Há
algum tempo escrevi um artigo no portal Futebol de Formação (ver aqui), a
propósito da barafunda terminológica que subsistia no futebol português. Cerca
de dois anos volvidos, nada mudou e a confusão persiste. O mote para o primeiro
texto de 2020 (e da década) foi dado num dos últimos jogos domésticos de 2019
quando, na rádio, um comentador aludiu a um “contra-ataque rápido” de uma das
equipas que quase resultava em golo.
Pois
bem, se há conceitos que são amplamente deturpados no nosso futebol, os métodos
de jogo são dos mais marginalizados. Confundem-se com os momentos de transição
de fase (defesa-ataque e ataque-defesa), através das famigeradas “transições
rápidas”. Baralha-se o método de jogo posicional com a fase de organização
ofensiva (ataque), como se o ataque rápido e o contra-ataque não fossem métodos
legítimos para atacar a baliza adversária e marcar golo. Abusa-se de uma
redundância impregnada de ingenuidade, ou ignorância para os menos sensíveis,
para caracterizá-los: um contra-ataque é, por força das circunstâncias contextuais
provisórias, rápido; jamais poderia ser lento, senão a equipa adversária
disporia de tempo suficiente para se reorganizar e a hipótese de contra-atacar
esfumar-se-ia.
Para
não me alongar num texto meramente explicativo, que não visa mais do que
clarificar algumas noções básicas do futebol e que constam na literatura desde
o século transato, irei reportar-me apenas aos métodos do jogo ofensivo: ataque
posicional, ataque rápido e contra-ataque. Então, o que são métodos de jogo? De
acordo com Castelo (2004), são formas de organização que visam a coordenação
(sincronização) eficaz dos jogadores da equipa, de modo a criar condições
favoráveis para a concretização dos objetivos ofensivos do coletivo que, regra
geral, são consentâneos com o objetivo do jogo: o golo. O estudo e a preparação
da equipa para a competição pressupõem a otimização do deslocamento dos
jogadores e da circulação da bola no espaço de jogo, a partir de uma estrutura
tática preestabelecida, tendo em consideração as valências e as fraquezas da
equipa oponente (figura 1).
Figura 1. Exemplo de princípios subjacentes ao método de ataque posicional (jogo apoiado) do FC Barcelona. |
Portanto,
o ataque posicional, o ataque rápido e o contra-ataque são métodos do jogo
ofensivo com características distintas, dotados de dinâmicas organizadas e que visam
alcançar objetivos análogos, sendo o golo o intento primordial. Contudo, como
se diferenciam?
1.
Ataque posicional
O ataque posicional,
também designado de “ataque organizado”, o que me parece ser incorreto porque
parte da suposição que os outros métodos ofensivos carecem de organização, é o
mais apreciado pela maioria dos treinadores por esse mundo fora. O jogo apoiado
é característico deste método, normalmente envolvendo um número elevado de
jogadores da equipa, que recorrem ao passe curto e a combinações táticas
(diretas e indiretas) para explorar diversos espaços de jogo (nos três
corredores e nos três setores). O processo ofensivo é relativamente longo,
paciente e visa criar desequilíbrios momentâneos na organização defensiva
adversária para atacar a baliza adversária em condições vantajosas. Embora as
equipas tendam a explorar a largura do campo, permanecendo mais dispersas no
eixo transversal, a proximidade intersetorial dos jogadores garante que o
conjunto permaneça equilibrado face a eventuais perdas da posse de bola
(transições defensivas).
2.
