27/03/2024

Artigo do mês #51 – março 2024 | Quão efetivas são as dicas externas e as analogias na melhoria do desempenho de sprint e salto em jovens jogadores de uma academia profissional de futebol?

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Moran, J., Allen, M., Butson, J., Granacher, U., Hammami, R., Clemente, F. M., Klabunde, M., & Sandercock, G.

País: Inglaterra

Data de publicação: 1-fevereiro-2024

Título: How effective are external cues and analogies in enhancing sprint and jump performance in academy soccer players?

Referência: Moran, J., Allen, M., Butson, J., Granacher, U., Hammami, R., Clemente, F. M., Klabunde, M., & Sandercock, G. (2024). How effective are external cues and analogies in enhancing sprint and jump performance in academy soccer players? Journal of Sports Sciences, 1–8. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/02640414.2024.2309814

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 51 – março de 2024.

 

Apresentação do problema

Uma dica de treino é uma instrução verbal que pode ser utilizada para direcionar o foco de atenção de um indivíduo para o movimento, no sentido de otimizar a sua execução (Benz et al., 2016). As dicas que centram a atenção do praticante no resultado da ação no ambiente externo (e.g., num objeto) ou interno (e.g., numa parte corporal) afetam o desempenho motor (Chua et al., 2021; Porter et al., 2013; Vance et al., 2004). A hipótese da ação condicionada sugere que a atenção interna controla o movimento de forma deliberada, enquanto o foco externo promove a automatização da ação (McNevin et al., 2003; Wulf, 2012). Os treinadores podem recorrer a instruções com foco externo para promover a eficiência de movimento (Guss-West & Wulf, 2016), potencialmente melhorando a aprendizagem ao longo do tempo (Nicklas et al., 2022). 

Com base em estudos anteriores, Winkelman (2018) demonstrou os efeitos positivos de incluir uma componente direcional numa dica verbal para aprimorar o desempenho motor. É evidente que as dicas com foco de atenção distal são mais eficazes para a performance em saltos do que as com foco proximal. No contexto da locomoção, observou-se que os praticantes podem melhorar consideravelmente o seu desempenho quando o foco está voltado para um ponto ou alvo distante (Winkelman, 2018). 

Por outro lado, um aspeto pouco explorado na literatura sobre o treino de habilidades motoras é o uso de analogias para transmitir o propósito de uma instrução específica. Uma analogia é uma ferramenta verbal valiosa que integra informações biomecânicas de forma a facilitar a comunicação da velocidade e posição corporal necessárias para a execução da habilidade, ainda que de maneira simbólica (Powell et al., 2021). Os estudos indicam que crianças apresentaram um desempenho significativamente melhor em habilidades de andebol quando as dicas de treino foram apresentadas por meio de analogias (Fasold et al., 2020). Esta abordagem pode ser particularmente benéfica ao trabalhar com jovens, uma vez que melhora a compreensão e o desempenho subsequente (Kushner et al., 2015; Radnor et al., 2020). Contudo, são necessárias mais pesquisas para avaliar completamente a eficácia desta estratégia pedagógica. 

A literatura tem documentado que o uso de uma dica de treino externa, ou foco de atenção externo, pode resultar em melhores desempenhos em comparação com uma dica de treino interna, ou foco de atenção interno (Li et al., 2022; Makaruk et al., 2020; Wulf, 2012). No entanto, recentemente, numa ampla amostra internacional diversificada de jovens, foi comprovado que o mesmo princípio pode não se aplicar em idades inferiores a 18 anos (Moran et al., 2023). A adoção das técnicas de treino mencionadas para desenvolver habilidades, como correr e saltar, pode não representar necessariamente a estratégia ótima de treino para jovens (figura 2). Apesar de alguns estudos terem examinado o efeito do foco de atenção no desempenho de habilidades motoras em idades juvenis, os resultados parecem variar mais do que os realizados na idade adulta. Torna-se, assim, difícil determinar se a manipulação do foco de atenção através de dicas pode (ou não) melhorar a performance de jovens, como parece suceder nos adultos. Enquanto os adultos tendem a exibir uma maior propensão para se concentrarem em informações relevantes, os jovens focam-se tanto em informações relevantes como irrelevantes (Jung et al., 2023), o que, embora potencialmente vantajoso, pode afetar negativamente o nível de atenção que dedicam a uma instrução concreta (Connell, 2003).

