25/08/2017

As boas e as más decisões nos desportos coletivos


A propósito do «chutão» de Paulinho no terceiro golo do SC Braga, ontem, diante do HF Hafnardorjur da Islândia, recordei-me de uma frase que ouvi na faculdade:

«O interessante nos jogos desportivos coletivos é que há boas decisões que não dão em nada e más decisões bem-sucedidas».

Figura 1. O «chutão» de Paulinho na origem do 3-2 para o SC Braga (Liga Europa 2017/2018).

Valha-nos o facto de dividendos positivos para a equipa dependerem, essencialmente, de boas decisões. Contudo, há sempre exceções à regra!

20/08/2017

A coordenação da linha defensiva no futebol profissional: Uma necessidade premente

Ontem, ditou o acaso que assistisse à primeira parte do jogo CD Tondela 2 x 3 GD Estoril Praia, via televisão, referente à 3ª jornada da Liga portuguesa NOS 2017/2018. Aos 13 minutos foi inaugurado o marcador para a equipa visitante, através de um autogolo do lateral direito David Bruno (ver aqui). Segundo os comentadores da partida, foi uma «infelicidade» do lateral direito formado no FC Porto. Será que foi mesmo?

Figura 1. Estoril circula a bola para o corredor central com evidentes desequilíbrios na equipa de Tondela.  

A figura 1 revela, no imediato, uma ocupação desequilibrada do espaço por parte da equipa de Tondela. O espaço entre os três médios é enorme, o lateral esquerdo Pité realizou uma cobertura defensiva, esquecendo-se completamente do extremo direito estorilista André Claro nas suas costas. Além disso, e mais relevante face ao contexto da jogada, é a posição demasiado recuada da linha defensiva, o que aumenta o espaço intersetorial propício para Evangelista receber a bola sem oposição e, com espaço, ler e solicitar André Claro com qualidade (figura 2). O equilíbrio ao lateral Pité deveria de ser feito pelo central do seu lado, libertando o médio defensivo para posições mais interiores e próximas dos adversários no seu meio-campo defensivo.

Figura 2. A «rotura»: linha defensiva do Tondela em orientação diagonal, descoordenada relativamente à lei do fora-de-jogo.

A péssima ocupação do espaço de jogo, evidenciada na figura 1, poderia ser compensada com uma boa coordenação da linha defensiva, o que não aconteceu. O «infeliz» David Bruno não acompanhou a progressão dos seus centrais e colocou André Claro em jogo dando origem à situação iminente de golo (figura 3; 3v2+Gr).

Figura 3. Em perseguição e em inferioridade numérica, David Bruno introduziu a bola na sua própria baliza. Uma questão de infelicidade.

Não confundamos: não se trata de uma implicação para com o lateral do Tondela. Sim, ele errou, tal como muitos dos seus companheiros de equipa. Um erro pode ser corrigido por uma boa organização; muitos erros num contexto de desorganização e descoordenação dificilmente estão associados ao êxito desportivo.

Nos dias que hoje correm, as equipas profissionais, quer objetivem títulos, quer lutem desalmadamente pela manutenção, têm de incidir grande parte do seu trabalho em processos inerentes à organização defensiva e à transição defensiva. A (des)coordenação da linha defensiva demonstrada neste golo sofrido pelo Tondela indica que há muita margem para evolução no grupo liderado por Pepa. A título de exemplo, numa sessão de treino, considere-se a possibilidade de dividir o espaço de jogo em 4 setores (de 21x65m), colocar um ou dois treinadores a supervisionar o posicionamento da linha defensiva e dos atacantes (fora-de-jogo) e estabelecer princípios defensivos bem claros em relação aos comportamentos individuais de cada um dos defensores (quem realiza cobertura defensiva? Quem realiza equilíbrio(s)? Quem alinha por quem?) e coletivos do setor (maior ou menor profundidade? Qual a ocupação do espaço em largura? Que elemento «sai» em contextos de inferioridade numérica? Como se ajusta o posicionamento com 3 elementos?).

Muito provavelmente, a equipa técnica de Pepa tem estes aspetos definidos no seu modelo de jogo e são operacionalizados no seu planeamento semanal, porém, nesta jornada, por motivos que desconheço, o desempenho defensivo da sua equipa não foi o melhor. Nas últimas duas épocas, o Tondela garantiu a manutenção por um golo (2016/2017) e por um ponto (2015/2016), respetivamente. Quem sabe se este golo sofrido e/ou os três pontos perdidos ontem não serão cruciais para o futuro do clube na I Liga?