Ataque rápido
O ataque rápido é um
método de jogo ofensivo que reúne propriedades do ataque posicional e do
contra-ataque. Como o próprio nome sugere, é rápido, com durações inferiores ao
ataque posicional e, geralmente, idênticas ou ligeiramente superiores ao
contra-ataque. Preconiza a utilização máxima de 6 jogadores no processo
ofensivo, sendo o mesmo elaborado através de uma miscelânea de passes em
profundidade e em largura, ainda que o objetivo consista em chegar rapidamente
à baliza contrária. Diferencia-se, sobretudo, do contra-ataque por pressupor
uma oposição minimamente organizada da estrutura defensiva adversária, embora,
por vezes, não seja fácil diferenciá-los, pois a interpretação do “minimamente
organizada” é tão complexa quanto subjetiva, dependendo, fundamentalmente, da
avaliação que é feita do controlo do espaço defensivo e do balanço entre
relações numéricas.
3.
Contra-ataque
O contra-ataque é um
método de jogo ofensivo predominantemente associado a equipas de menor dimensão
ou com menos competências técnico-táticas. No entanto, independentemente da
qualidade das equipas, uma grande percentagem de golos é obtida através deste método,
em especial nos últimos 15 minutos, quando se diz que “o jogo está partido”. É
categorizado como um método de curta duração, em que uma equipa explora a
profundidade do campo, no intuito de chegar o mais rapidamente possível à
baliza oponente, aproveitando o desequilíbrio defensivo circunstancial da outra
equipa. Por isso, envolve a realização de um número reduzido de passes,
geralmente em progressão (eixo longitudinal) e com elevada velocidade de
deslocamento dos jogadores e da bola no terreno de jogo.
Num estudo publicado em
2018, no Journal of Strength and Conditioning Research, Sarmento e colegas
propuseram uma metodologia para diferenciar estes três métodos de jogo em
análise (tabela 1).
Tabela 1. Diferenciação dos
tipos de métodos de jogo ofensivo no futebol (adaptado de Sarmento et al.,
2018).
A amostra compreendeu 1684
sequências ofensivas, retiradas de 68 jogos disputados nas ligas espanhola (La
Liga), italiana (Série A), alemã (Bundesliga), inglesa (Premier
League) e na UEFA Champions League, nas épocas 2013/2014 e 2014/2015.
Curiosamente, ou talvez não, os métodos ofensivos contra-ataque e ataque rápido
aumentaram o sucesso das sequências ofensivas em 40%, quando comparados com o
ataque posicional. O aumento de 1 segundo na duração de sequência ofensiva e a
realização de um passe extra resultaram em decréscimos de 2% e 7%,
respetivamente, na probabilidade da sequência ofensiva ser concluída com êxito
(Sarmento et al., 2018).
Em suma, o ataque
posicional não é a única forma organizada de se alcançar o golo no futebol. Os
outros métodos ofensivos são tão ou mais efetivos e, desta maneira, devem ser
alvo de preparação sistemática ao longo do processo de treino. As noções que
penso que importam reter deste texto são as seguintes: (1) identificar e
analisar os diferentes métodos de jogo ofensivo é crucial para preparar e
otimizar os desempenhos individuais e coletivo, tendo em consideração as forças
e as fraquezas da própria equipa e dos adversários, bem como as oportunidades
geradas pelo contexto situacional; (2) saber diferenciar cada um dos
métodos descritos é útil para que haja uma comunicação clara e coerente no seio
de uma entidade coletiva (equipa ou clube), sem que se suscitem interpretações
dúbias ou erradas; (3) o meio mais eficaz para lidar com a
imprevisibilidade do jogo é estar preparado para atuar em função do contexto,
pelo que estimular e fomentar a variabilidade organizacional da equipa em posse
de bola – ataque posicional, ataque rápido e contra-ataque – é apetrechá-la com
soluções práticas para a resolução dos problemas que emergem da dinâmica
relacional que se estabelece com os diversos opositores.
Referências
Castelo, J. (2004). Futebol –
Organização dinâmica do jogo. Cruz Quebrada: FMH Edições.
Sarmento, H., Figueiredo, A.,
Lago-Peñas, C., Milanovic Z., Barbosa, A., Tadeu, P., & Bradley, P. S.
(2018). Influence of tactical and situational variables
on offensive sequences during elite football matches. Journal of Strength and Conditioning Research, 32(8), 2331-2339.
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