 

Figura 2. Recurso a dicas de treino internas e externas para melhorar a performance de salto em jovens atletas (fonte: https://athletesacceleration.com) (imagem não publicada pelos autores).

 

À luz dos resultados reportados em jovens praticantes (Moran et al., 2023), tem sido especulado que, devido ao período de atenção mais curto e ao desenvolvimento cognitivo menos avançado, os indivíduos mais jovens podem ser menos recetivos a certas dicas de treino, comparativamente com os adultos (Yamada et al., 2022). Porém, considerando as coortes incluídas no estudo de Moran e colegas (2023), nenhuma poderia ser considerada como “elite”, quer em termos de longevidade, como na qualidade de treino a que os participantes foram expostos ao longo das respetivas carreiras desportivas. Deste modo, numa tentativa de suprimir as limitações desse estudo, os autores procuraram explorar a eficácia de dicas externas, dicas internas e “analogias com componente direcional” no desempenho de habilidades motoras em jogadores de futebol de elite, pertencentes a academias profissionais. Embora as analogias possam ser muito úteis no treino, até ao momento, os efeitos desta técnica associada a uma componente direcional (ou seja, “perto” vs. “longe”) ainda estão por confirmar (Winkelman, 2020).

 

Métodos

Participantes: 20 jovens jogadores de uma academia profissional de futebol (idade média: 14,7 ± 0,25 anos; idade biológica média: 14,6 anos; estatura média:166,9 ± 5,9 cm; massa corporal média: 53,9 ± 6,4 kg). Apenas indivíduos com menos de 18 anos e saudáveis foram elegíveis para participar no estudo. A pesquisa esteve conforme os princípios da Declaração de Helsínquia, sendo que os consentimentos dos pais e dos participantes foram obtidos antes do início da experiência. 

Desenho experimental: para examinar os efeitos de diferentes dicas externas, dicas internas e analogias com componente direcional (“perto” e “longe”) no desempenho de saltos e sprints em jovens futebolistas, foi cumprido um protoloco experimental. Os participantes realizaram saltos verticais e sprints de 20 metros, recebendo uma dica de treino específica antes de cada ação. Uma análise prévia de potência indicou que uma amostra de 20 participantes seria mais do que adequada para detetar os efeitos esperados nos testes de sprint e salto. Cada participante realizou 10 saltos e 10 sprints, com uma única dica de instrução fornecida imediatamente antes de cada ação. Foram concedidas 5 dicas diferentes para os sprints e 5 dicas diferentes para os saltos, o que significa que cada participante recebeu cada dica individual duas vezes. As dicas em si encaixavam-se em 5 categorias distintas (ver tabela 1). As dicas neutras “salte o mais alto possível” e “corra o mais rápido possível” foram usadas como dicas de controle.

 

Tabela 1. Dicas para os sprints e para os saltos (adaptado de Moran et al., 2024).

Aquecimento: antes dos testes físicos, foi realizado um aquecimento padronizado de 8 minutos, incluindo corrida de baixa intensidade, exercícios dinâmicos (e.g., skipping alto, balanços de perna para frente, lunges laterais) e saltos e sprints submáximos. Como preparação, os participantes foram autorizados a executar duas repetições submáximas ao longo de 5 metros e uma repetição máxima ao longo de 10 metros para se familiarizarem com o formato do teste de sprint (Winkelman et al., 2017). Os participantes foram incentivados a executar ações de baixa intensidade entre os testes. 