14/08/2017

Leituras de verão

Ler e escrever. Escrever e ler. Hoje em dia são ações contra um tempo que cavalga feroz para lugar nenhum. O Sol traz consigo a praia e a praia, por sua vez, os livros não técnicos, os livros que me desenjoam das rotinas quotidianas. Ao velho – e quase esquecido – blogue Linha de Passe trago-lhe duas excelentes leituras recentes: As Rosas de Atacama (2011) do inevitável Luis Sepúlveda e Mendel dos Livros (2014) do, para mim, totalmente desconhecido Stefan Zweig.

Estes são autores de épocas distintas, naturais de partes distantes do globo, mas com o condão de enaltecer o pior e o melhor da espécie humana. Se ainda podemos celebrar tempos de paz e harmonia perto de nós, talvez o futuro se encarregue de nos relembrar que nunca estaremos a salvo da humanidade.

As Rosas de Atacama

Imagem: Capa do livro «As Rosas de Atacama» (Porto Editora).

Vi a obra de muitos pintores – e desculpem – desconheço até agora o abalo emocional que – para além de O Grito de Munch – uma pintura pode causar. Estive também diante de inúmeras esculturas e só nas de Agustín Ibarrola encontrei a paixão e a ternura expressas numa linguagem que as palavras nunca atingirão. Suponho que terei lido uns mil livros, mas nunca um texto me pareceu tão duro, tão enigmático, tão belo e ao mesmo tempo tão dilacerante como aquele escrito sobre uma pedra. (p. 7)

Eu estive aqui e ninguém contará a minha história.
(campo de concentração Bergen Belsen, Alemanha)

A cobiça será sempre como uma agulha de gelo nas pupilas. (p. 30)

A história d’ O Pirata de Elba, segundo Luis Sepúlveda: Os meus filhos gostam desta história, e espero ainda contá-la um dia aos meus netos, porque, se é certo que a vida é breve e frágil, também é verdade que a dignidade e a coragem conferem vitalidade que nos faz suportar os seus enganos e desditas. (p. 37)

No capítulo «Baleias no Mediterrâneo»: Sou um grande pessimista quando se trata de comover os ociosos endinheirados, mas, por uma questão de fé na espécie humana, quero crer que, num futuro não muito distante, um industrial qualquer, ou um banqueiro, em vez de oferecer ao filho adolescente uma moto de água, irá convidá-lo para o mesmo lugar do Norte da Sardenha donde eu avistei as baleias; e ali, juntamente com os filhos dos pescadores, esse rapaz ficará maravilhado com o espetáculo dos cetáceos movendo-se no seu espaço natural e protegido, porque a vida é e será sempre a mais digna e prometedora das dádivas. (p. 59-60)

«As Rosas Brancas de Estalinegrado»: Nunca vim a saber se Moscovo é uma cidade bela, porque a beleza das cidades só existe refletida nos olhos dos seus habitantes, e os moscovitas olham insistentemente para o chão, como se procurassem uma terra inútil perdida debaixo dos pés. (p. 95)

A história de duas compatriotas chilenas, vítimas do sequestro e da violência do regime ditatorial. «A morena e a loira»: A morena e a loira. Carmen e Marcia. Lá vão no seu andar seguro e com o orgulho das que jogaram tudo. Aqueles corpos falam de amor, guardam o amor de todos os caídos. (…) Minissaias em flor dos anos setenta, revoltosas de lições e de costumes, subversivas do amor e das ideias, companheiras da alma e da esperança, com que orgulho as contemplo, às minhas eternas raparigas! (p. 141-142)

Mendel dos Livros

Imagem: Capa do livro «Mendel dos Livros» (Assírio & Alvim).

Novela escrita em 1929 e que constitui a antecipação em mais de uma década do definhamento do próprio autor, vítima da barbárie nacional-socialista. Um autor e um personagem que perderam tudo: o país, a língua, os leitores e o sentido da vida. A conclusão é brilhante, a narrativa prévia não lhe fica atrás: Pois ela, mulher sem estudos ao menos guardara um livro para se recordar melhor dele, mas eu, tinha-me esquecido durante anos de Mendel dos livros, precisamente eu que tinha a obrigação de saber que os livros só se criam com o fim de unir as pessoas para além da sua própria existência e, assim, de se defender do inexorável oponente de tudo o que vive: fugacidade e o esquecimento. (p. 86-87)