14/08/2017

Leituras de verão

Ler e escrever. Escrever e ler. Hoje em dia são ações contra um tempo que cavalga feroz para lugar nenhum. O Sol traz consigo a praia e a praia, por sua vez, os livros não técnicos, os livros que me desenjoam das rotinas quotidianas. Ao velho – e quase esquecido – blogue Linha de Passe trago-lhe duas excelentes leituras recentes: As Rosas de Atacama (2011) do inevitável Luis Sepúlveda e Mendel dos Livros (2014) do, para mim, totalmente desconhecido Stefan Zweig.

Estes são autores de épocas distintas, naturais de partes distantes do globo, mas com o condão de enaltecer o pior e o melhor da espécie humana. Se ainda podemos celebrar tempos de paz e harmonia perto de nós, talvez o futuro se encarregue de nos relembrar que nunca estaremos a salvo da humanidade.

As Rosas de Atacama

Imagem: Capa do livro «As Rosas de Atacama» (Porto Editora).

Vi a obra de muitos pintores – e desculpem – desconheço até agora o abalo emocional que – para além de O Grito de Munch – uma pintura pode causar. Estive também diante de inúmeras esculturas e só nas de Agustín Ibarrola encontrei a paixão e a ternura expressas numa linguagem que as palavras nunca atingirão. Suponho que terei lido uns mil livros, mas nunca um texto me pareceu tão duro, tão enigmático, tão belo e ao mesmo tempo tão dilacerante como aquele escrito sobre uma pedra. (p. 7)

Eu estive aqui e ninguém contará a minha história.
(campo de concentração Bergen Belsen, Alemanha)

A cobiça será sempre como uma agulha de gelo nas pupilas. (p. 30)

A história d’ O Pirata de Elba, segundo Luis Sepúlveda: Os meus filhos gostam desta história, e espero ainda contá-la um dia aos meus netos, porque, se é certo que a vida é breve e frágil, também é verdade que a dignidade e a coragem conferem vitalidade que nos faz suportar os seus enganos e desditas. (p. 37)

No capítulo «Baleias no Mediterrâneo»: Sou um grande pessimista quando se trata de comover os ociosos endinheirados, mas, por uma questão de fé na espécie humana, quero crer que, num futuro não muito distante, um industrial qualquer, ou um banqueiro, em vez de oferecer ao filho adolescente uma moto de água, irá convidá-lo para o mesmo lugar do Norte da Sardenha donde eu avistei as baleias; e ali, juntamente com os filhos dos pescadores, esse rapaz ficará maravilhado com o espetáculo dos cetáceos movendo-se no seu espaço natural e protegido, porque a vida é e será sempre a mais digna e prometedora das dádivas. (p. 59-60)

«As Rosas Brancas de Estalinegrado»: Nunca vim a saber se Moscovo é uma cidade bela, porque a beleza das cidades só existe refletida nos olhos dos seus habitantes, e os moscovitas olham insistentemente para o chão, como se procurassem uma terra inútil perdida debaixo dos pés. (p. 95)

A história de duas compatriotas chilenas, vítimas do sequestro e da violência do regime ditatorial. «A morena e a loira»: A morena e a loira. Carmen e Marcia. Lá vão no seu andar seguro e com o orgulho das que jogaram tudo. Aqueles corpos falam de amor, guardam o amor de todos os caídos. (…) Minissaias em flor dos anos setenta, revoltosas de lições e de costumes, subversivas do amor e das ideias, companheiras da alma e da esperança, com que orgulho as contemplo, às minhas eternas raparigas! (p. 141-142)

Mendel dos Livros

Imagem: Capa do livro «Mendel dos Livros» (Assírio & Alvim).

Novela escrita em 1929 e que constitui a antecipação em mais de uma década do definhamento do próprio autor, vítima da barbárie nacional-socialista. Um autor e um personagem que perderam tudo: o país, a língua, os leitores e o sentido da vida. A conclusão é brilhante, a narrativa prévia não lhe fica atrás: Pois ela, mulher sem estudos ao menos guardara um livro para se recordar melhor dele, mas eu, tinha-me esquecido durante anos de Mendel dos livros, precisamente eu que tinha a obrigação de saber que os livros só se criam com o fim de unir as pessoas para além da sua própria existência e, assim, de se defender do inexorável oponente de tudo o que vive: fugacidade e o esquecimento. (p. 86-87)

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