Saltos: o teste de salto vertical com contramovimento foi realizado utilizando o aparelho OptoJump (Microgate, Bolzano, Itália), conhecido pela sua validade e fiabilidade (Glatthorn et al., 2011). A cada participante foi pedido para “saltar o mais alto possível nos próximos 10 saltos”. Também foram informados de que “antes de cada salto, receberão uma dica de treino específica. Concentrem-se ao máximo nesta dica durante o salto” (Winkelman et al., 2017). Todas as dicas foram dadas a partir de uma posição sentada, cerca de um metro à esquerda da posição do participante. Houve um intervalo mínimo de 2 minutos entre os saltos, e o melhor resultados das duas tentativas foi analisado (Moran et al., 2017). 

Sprint de 20 metros: para medir a velocidade de sprint, foram utilizados portões de cronometragem (Brower Timing Systems, Draper, UT, EUA), também altamente fiáveis na medição da velocidade máxima (Shalfawi et al., 2012). Os participantes foram instruídos a adotar uma posição com 2 apoios, com os braços opostos às pernas e um pé atrás da linha de partida. Foi solicitado que cada participante realizasse os 10 sprints à velocidade máxima, com dicas de treino específicas cedidas antes de cada repetição (Winkelman et al., 2017). As dicas foram dadas a partir de uma posição sentada aproximadamente a um metro à esquerda da linha de partida. Os sprints iniciaram-se logo após a verbalização da dica, sendo propostos, no mínimo, 2 minutos de descanso entre cada sprint. Os portões de cronometragem foram posicionados um metro à frente dos participantes ao nível das coxas para capturar o movimento do tronco e evitar falsas partidas quando acionados pelos membros superiores (Ramirez-Campillo et al., 2021). 

Análise estatística: no sentido de avaliar as diferenças entre as dicas externas, dicas internas, as duas analogias com componente direcional e a dica neutra, correu-se uma ANOVA de medidas repetidas. Para o efeito, utilizou-se o software JASP (v. 10.2, Universidade de Amesterdão). As assunções de normalidade e esfericidade foram testadas com Shapiro–Wilk e Mauchly, respetivamente. Nas análises post-hoc aplicou-se a correção de Bonferroni (p < 0,05). Foram ainda utilizadas as dimensões de efeito do d de Cohen para examinar as diferenças entre as condições, sendo os valores interpretados segundo a proposta de Hopkins et al. (2009): <0,2 = trivial; 0,2–0,6 = pequeno, 0,6–1,2 = moderado, 1,2–2,0 = grande, 2,0–4,0 = muito grande, >4,0 = extremamente grande.

 

Principais resultados

A figura 3 oferece uma representação visual dos principais resultados do estudo.

 

Figura 3. Médias do tempo de sprint (em cima, em segundos) e da altura de salto (em baixo, em centímetros) para o grupo de 20 jogadores, em função de diferentes condições de foco atencional: neutro (neutral), “para longe” (away), “para perto” (towards), interno (internal) e externo (external) (Moran et al., 2024).

 

Tanto no sprint, como no salto, foram detetadas diferenças significativas entre os diversos tipos de dica. No sprint de 20 metros, as diferenças significativas entre as dicas externas e internas foram significativamente favoráveis para as dicas externas. Por sua vez, a comparação entre as dicas internas e as analogias com componente direcional “para longe” ditou resultados significativamente superiores para a analogia “para longe”. Não foram detetadas diferenças significativas entre as outras categorias de dica. 

No caso do salto vertical, não foram encontradas diferenças significativas entre as dicas, excetuando a comparação entre a analogia com componente direcional “para longe” e a dica de controlo (neutra), favorável a esta última.

 

Aplicações práticas

Dados os resultados apresentados, propomos 4 aplicações práticas que podem ser seguidas pelos treinadores para melhorar o desempenho de sprint e salto em contexto de treino:

 

1.  Utilizar dicas de treino externas e analogias com componente direcional para ações de sprint: os treinadores que trabalham com jovens futebolistas podem recorrer a dicas externas e analogias com componente direcional para melhorar a velocidade de sprint de forma mais efetiva, pelo menos quando comparadas com dicas internas. Esses 2 tipos de dicas de treino foram, de facto, mais eficazes na promoção de desempenhos superiores em alguns casos. 

