24/01/2020

Ver ou não ver? Vendo, executar ou não executar? Detalhes que decidem jogos no futebol de elite

Cheguei tarde a casa do trabalho. Aos 75 minutos do jogo Wolverhampton Wanderers FC x Liverpool FC, a contar para a jornada 24 da presente edição da FA Premier League, o 1-1 era o resultado em vigor. O jogo estava completamento em aberto, pois ambas as equipas procuravam o golo que lhes atribuiria a vantagem no marcador e, muito possivelmente, a vitória. Os detalhes acabaram mesmo por marcar a diferença entre o atual sétimo classificado da prova e o líder, também campeão europeu e mundial de clubes.

Primeiro, aos 80 minutos, Diogo Jota – havia entrado aos 77’, substituindo Pedro Neto –, não identificou uma affordance (oportunidade de ação), ou se a percebeu não executou em conformidade, que colocaria Adama Traoré em posição privilegiada para desfazer a igualdade (figura 1). Em vez disso, optou por passar a Raúl Jiménez e a bola foi intercetada, sobrando para o guarda-redes Alisson. Embora a hipótese de fadiga seja posta de parte no imediato, o facto de ter entrado há pouco tempo pode justificar, parcialmente, a decisão tomada. Não é fácil entrar em jogos com elevado ritmo na plenitude e o avançado português tem demonstrado competências não condizentes com este episódio específico.

Figura 1. Oportunidade de ação não aproveitada por Diogo Jota para isolar Adama Traoré.
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Quatro minutos depois, porém, numa sequência ofensiva produzida pelo Liverpool FC, o capitão Henderson teve a perceção de uma linha de passe para Roberto Firmino que, não originando propriamente uma ocasião flagrante, poderia augurar uma eventual situação de finalização. Henderson, ao primeiro toque, executou o passe para Firmino que, com a qualidade individual que o caracteriza, fez o 1-2 para os reds (figura 2).

Figura 2. O momento do passe de Henderson para Firmino. O acoplamento perceção-ação mais adequado para o contexto de jogo em causa.
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Vejamos as duas sequências ofensivas e as respetivas consequências.



Affordances capture the action specific relations that exist between the skills/capacities of an individual performer and the action relevant properties of a task (…).

Araújo & Davids (2016)

A qualidade de um jogador também se revela nas suas capacidades percetivas para identificar (as melhores) oportunidades de ação e, reconhecendo-as, atuar em em função das propriedades do envolvimento. Quando tal sucede, o êxito estará sempre mais próximo de ser uma realidade. Segundo a imprensa, a equipa de Nuno Espírito Santo realizou um jogo bem conseguido diante de um Liverpool FC fortíssimo. Sim, poderia ter ganho se Diogo Jota estivesse mais afinado para as fontes de informação relevantes do contexto de jogo naquele octogésimo minuto. Não esteve o Diogo, mas esteve o Henderson que, salvo as devidas diferenças nos lances, foi mais eficaz no acoplamento perceção-ação e contribuiu determinantemente para o triunfo da sua equipa.

Acredito piamente que o atual sucesso desportivo do Liverpool FC tem muito de coletivo, de processos, de coordenação interpessoal na sua génese, mas é inegável a importância do input qualitativo que a individualidade pode adicionar ao coletivo na decisão de jogos de futebol de elite. São aqueles pequenos detalhes que diferenciam o líder e o sétimo classificado da liga.

A qualidade individual. Se não tens, os jogadores não veem ou, se veem, não executam com precisão. É, portanto, uma virtude que os treinadores deveriam desfrutar quando têm e lamentar quando não têm. Regra geral, parece que pouco se estimula desde tenra idade, ao invés de princípios, de organização e de modelos. O resto – as consequências –, julgo que todos temos uma ideia.


Referência
Araújo, D., & Davids, K. (2016). Team synergies in sport: theory and measures. Frontiers in Psychology, 7, 1449. doi: 10.3389/fpsyg.2016.01449

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