época 2013/2014, tinha 36% de jogadores esquerdinos na sua equipa principal de futebol. Todos estes valores são superiores aos valores relativos de 8-10% de canhotos, observados em diversos estudos transculturais para a população em geral.

Esta evidência é interessantíssima e suscitou a necessidade de obter uma resposta plausível para o facto. Porque é que tal sucede? Pois bem, de acordo com a pesquisa efetuada por Akpinar e Bicer (2014), foram colocadas duas hipóteses explicativas:

a) Hipótese da superioridade inata: baseada em vantagens decorrentes de predisposições percetivas e neuropsicológicas dos canhotos (e.g., tempos de reação mais curtos, melhor capacidade de antecipação) e de adaptações anatómicas (cérebros mais simétricos, com conexões mais amplas e eficientes entre os dois hemisférios);

b) Hipótese da frequência negativa: vantagem dos esquerdinos derivada da menor experiência dos adversários em lidar com estruturas de movimentos menos frequentes, ou seja, determina uma menor afinação dos oponentes destros às ações produzidas pelos indivíduos canhotos (desvantagem no desenvolvimento de abordagens estratégico-táticas).

Por outro lado, nos desportos coletivos, a presença de sujeitos esquerdinos pode oferecer uma panóplia de soluções ao treinador que não devem ser descuradas. O ponta direito no andebol, por exemplo, ao ser canhoto aumenta substancialmente o ângulo de abordagem à baliza (remate) e, consequentemente, as possibilidades de marcar golo. No futebol, a presença de um extremo canhoto, permite que o treinador opte por jogar ou com extremos invertidos (procura de zonas interiores do espaço de jogo), ou de uma forma mais clássica, com os extremos a procurar a profundidade pelos corredores laterais para cruzar. Portanto, possuir canhotos num plantel/equipa aumenta o leque de opções estratégico-táticas do treinador. Claro que isto depende da especificidade de cada modalidade.

Imagem: O canhoto Diego Maradona no Nápoles (fonte: Getty Images).

Depois, é a beleza e a «magia» que um jogador canhoto oferece ao jogo/modalidade. Quem não conhece os nomes Di Stefano, Maradona, Maldini, Roberto Carlos, Rivaldo, Giggs, Messi, Robben, Özil, Van Persie, Di Maria, David Silva, Gareth Bale, James Rodríguez, entre muitos outros? E o mais curioso é que, no que respeita a modalidades desportivas individuais (e.g., ginástica), não se verificou qualquer sobrerrepresentação de sujeitos esquerdinos. Então, serão estes indivíduos mais talhados para contextos de interação (cooperação e oposição)? Talvez a ciência, um dia, nos esclareça a dúvida.

Referência
Akpinar, S., & Bicer, B. (2014). Why left-handers/footers are overrepresented in some sports? Montenegrin Journal of Sports Science and Medicine, 3(2), 33-38.