2. Considerar a eficácia de dicas neutras na performance de saltos verticais: os profissionais do treino devem reconhecer que, no caso concreto das ações de salto, simplesmente aplicar dicas neutras que encorajam o esforço máximo pode ser tão eficaz quanto dicas mais sofisticadas. Encorajar o desempenho máximo, sem manipular o foco de atenção, pode incentivar esforços superiores por parte dos jovens praticantes de futebol, designadamente em tarefas ou testes de salto. 

3. Adaptar dicas instrucionais para jovens atletas: uma vez que há diferenças claras entre jovens e adultos em competências neurocognitivas e na propensão para seguir determinadas instruções, há que saber adaptar as dicas instrucionais em conformidade. Assim, os treinadores devem concentrar-se em utilizar dicas que sejam facilmente percebidas pelos jovens atletas, por forma a garantir desempenhos ótimos mais cedo e um desenvolvimento contínuo e progressivo das mais diversas habilidades. 

4. Solicitar concentração e padronizar as dicas de treino: os treinadores devem exigir que os jovens permaneçam concentrados na tarefa em mãos para maximizar o desempenho. Enquanto dicas externas e internas requerem que os participantes mantenham um foco específico no decurso da ação, as dicas neutras apenas apelam a um esforço máximo. Por outro lado, assegurar a padronização das dicas em várias tarefas torna a comunicação mais fluida e efetiva, fomentando a compreensão e a consistência da performance.

 

Conclusão

No presente estudo, encontraram-se evidências que apoiam o uso de dicas externas e analogias com componente direcional no treino da velocidade de corrida em jovens futebolistas de elite. O recurso a analogias pode constituir um modelo de comunicação mais acessível, facilitando a compreensão das instruções do treinador. Assim, uma linguagem de treino mais evocativa pode ser preferível às dicas convencionais, se resultar numa melhor compreensão contextual do que é exigido aos atletas. Contudo, os resultados do estudo não indicaram um efeito universalmente positivo das dicas experimentais nos testes de desempenho utilizados. Parece que incentivar simplesmente o desempenho máximo pode ser igualmente eficaz, especialmente em ações de salto. Estes resultados não devem desencorajar necessariamente os treinadores de utilizar dicas externas ou analogias com componente direcional, uma vez que podem ainda ser úteis na execução de uma habilidade motora. Acima de tudo, qualquer profissional do treino deve estar ciente de que o nível de experiência, a compreensão e a capacidade de atenção de um jovem podem afetar o desempenho motor, sendo aconselhável uma abordagem individualizada na orientação instrucional.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Sports Sciences.

16/03/2024

P'las Veredas de Monchique 2023/24 | Percurso Pedestre das Cascatas + Rota das Adelfeiras (10-mar-2024)

Há alguns anos que ando - literalmente! - nestas lides. Contudo, raras foram as ocasiões que me permitiram desfrutar dos 19,2 km realizados na Foia, como no passado domingo. 

Porquê? Por causa da água com que nos deparámos ao longo de todo o percurso. Não me lembro de ter descido o trilho dos castanheiros da Foia, no sentido do Penedo do Buraco, pelas bermas do mesmo, caso contrário ficaria com os pés encharcados. O trilho era o que outrora fora: um curso de água. 

As cascatas do Penedo do Buraco e do Chilrão, praticamente secas durante todo o ano, voltaram a mostrar-nos resquícios do passado: resplandecentes, refrescantes e cristalinas (figuras 1 e 2).

 

Figura 1. Cascata do Penedo do Buraco, Foia, Monchique, Portugal (10-mar-2024).

 

Figura 2. Cascata do Chilrão, Monchique, Portugal (10-mar-2024).

 

Uma vez que estes momentos podem ser cada vez mais efémeros, em seguida deixo-vos um vídeo com breves imagens da cascata do Chilrão para a posterioridade. O que foi, talvez nunca o voltará a ser do mesmo modo. A água, essa, a existir, procurará sempre os caminhos que lhe pertencem por direito.